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Caricaturas
Sob violentos ataques dos que não aceitam suas propostas, e elogios entusiasmados dos que veem em seu cinema uma solução e um caminho, Wes Anderson vai construindo uma obra que, pelo menos, procura se diferenciar da medíocre padronização da maior parte do cinema atual, contaminada pelas facilidades, pela falta de critérios e ausência de ambições. Estamos muito longe dos mestres do passado e, atualmente, são poucos os que ainda procuram manter vivas as possibilidades que a realidade oferece a quem se permanece fiel a ela, na tentativa de deixar um testemunho sobre uma época. Injustiças e distorções não merecem apenas críticas e ataques. Elas devem ter suas causas reveladas, e são cada vez mais raros os filmes que ultrapassam a fronteira que separa o panfleto da análise, o discurso do ensaio, a demagogia da responsabilidade. Dirão alguns, com certa razão, que só por tais tendências o cinema atual merece ser acompanhado, pois aparecerem nas telas, de forma involuntária, mas reveladora, as superficialidades tratadas de uma forma a exaltar mediocridades e a ressaltar superficialidades. O mais importante, certamente, é acompanhar os resistentes e ressaltar o que neles existe merecedor de atenção. É o caso de Anderson, que vem insistindo num cinema que, inspirado em distorções caricaturais e distantes do realismo, pode desagradar os que admiram uma arte voltado para personagens repassados de autenticidade.
Se tem de enfrentar críticas desfavoráveis, Anderson tem recebido apoio até mesmo de organizadores de festivais internacionais, sem esquecer o entusiasmo de críticos e a recepção diante de muitos espectadores, o que tem permitido que ele frequente salas de exibição em todo o mundo. Seu novo filme, este Asteroid City, que os distribuidores trataram de usar o título original, é mais um a expor de forma bem clara as principais características do cinema de Anderson. Ele não se recusa a tratar de temas que dizem respeito a um período iniciado após a Segunda Guerra Mundial. Algo a ser registrado em primeiro lugar é a bomba atômica, cujos testes continuam num deserto próximo do pequeno cenário onde a ação é desenrolada. Em algumas vezes, o cotidiano das figuras em cena é abalado pelas explosões, como se a população do mundo todo pouco ligasse para o que está acontecendo. A chamada opinião pública está mais interessada em temas pessoais e manifestações destinadas a orientar a atenção para outros cenários. Há o caso da professora que não consegue manter a atenção dos alunos, interessados em outros assuntos. E como não poderia faltar, até cowboys cantores estão presentes para transformar tudo em festa.
Anderson tem igualmente prestígio entre atores e atrizes de Hollywood. Muitos nomes famosos costumam aparecer em seus filmes, algumas vezes em participações pequenas e apesar disso significativas. Entres eles está Tom Hanks, como o patriarca de uma família, que odeia o genro e cujas netas se julgam criaturas malignas. Essa visão de uma família desintegrada é um olhar para um mundo mergulhado em crise e que não sabe o que fazer diante dos desafios e do grande mistério que o cerca. O cinema caricatural do cineasta é um resumo de uma sociedade dominada pelo ridículo e cujas expressões orais se assemelham a um jogo de fases e nomes repetidos. E há também o teatro, representado por uma encenação ambientada na década de 1950. São atores da época, filmados em preto e branco, que interpretam uma peça que vira filme em cores contemporâneas. E não falta o desenho animado, gênero que, por vezes, se intromete na ação. Caricaturas, teatro, desenho animado, musical e até o cinema - os movimentos de câmera lembram os de Alain Resnais - tudo serve ao diretor para erguer uma peça dedicada a cobrir a humanidade de ridículo. Entre os que o detestam e os que o apreciam, o diretor vai percorrendo um caminho difícil, deixando pelo caminho inconformidades com o real, algo materializado pela recusa em colocar na tela personagens construídos por gestos e falas que os aproximem de um cotidiano que, reconstituído com lucidez, costuma revelar o essencial para a compreensão de um cenário, símbolo de um mundo.