O planejamento da continuidade

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Trabalhar em família nem sempre é fácil. A maior dificuldade está em separar o papel de familiares, gestores e sócios. Buscando entender melhor o comportamento dos empresários brasileiros, foi realizado o estudo Tornando-se uma Família Empresária. Conduzida pela Höft, consultoria que há 35 orienta famílias empresárias no processo de sucessão e continuidade, a pesquisa teve como objetivo mapear as práticas adotadas pelas empresas familiares brasileiras na condução dos negócios e na preservação do patrimônio. Sócios e membros de cerca de 170 famílias empresárias foram entrevistados, sendo a maioria (74%) da região Sudeste e integrantes da segunda geração das companhias (58%). O coordenador da pesquisa, Wagner Teixeira, diretor-geral da Höft, explica que as famílias empresárias se caracterizam por possuírem três sistemas em constante interação: a família, o patrimônio e a empresa.

JC Contabilidade - Quais costumam ser os principais motivos para o fim das empresas familiares?

Wagner Teixeira - A causa é a falta de planejamento, pois não se destina muito tempo para pensar nisso. Tirando alguns casos inusitados, como acidente ou morte por doença, a maioria dos processos sucessórios é previsível. Eles vão acontecer mais cedo ou mais tarde, e podem ser perfeitamente pensados e articulados com calma. 

Contabilidade - Por que ainda é pequeno o percentual de empresas que planeja a sucessão?

Teixeira - Esta é uma preocupação que normalmente é deixada para depois. Falar em sucessão representa falar em morte, ou aposentadoria. E a maioria das pessoas não gosta de falar sobre esses assuntos. Isso já foi um tabu muito forte no passado. Hoje, quando se fala em sucessão, muitas famílias acabam falando também em continuidade. Não há um momento certo ou ideal para iniciar essa conversa. É um tema que deveria estar sempre na pauta das reuniões. Se isso já for discutido ao longo do tempo, vai facilitar quando ocorrer um imprevisto, por exemplo. Planejar sua sucessão e continuidade é muito mais do que cuidar só da empresa. O segredo está em considerar as necessidades e anseios de cada membro da família empresária e trabalhar de forma conjunta, preservando o patrimônio e deixando um verdadeiro legado para as gerações seguintes.

Contabilidade - Quais são os principais desafios de uma empresa familiar?

Teixeira - O principal desafio é fazer o planejamento da sucessão e o segundo é o preparo dos herdeiros. Aí entram fatores como o conhecimento do contrato social, a participação individual e do núcleo familiar, o preparo dos sucessores para o papel de sócio, inclusive tecnicamente. Sempre é necessário algum preparo quanto à vinculação. É preciso ensinar a pessoa a criar amor ao negócio, para que isso se reflita posteriormente no cuidado. É preciso preparar tanto os herdeiros quanto a geração atual para o convívio entre gerações (no caso de tio e sobrinho, por exemplo). O conflito entre gerações já é natural. Quando se fala de uma família empresária, está inerente. Trabalhar em empresa familiar amplia muito o potencial de conflito. Portanto, se ele não estiver bem equacionado, a probabilidade de um caso malsucedido é grande. Em relação à empresa, é preciso deixar claro que a transparência nas informações reforça a confiança, o comprometimento e a legitimidade dos gestores. É preciso atentar também para o fato de que o modelo de sociedade utilizado na primeira geração nem sempre se transfere para a segunda e deve ser discutido até que se chegue ao formato ideal. No universo representado na amostra, apenas 7% possui um planejamento de sucessão e continuidade com a participação de todos os envolvidos. E é onde ocorre um dos principais desafios para a maioria das empresas familiares, que é mudar de um processo decisório individual - em que o dono toma a maioria das decisões sozinho - para um novo modelo que considere os interesses coletivos.

Contabilidade - E qual o principal passo para garantir a continuidade?

Teixeira - A cultura com que este patrimônio foi construindo, quais eram os valores que ele tinha para chegar onde chegou. A preservação dessa história e desses valores traz para as novas gerações o compromisso com o legado. Um dos passos mais importantes para garantir a continuidade é registrar a história da família empresária, preservando a cultura deixada pelos fundadores, o que é determinante para a coesão e a identidade familiar. A pesquisa mostrou que 79% das famílias empresárias ainda não possuem um registro formal de sua origem e história. Outro dado se refere ao patrimônio: 91% ainda não possuem órgãos representativos dos familiares, que deliberem sobre os rumos dos negócios.

Contabilidade - Quais são as principais lições para o sucesso das famílias empresárias?

Teixeira - Cuidar do capital humano da família empresária, sua formação e desenvolvimento; promover a cultura dos membros; estudar e planejar a sucessão na perspectiva dos três sistemas (família, patrimônio e empresa); pensar e agir como se fosse uma empresa de capital aberto, com responsabilidade e transparência.