A plantação da maconha como solução

Por Marco Antonio Birnfeld

Charge Espaço Vital
A conduta de plantar maconha para extrair óleos de uso medicinal não preenche a atipicidade material do crime de tráfico de drogas. Assim, na busca pelo direito fundamental à saúde, é possível conceder salvo-conduto aos que comprovem a necessidade do tratamento. Esta a linha decisória da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), permitindo - via habeas corpus - que um advogado carioca faça o plantio de maconha para extração de óleos medicinais. Na impetração, ele atua em causa própria.
O julgamento representa uma mudança de posição do colegiado e sinaliza a unificação da jurisprudência. Em junho, a 6ª Turma, que também julga casos criminais, abriu as portas para a concessão de salvo-conduto em favor de pacientes que, em tese, poderiam ser processados por tráfico de drogas. Até então, a 5ª Turma decidia "não caber imiscuir-se em um tema que ainda não tem definição administrativa".
No recente julgamento proferido pelo STJ, o ministro relator Reynaldo Soares da Fonseca afirmou que "para fins penais, não é mais possível o Estado-Juiz fechar os olhos e entender que as pessoas que estão procurando o direito fundamental à saúde são criminosas ou estão passíveis de prisão". No caso concreto, o acórdão reconheceu que "o objetivo do paciente é cultivar maconha e levar a planta ao laboratório de toxicologia da Universidade de Brasília, instituição que se dispôs a fazer a extração do óleo a ser usado no tratamento médico prescrito".
O arremate do julgado é esclarecedor: "Diante da omissão estatal em regulamentar o plantio para o uso medicinal da maconha, não é coerente que o mesmo Estado que preza pela saúde da população e reconhece benefícios medicinais da cannabis sativa condicione o uso da terapia àqueles que possuem dinheiro para aquisição do medicamento, em regra importado". (HC nº 779.289).
 

De pai para filho (1)

O juiz Noé Pacheco de Carvalho, da 1ª Vara da Comarca de Floriano (PI), determinou a soltura de seu próprio filho, Lucas Manoel Soares Pacheco, preso em flagrante por dirigir bêbado e atropelar uma motociclista na cidade. Os fatos ocorreram em 30 de março de 2021. O namorado da vítima conseguiu interceptar o atropelador, que acabou detido pela Polícia Rodoviária. O teste do bafômetro apontou a alcoolemia. Houve a prisão em flagrante e a condução para o distrito policial.
O juiz Noé homologou a prisão em flagrante, mas concedeu a liberdade provisória ao próprio filho. O julgador reconheceu o parentesco, mas referiu que "algumas circunstâncias deveriam ser levadas em consideração". A soltura ocorreu sem o pagamento de fiança. Pouco tempo depois, o Tribunal do Piauí aplicou a pena de censura ao juiz Noé. (Processo nº 0800910-97.2021.8.18.0028).

De pai para filho (2)

Um ano e nove meses depois, na terça-feira passada (22), o plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a abertura de revisão disciplinar e o afastamento cautelar do juiz de suas funções. O salário dele segue garantido.
O ministro relator Luis Felipe Salomão destacou "a extrema gravidade" da conduta do juiz piauiense. "Penso que se o magistrado faz isso à luz do dia, imagina o que ele faz, ou não, na calada da noite. Nunca tinha visto alguém que assina uma liberdade provisória para o próprio filho, a pretexto de ele não receber atentado na cadeia. Que exemplo esse juiz dará na comarca se apenas a censura for aplicada?", questionou. (Processo nº 0002447-53.2021).

Expectativa de saúde

Em época de crescente quantidade de ações contra planos de saúde, um interessante julgado do TJ de São Paulo, pró-consumidor: "O dependente, querendo, deve ser mantido mesmo após a saída do usuário titular". No caso concreto, a titular do plano é mãe do dependente do seguro. Ela argumentou que seu filho necessita de tratamento de saúde constante e que, em razão do elevado custo da mensalidade, só consegue pagar o preço relativo ao dependente.
O julgado - desfavorável à Sul América Saúde - considerou que "é manifestamente abusiva a cláusula contratual que prevê a extinção do contrato em relação ao dependente em caso de exclusão do beneficiário titular". (Proc. nº 1008291-07.2021.8.26.0011).

Desembargador atrabiliário

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aposentou compulsoriamente, na terça-feira (22), o desembargador Eduardo de Almeida Prado Rocha Siqueira, do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo. Ele ficou nacionalmente conhecido após a divulgação do vídeo em que, em 19 de julho de 2020, destrata um agente da Guarda Civil Municipal de Santos (SP), após ase negar a usar máscara em uma praia.
O guarda foi chamado de "analfabeto", e a multa foi amassada e jogada ao chão. Siqueira ainda tentou telefonar para o secretário de Segurança para que ele falasse com o guarda.
A conclusão do CNJ foi a de que Siqueira "violou o dever de manter conduta irrepreensível na vida pública e privada" (...) e que "seu comportamento mostrou-se incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo". O atrabiliário ex-magistrado tem garantida a continuidade do recebimento do salário. É uma aberração do artigo 42, inciso V, da Lei Orgânica da Magistratura.

Origem e significado de "mané"

É controversa a origem da palavra "mané", notabilizada - na terça-feira da semana passada - pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso, na Broadway, em New York. Há quem sustente que sua procedência esteja no nome Manel, uma alteração de Manuel. E, segundo o gramático Antenor Nascentes, conhecido estudioso da etimologia da língua portuguesa, trata-se de forma apocopada (que sofre redução no final) de "manema".
Justamente este é o nome com que os indígenas denominavam uma farinha grossa, que resultava em produtos inferiores aos obtidos com farinha fina. Quanto ao significado, o professor de Português Paulo Flávio Ledur não tem dúvidas: "Seja usado como substantivo ou adjetivo, o sentido de 'mané ' é sempre depreciativo, fazendo alusão a alguém que revela pouca inteligência, sem capacidade, ingênuo, tolo, paspalhão, bobo, desleixado, negligente, fácil de ser enganado, que demonstra falta de cuidado naquilo que faz, entre outros sentidos próximos".
Ledur lembra que em Florianópolis (SC) é muito difundido o diminutivo "manezinho", usado popularmente para designar os nativos da Ilha. "Originalmente, essa denominação era atribuída aos habitantes de ascendência açoriana, mas acabou se estendendo a todos os originários da capital catarinense". Ledur também esclarece que este uso florianopolitano não se dá em sentido depreciativo. Mas ressalta que "é no contexto depreciativo que se enquadra a frase ('Perdeu, mané, não amola'), proferida pelo ministro Luís Roberto Barroso em alusão às manifestações contra o resultado das eleições".

Indagação

Se o mané perdeu, quem ganhou as eleições de 2022? E-mails para a redação: 123@espacovital.com.br.

Politicamente correta

A agência regulatória norte-americana FDA considerou segura para a alimentação humana a carne criada em laboratório. Foi analisado pelo órgão o frango cultivado pela Upside Foods.
É a primeira aprovação oficial do produto, feito a partir de células e sem a necessidade de matar animais.

Prótese para o sucesso

O Tribunal de Justiça (TJ-RS) negou seguimento a recurso especial interposto pela Unimed Porto Alegre, em ação ajuizada por um engenheiro. Assim confirmou julgado da 6ª Câmara Cível: "Após a vigência da Lei nº 9.656/98, não há possibilidade de negativa à cobertura de prótese indispensável ao ato cirúrgico". Adiante: "O art. 10, VII, é claro ao estabelecer a não exclusão da cobertura ao fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios".
E a conclusão: "Necessidade de implantação de prótese importada para a obtenção de sucesso no resultado da cirurgia". (Proc. nº 70048910152).