Tempo de celebração e reflexão

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A Igreja está celebrando os 50 anos da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II. Para muitos, se trata de um evento longe no tempo. No entanto, se a abertura do Concílio pode parecer distante, os resultados continuam repercutindo na vida cotidiana das comunidades.
É interessante resgatar as motivações do Papa João XXIII para a convocação de um evento deste porte. “A Igreja sabe quantas são as tensões que caracterizam o convívio humano em nossa época e deseja atenuá-las. A humanidade caminha para uma nova ordem mundial. Abre-se assim, para a Igreja, um leque imenso de possibilidades de ação, como já aconteceu nas mais graves crises da história. O que se exige da Igreja é que anime a comunidade humana, com a força perene e divina do Evangelho, num mundo que se gloria de seus progressos técnicos e científicos, embora sofra de profunda carência ética, que procura sanar independente de Deus” (João XXIII. Humanae Salutis, 3).
Nesta resposta do Papa, encontramos algumas constatações interessantes que merecem atenção. A primeira delas diz respeito à atenção da Igreja para com as situações que podem determinar a qualidade do convívio humano. Fala-se de “tensões”.
Há meio século, as tensões se apresentavam com algumas características: a guerra fria, o mundo dividido em dois grandes blocos (capitalismo e comunismo), os movimentos juvenis, a revolução sexual, a chegada do ser humano à lua, o surgimento da internet, primeiro para fins militares e depois para fins comerciais, a guerra do Vietnã, o impor-se de várias ditaduras mundo afora, o golpe militar de 1964 no Brasil, etc. Depois,  o Papa diz que a Igreja pode fazer algo em meio a tais situações: ela deseja cooperar para atenuar tensões. Ao mesmo tempo, tudo isso não é expressão de um momento histórico pontual; se trata da construção de uma nova ordem mundial que se impõe. Diante desse fato, abriu-se para a Igreja um leque imenso de possibilidades.
As constatações postas em destaque pelo Papa há meio século, continuam repercutindo no hoje de nossa história, e, talvez, até com maior impacto. Constata-se a necessidade de “discernir como a Igreja vive hoje a sua originária vocação evangelizadora, em virtude dos desafios com os quais é chamada a avaliar-se para evitar o risco da dispersão e da fragmentação” (A nova evangelização para a transmissão da fé cristã. Instrumentum Laboris. n. 4).
Hoje, as tensões que caracterizam a convivência humana assumiram outros contornos: a vulgarização da vida humana, a indiferença diante do outro, o descuido para com o meio ambiente, a drogadição, a fragmentação das relações, o individualismo exacerbado, etc. No entanto, a exigência de animar a comunidade humana, com a força perene e divina do Evangelho, se tornou, talvez, até mesmo mais urgente. Daí a urgência de não temer os novos areópagos. Mas, para isso, a Igreja, enquanto comunidade de batizados, precisa crescer na consciência de que é fermento na massa, sal da terra e luz do mundo.
Por meio do trabalho humilde, mas decidido; por meio da oração e do estudo; por meio da caridade e do cuidado; por meio do envolvimento de todas as forças que compõem o tecido eclesial; por meio da educação para a vivência da unidade na diversidade, fundada no princípio de que todos são irmãos e iguais em dignidade (DGAE, 98); por meio do cultivo do convívio, vínculos profundos, afetividade, interesses comuns, estabilidade e solidariedade nos sonhos, nas alegrias e nas dores (DGAE, 59) haveremos de cooperar para atenuar as tensões que continuam incidindo fortemente sobre o convívio humano.
Eis aí um dos grandes desafios da “nova evangelização”, nestes tempos em que celebramos os 50 anos de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II.