Documentos revelam detalhes da história do TRT4

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Acervo composto por mais de dois milhões de processos trabalhistas é aberto para consultas de acadêmicos e leigos.

Histórias são passadas adiante através dos tempos. Fotografias, depoimentos, notícias de jornal e, principalmente, documentos servem para provar acontecimentos ou desmentir inverdades. É com essa premissa que o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região disponibiliza o Memorial da Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul, que abriga um acervo bastante significativo de processos trabalhistas – acervo este que foi reconhecido, em março, como patrimônio da humanidade pelo programa Memória do Mundo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

O desembargador João Paulo Lucena e a juíza Anita Job Lübbe, membros da coordenação do Memorial, destacam que os processos judiciais que fazem parte do acervo são memória pública. “Constituem parte da documentação de todo o judiciário trabalhista”, explica Lucena. “São processos que retratam conflitos dos mais variados, desde atritos entre trabalhador e empregador, conflitos coletivos e questões sindicais a evoluções das conquistas trabalhistas. Em suma, fontes primárias de pesquisas históricas para a sociedade.” Anita reitera a constatação do desembargador. “Além de abordar diversos conflitos, esse histórico apresentado graças aos processos demonstra uma pluralidade de etnias. Temos peculiaridades que enriquecem o acervo”, explana. “Quando contextualizados sob pontos de vista sociológicos, históricos ou arquivísticos, por exemplo, trazem histórias, respostas. É um conhecimento que vai além da área jurídica.”

Os processos, que são mantidos em forma física e digitalizados através de um sistema de microfilmagem, são higienizados de maneira cuidadosa para que todas as sujidades sejam erradicadas. O coordenador de pesquisa do Memorial, Walter Oliveira, e o historiador Paulo Guadagnin não poupam esforços para valorizar a importância da conservação desses documentos. “O Judiciário fazia o descarte desses processos. Estimamos que 95% dos processos trabalhistas brasileiros tenham sido eliminados. É um prejuízo incalculável para a sociedade”, lamenta Oliveira. “Dependemos de verbas públicas. A digitalização desses arquivos requer uma constante atualização de tecnologias, como substituição de disco rígido. Nem sempre há recursos financeiros para isso. A digitalização permite um maior acesso à coleção, mas não garante a conservação”, esclarece Guadagnin.

O Memorial da Justiça do Trabalho existe desde 2003. A partir daí, criou-se uma ideia de preservar e permitir o acesso ao público desses documentos. Lucena garante que todo e qualquer processo pode ser consultado, tanto por acadêmicos como por historiadores, sociólogos, jornalistas e até mesmo curiosos. “Com exceção de ações que tramitam em segredo, o pesquisador consegue acessar qualquer uma”, lembra. “As pessoas não sabem que é tão simples. A responsabilidade que temos de manter essa permissão ficou ainda mais evidente após o reconhecimento da Unesco”, ressalta Anita.

Acervo como patrimônio da humanidade

Em 2012, o TRT de Pernambuco foi reconhecido pela Unesco. Em 2013, foi a vez do TRT4, que trata especificamente de questões do Rio Grande do Sul. “Somos os primeiros da região Sul a receber o prêmio”, orgulha-se Anita. “A ideia é de que todos os tribunais tenham os acervos preservados.” Lucena alerta para a perda inestimável que o descarte de documentos pode causar.“Não há como prever quão valioso um processo individual pode ser. Houve, há anos, uma ação de um metalúrgico que perdeu um dos dedos da mão em um acidente de trabalho. Quando foi queimado, ninguém sabia, mas esse operário acabou se tornando presidente da República anos mais tarde”, exemplifica. “Retratava a vida de um personagem relevante para a história do Brasil. Não temos como prever, nem o direito de queimar aquilo que pode ser um patrimônio das futuras gerações.”
Além da preservação dos documentos, é importante que eles sejam, também, classificados, ou então a busca por algum se tornaria um martírio. “Nosso acervo já está em processo de transformação. Desde setembro do ano passado, os processos não são mais em papel. Nossa dificuldade é padronizar esses documentos de agora, protocolados, e aqueles que já fazem parte do procedimento de conservação”, destaca o desembargador.
A juíza acentua a mudança de paradigma proporcionada pelo reconhecimento da Unesco. “Difundimos a consciência de que esse acervo tem um valor muito maior do que um simples acumulado de papéis”, relata. “Eles também podem servir, na área jurídica, como fonte de doutrina ou material para pesquisas. A jurisprudência evolui conforme a época, mas é válido saber como tal teoria jurídica se modificou com o passar dos anos.” Para ela, as respostas oferecidas pelo acervo, que reúne quase dois milhões de processos tramitados entre 1935 e 2000, dependem das perguntas que são feitas a eles. “Se quisermos respostas a questões jurídicas, lá estarão. Se preferirmos desvendar o contexto histórico ou social da época em que o processo ocorreu, também é possível. O ideal, portanto, é saber qual o questionamento.”
Lucena reitera a importância da divulgação da disponibilidade do acesso. O Memorial estabeleceu convênios com universidades de Passo Fundo, Pelotas, Santa Maria e Rio Grande. Processos referentes àquelas regiões já são encaminhados para os respectivos depósitos, e os mesmos procedimentos de conservação e preservação são utilizados. Além disso, a compreensão de que os documentos em forma digital também precisam de manutenção específica. “Já recebemos os processos protocolados com a consciência de que precisaremos de um método para conservá-los, que não se torne obsoleto com o passar dos anos”, ilustra.