O mistério da ressurreição

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A ressurreição é, sem dúvida, a nota característica do Cristianismo. Trata-se de um mistério, cuja profundidade a razão humana não consegue atingir e cujo significado perpassa a vida cristã. A Sagrada Escritura culmina nela. Só pode ser entendida a partir dela. Lucas coroa sua narração dizendo que Jesus, após a ressurreição, apareceu aos discípulos: “abriu-lhes o espírito para que compreendessem as Escrituras, dizendo: Assim é que está escrito, e assim era necessário que Cristo padecesse, mas que ressurgisse dos mortos ao terceiro dia, e que em seu nome se pregasse a penitência e a remissão dos pecados a todas as nações”!(Lc 24,46-47).

São Paulo é enfático ao garantir que: “se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vã e também é vã a vossa fé” (1 Cor 15,14). Isto significa que a autenticidade da pregação depende da veracidade da ressurreição de Cristo e que a força da fé cristã promana desta consistência. Cabe-nos ver suas implicâncias.

Partimos do fato. Estamos diante de um problema limite. Como abordá-lo? Se enveredamos por uma exegese histórico-documental estamos submetendo nossas considerações a uma determinada forma de pesquisa. Situamo-la num contexto já conhecido, deixando, porém, de lado toda a sua originalidade e transcendência. Ficamos na consideração, por assim dizer, arqueológica. Se, ao invés, enveredamos pela evidência histórica, sentimos palpitar o querigma. Não nos basta o sepulcro vazio para atestar que Jesus ressuscitou. Necessitamos de testemunhas. Elas não só atestam que viram o ressuscitado, mas o proclamam através do seu anúncio e de sua alegria com esta verdade, pela qual dão a própria vida, morrendo por ela. Toda a Igreja vive, nestes seus 20 séculos de existência, desta verdade e a celebra em todas as comunidades através de solenes liturgias. E o Espírito Santo garante a veracidade desta proclamação.

A ressurreição, característica do Cristianismo, permanece misteriosa. Jesus, após sua morte, aparece e desaparece. Torna-se difícil reconhecê-lo, exatamente pela alegria exuberante que provoca e pela diversidade de sua nova vida. Os discípulos de Emaús o tiveram como companheiro de caminhada, sem reconhecê-lo, a não ser no gesto sacramental da fração do pão. As aparições aos discípulos causaram estranheza. Foi necessário mostrar-lhes os sinais do Crucificado: “as mãos e o lado” (Jo 20, 25-27). Jesus não aparece de modo convencional: os discípulos “perturbados e espantados, pensavam estar vendo um espírito” (Lc 24,37). Mateus mostra esta perplexidade até ao arrebatamento final de Jesus: “Quando o viram, adoraram-no: entretanto, alguns hesitavam ainda” (Mt 28,17).

A ressurreição tem uma referência fundamental à cruz e à vida cristã. O binômio morte-ressurreição é indissociável. A ressurreição nos dá a entender o mistério da Cruz. São Paulo nos declara sepultados na morte com Cristo e ressuscitados com Ele. Deste mistério promanam o perdão, a reconciliação, a justificação e a santificação. Falamos de uma vida nova.

A ressurreição projeta luz sobre a morte e faz resplandecer a Cruz como sinal de salvação. Dá-lhe compreensão salvífica. Leva à fé – São Paulo dirá: “eu sei em quem acreditei” – reanima a esperança – os discípulos de Emaús voltavam desolados de Jerusalém, porque haviam esperado que Jesus fosse restaurar Israel (Lc 24,41), mas voltam reanimados para lá porque haviam encontrado Jesus ressuscitado.