Senado avalia reforma de processos administrativos e tributários no País

Com base no trabalho feito por comissão de juristas, foram apresentados dez projetos de lei

Por Nícolas Pasinato

Propostas estruturantes foram transformadas em 10 projetos de lei
No mês passado, uma comissão de juristas, presidida pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Regina Helena Costa, encaminhou ao Senado Federal um conjunto de alternativas que buscam reformar os processos administrativo e tributário no País.
Para isso, o grupo - formado, em fevereiro, por especialistas de diferentes áreas - elaborou propostas estruturantes, que foram transformadas em dez projetos de lei e já se encontram em tramitação no Congresso. Um dos principais objetivos da iniciativa é reduzir o número de ações relacionadas às questões administrativas e tributárias e definir um prazo para os processos serem analisados.
As medidas propõem, por exemplo, ampla reforma em ações que incentivam a solução consensual de conflitos em matéria tributária, a redução do contencioso tributário, a desjudicialização, a diminuição da litigiosidade entre Fisco e contribuintes, a simplificação de processos e a composição entre as partes.
O especialista em direito tributário do Balera, Berbel & Mitne Advogados, Arthur Pitman, classifica a criação da comissão de juristas responsável pela elaboração dos anteprojetos como valiosa e vanguardista.
"Os trabalhos da comissão já resultaram em um relatório de mais de 1.250 páginas de fundamentação de propostas legislativas e em dez projetos de leis ordinárias ou complementares que introduzem aprimoramentos no atual panorama do processo administrativo e judicial tributário", ressalta.
Dada a abrangência dos trabalhos da comissão e dos projetos de lei apresentados, o tributarista destaca três eixos principais para fazer uma análise das propostas: a criação de soluções alternativas e consensuais de resolução de conflitos; os métodos alternativos de garantia do crédito tributário em execução fiscal e cobrança extrajudicial do crédito tributário; e a modernização do processo administrativo fiscal, com aprimoramentos e regulamentação de lacunas até então existentes.
"Quanto ao primeiro eixo, os novos projetos de alteração das leis introduzem aprimoramentos nas já praticadas transações tributárias de débitos inscritos e não inscritos em dívida ativa, buscando soluções consensuais e que impliquem em concessões mútuas entre Fazenda Pública e contribuintes, na busca da redução de litígios fiscais", pontua Pitman.
O especialista chama atenção também para o fato de o trabalho da comissão ter resultado na sugestão da implementação de mediação e arbitragem em matéria tributária. Na prática, a ideia é instaurar métodos alternativos de solução e de prevenção de conflitos entre Fisco e contribuintes fora do Poder Judiciário, por meio da atuação de árbitros e mediadores independentes, como uma tentativa de buscar solução mais célere àquela oferecida pelo processo judicial.
Sobre o segundo eixo, o especialista em Direito Tributário afirma que devem ser atualizadas previsões obsoletas da Lei de Execuções Fiscais, como a possibilidade de oferta antecipada de bens em garantia, a substituição de garantia e a suspensão da execução até que haja uma decisão proferida em segundo grau de jurisdição.
"Além disso, serão abertas possibilidades de soluções extrajudiciais prévias e que condicionarão o próprio ajuizamento da execução fiscal. Haverá ainda tramitação diferenciada para execuções fiscais de dívidas de pequeno valor, como aquelas de até 40 ou 60 salários mínimos", acrescenta.
Por fim, a respeito do eixo que visa à modernização do processo administrativo fiscal, Pitman observa que a ideia é promover uma integração maior entre as instâncias administrativas e judiciais, além de ampliar a transparência e a cooperação na relação entre o Fisco e o contribuinte.
 

Tempo médio de tramitação de execuções fiscal supera dois anos

O pacote de projetos apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em setembro, tem como objetivo principal solucionar um problema crônico do País: o sufocamento do Poder Judiciário. Nesta entrevista, o especialista em Direito Tributário do Balera, Berbel & Mitne Advogados, Arthur Pitman, comenta as razões para o excesso de litígio tributário existente e analisa como as propostas que tramitam no Congresso podem descongestionar o sistema judiciário.
JC Contabilidade - Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que o ano de 2021 fechou com 77 milhões de processos em tramitação, sendo que 35% do total eram execuções fiscais, movidas por municípios, estados e União. Ao que se deve esse volume grande de ações tributárias na sua visão?
Arthur Pitman - O mau resultado e a baixa eficiência das execuções fiscais denunciada pelos números citados podem ser atribuídos a uma grande variedade de motivos. No entanto, entendo que uma merece destaque: o modelo de execução judicial de créditos, em geral, mostrou-se ineficiente dada a sua morosidade, sua ineficiência em identificar patrimônio de devedores capaz de liquidar dívidas inscritas em dívida ativa, e, sobretudo, alcançar um fim exitoso da execução fiscal que liquide o crédito tributário cobrado. Em relatório denominado "Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro", produzido em 2022 pelo Insper e pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), foram identificados diversos dados e informações que evidenciam o insucesso e a ineficiência do atual modelo de execução fiscal: em termos de morosidade, identificou-se que o tempo médio de tramitação de execuções fiscais, desde a instauração do litígio até o seu julgamento final é de 771 dias, dentre os quais, como média, 201 dias são transcorridos entre a distribuição da execução e um despacho inicial do magistrado, 582 dias são transcorridos entre (quando há) ato de penhora e o ajuizamento da execução fiscal, e, ainda, 218 dias são transcorridos entre a penhora e a expropriação do bem (quando esta existe). Além de morosa, a execução fiscal tende a ser ineficiente, quando se tem em conta que em apenas 12,6% dessas ações tiveram penhora realmente efetivada, e ainda, tão somente 1,6% destas resultam em expropriação patrimonial.
Contab - De que forma esse elevado grau de litígio em matérias tributárias tem consequências para o País e para o Judiciário?
Pitman - A edição de 2021 do relatório "Justiça em Números" do CNJ identificou que existiam, no ano de 2020, 75 milhões de processos pendentes de baixa no Poder Judiciário brasileiro, do qual mais da metade (52,3%) eram processos em fase de execução judicial (cumprimentos de sentença) ou extrajudicial (cobranças de títulos executivos em geral). Mais curioso é que, desse acervo de execuções gerais, 68% eram execuções fiscais, isto é, 36% do total do acervo processual pendente de baixa são execuções de títulos executivos de créditos inscritos em dívida ativa. Essas execuções possuem uma "taxa de congestionamento" - o que significa que elas se prolongam no tempo e costumam se acumular, em razão do ajuizamento de novas execuções fiscais e pendência da baixa de execuções fiscais antigas - de 87%, ou seja, 870 a cada 1.000 execuções fiscais se acumulam no Poder Judiciário anos após anos. O Poder Judiciário está abarrotado de execuções fiscais que falharam em cumprir o seu objetivo, de liquidar créditos inscritos em dívida ativa, sem oferecer uma solução alternativa ou até mesmo viável para contribuintes executados que, porquanto tenham interesse em quitar seus débitos tributários, não encontram formas financeiramente viáveis de fazê-lo.
Contab - Entre as propostas apresentadas pela comissão de juristas ao Senado, há alguma que lhe chame atenção por alguma razão em particular?
Pitman - Sem dúvida, uma das mais polêmicas é a possibilidade de introdução de arbitragem em matéria tributária, afinal, implicaria introduzir um árbitro independente, externo ao Poder Judiciário, para resolução de conflito de natureza eminentemente pública entre Fisco e contribuinte. A discussão não é exatamente nova: desde 2015, foi introduzida alteração no artigo 1º da Lei nº 9.307/1996 ("Lei de Arbitragem") para possibilitar a arbitragem com a administração pública. Ainda existem, atualmente, pelo menos dois projetos de lei em tramitação no Senado que preveem modelos diversos de aplicação do instituto em matéria tributária: os PLs 4.257/2019 e 4.468/2020. Ocorre, contudo, que essa proposta enfrenta desafios teóricos e práticos significativos para sua implementação: a utilização de arbitragem em matéria tributária poderia violar o princípio de inafastabilidade de jurisdição, assim como a submissão ao juízo arbitral poderia implicar na renúncia de direito público indisponível ao crédito tributário, além de oferecer alguns desafios sobre o instrumento legal adequado para sua introdução, o que poderia ser problemático. De outro lado, parece que a arbitragem em matéria tributária promove o princípio da eficiência na solução célere e, muitas vezes, consensual de litígios fiscais fora da morosidade judiciária.
Contab - A Lei de Execução Fiscal foi editada na década de 1980. Avalia que essa legislação esteja defasada e mereça também passar por uma reforma?
Pitman - Com certeza, o modelo de execuções por meio da tutela do Poder Judiciário, de forma geral, é defasado diante de sua morosidade, sua ineficiência em identificar patrimônio dos devedores capazes de liquidar débitos inscritos em dívida ativa, e, sobretudo, por não apresentar alternativas financeiras viáveis, consensuais e possíveis para os contribuintes de boa-fé. Não à toa, o resultado do trabalho da comissão de juristas, voltado à reforma do processo administrativo tributário judicial e administrativo, segue tendências modernas, atuais e que dialogam com o que há de mais vanguardista em termos de cobrança do crédito tributário: soluções consensuais e extrajudiciais, métodos alternativos de cobrança e de garantia do crédito tributário e atualização do processo administrativo fiscal por meio da sua integração com o sistema de precedentes judiciais vinculantes.

Os 10 projetos encaminhados ao Senado para modernizar processos administrativo e tributário

• PLP 124/2022 - Dispõe sobre normas gerais de prevenção de litígio, consensualidade e processo administrativo, em matéria tributária.
• PLP 125/2022 - Estabelece normas gerais relativas a direitos, garantias e deveres dos contribuintes.
• PL 2481/2022 - Reforma da Lei 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo).
• PL 2483/2022 - Dispõe sobre o processo administrativo tributário federal e dá outras providências.
• PL 2484/2022 - Dispõe sobre o processo de consulta quanto à aplicação da legislação tributária e aduaneira federal.
• PL 2485/2022 - Dispõe sobre a mediação tributária na União e dá outras providências.
• PL 2486/2022 - Dispõe sobre a arbitragem em matéria tributária e aduaneira.
• PL 2488/2022 - Dispõe sobre a cobrança da dívida ativa da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e das respectivas autarquias e fundações de direito público, e dá outras providências.
• PL 2489/2022 - Dispõe sobre as custas devidas à União, na Justiça Federal de primeiro e segundo graus, e dá outras providências.
• PL 2490/2022 - Dá nova redação ao artigo 11 do Decreto-Lei 401, de 30 de dezembro de 1968.