Megatendências: o futuro é logo ali
Não importa o quão sólidos sejam os negócios da sua empresa, eles sempre estarão vulneráveis às mudanças. Duvida? Provavelmente, os dirigentes da Kodak – marca fundada em 1888 e que se tornou líder no mercado de câmeras e filmes fotográficos durante o século passado – também refutariam essa ideia se, na década de 1990, alguém apostasse que os negócios da gigante fracassariam, o que se tornou realidade a partir dos anos 2000.
A Kodak nasceu da inovação de seu fundador, George Eastmenn, que inventou o primeiro rolo de filme fotográfico, em 1883. Cinco anos depois, ele já vendia câmeras nos Estados Unidos. Desde então, o grupo não parou mais de inovar: vieram as câmeras de mão, o filme colorido e modelos cada vez mais atrativos. Porém, bastou relegar a segundo plano uma de suas próprias inovações, a câmera digital, para fazer com que o que era sólido se desmanchasse no ar.
Com dificuldade para acompanhar o avanço tecnológico, a Kodak investiu em impressoras, o que também não conseguiu sustentar os lucros da companhia centenária. Por fim, precisou recorrer à lei de falências norte-americana, em 2012, para não fechar as portas. Hoje, ainda tenta se reestruturar e acompanhar o mercado, mas, agora, sempre que se fala da empresa, o assunto nem sempre é os produtos que ela desenvolveu. A Kodak virou uma referência, também, sobre o que uma empresa não deve fazer – inclusive, o tema é abordado frequentemente em artigos acadêmicos.
A história está repleta de situações semelhante às da empresa norte-americana. Entre as previsões frustradas que ficaram consagradas nos livros de história, estão a de Auguste Lumière, inventor do cinema, que disse: “o meu invento pode ser explorado como uma curiosidade científica por algum tempo, mas não tem futuro comercial.” Winston Churchil, em 1939, disse que “a energia atômica deve ser tão boa como os explosivos de hoje (da época), mas é improvável que produza algo muito mais perigoso” – pouco tempo depois, em 1945, a bomba atômica devastou não só a previsão de Churchill como as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão.
Portanto, a conclusão não poderia ser mais óbvia: camarão que dorme a onda leva, sem dó. E é para não ser conduzido pela maré que consultores de empresas, executivos e governantes observam o mundo com o olhar atento ao futuro, prevendo cenários de médio e longo prazos, seja para aproveitar oportunidades de mercado ou para contornar e solucionar dificuldades.
Megatendências exigem reflexão estratégica
A PwC, empresa de auditoria e consultoria empresarial, define as forças macroeconômicas que estão moldando o mundo como megatendências – mudanças que já estão em curso, mas que logo irão exigir novas posturas das empresas (e também dos governos). “De acordo com o perfil da empresa e os subsídios materiais com que ela trabalha, se faz necessário um planejamento estratégico mais apurado”, avalia o sócio-líder da PwC Brasil para a região Sul, Carlos Biedermann. Para ele, os empresários precisam observar, sobretudo, quais são as tendências que podem ter maior impacto, direto ou indireto, no seu negócio.
Os estudos da PwC nessa área observam, tradicionalmente, cinco megatendências que já estão gerando transformações no mundo: o impacto das alterações climáticas e a escassez de recursos, o processo de urbanização das cidades, demografia mundial, deslocamentos nos centros de poder econômico e avanços tecnológicos. “Entendemos que esses fatores determinam um novo paradoxo de liderança na economia mundial nas próximas décadas”, pondera Biedermann.
Em alguns casos, essa influência é tão significativa que resulta em reformulações estratégicas de negócios. Um exemplo é a Mastercard, que está deixando de ser apenas uma operadora de pagamento para se consolidar como uma empresa de tecnologia, conta o vice-presidente de produtos da Mastercard, Marcelo Tangioni. “O nosso produto de marca, de franquia, continua muito forte, ainda é o nosso maior negócio, mas cada vez mais a empresa começa a investir em outros produtos e serviços de tecnologia. A minha área de produtos, há três, quatro anos atrás, era muito menor do que é hoje, e também era menos complexa do ponto de vista de abordagem de produto.”
Os atuais negócios da Mastercard, em algumas áreas, nem se restringem mais à bandeira do grupo. É o caso do desenvolvimento de programas de relacionamento – que já atingem 150 milhões de consumidores em 55 países do mundo onde a empresa tem parcerias –; da carteira digital, em que o cliente seleciona a inclusão de cartões de diferentes empresas; e dos serviços de roteamento de transações, os mesmos que a Mastercard usa em suas operações e que oferece para outros grupos do ramo.
“A empresa tem que estar sempre voltada para o mercado, para o consumidor. Há alguns anos, quando tomamos a decisão de nos reposicionarmos como uma empresa de tecnologia, desenvolvendo produtos novos e comprando empresas que ofereçam essa capacidade, a ideia era a de nos adequarmos às novas tendências”, frisa Tangioni. “Temos que não só acompanhar, mas ficar à frente dessas tendências, a fim de estarmos prontos quando a realidade chegar.”
Uma das megatendências que recebe grande atenção da empresa é a digitalização do mundo. “Já está acontecendo e só acelera”, sustenta. Os meios de pagamentos também estão em transição, acrescenta. “No Brasil, comparando com outros países da América Latina, temos um padrão de bancarização alto, só que do ponto de vista mundial, ainda há muito para evoluir. Cerca de 40% da população economicamente ativa do País ainda não tem conta-corrente, mas às vezes tem um cartão de loja”, aponta. Tangioni detalha que, de olho nesse cenário, bancos, instituições financeiras, operadoras de pagamento e empresas de tecnologia têm trabalhado para fazer a inclusão digital, de meios de pagamento e também social dessas pessoas. Existe uma terceira tendência citada por Tangioni que é a migração do papel moeda para o eletrônico. “Os governos estão percebendo mais a tendência do quanto isso gera de resultados positivos para a sociedade e para a economia.”
Concentração se dará cada vez mais nas cidades
Há quem aposte que as cidades não têm mais como e nem para onde crescer. Por mais confusos e populosos que possam ser, os grandes centros urbanos ainda estão em expansão, e ela é vertiginosa. Na década de 1950, menos de 30% da população mundial vivia nas cidades. Hoje, a proporção é de 50% e, até 2050, deve chegar a 72%. Portanto, em um século (entre 1950 e 2050), a população urbana terá mais do que dobrado, segundo análise da Organização das Nações Unidas (ONU).
Neste ano, devemos alcançar o número de 22 megacidades, com população superior a 10 milhões de pessoas, em 17 países com economia em desenvolvimento. É claro que o crescimento urbano mais acelerado ocorrerá em localidades que ainda têm uma grande população rural, como ocorre nos continentes asiático e africano. Ainda assim, as economias mais desenvolvidas, e mesmo as que possuem as cidades mais antigas do mundo, terão suas infraestruturas exploradas ao máximo. Os países emergentes verificarão o surgimento de novas cidades, requerendo cada vez mais investimento em infraestrutura.
Proporção demográfica está em ajuste
Enquanto em alguns países o crescimento populacional explode, em outros, ele está em declínio. Para as empresas, esse fenômeno se reflete diretamente no perfil do público consumidor, mas também indica dificuldades na contratação de mão de obra. Isso pode gerar, nos países com população que está envelhecendo rapidamente, maior pressão sobre os governos por conta dos custos de seguridade social.
A população mais longeva também vai afetar modelos de negócios, como no caso do ramo da saúde. A força de trabalho pode precisar ser revista em todo o mundo: nas economias que registram maior envelhecimento, os trabalhadores mais velhos terão de aprender novas habilidades e trabalhar mais, e seu trabalho terá que ser complementado por populações migrantes. Nos mercados de crescimento emergente, as lacunas entre a oferta e a procura para aqueles com formação de nível superior terão de ser preenchidos.
Formação de mão de obra é uma das preocupações da Embraer. “Capital humano vai ser o grande gargalo dessa indústria daqui para frente”, dimensiona o vice-presidente de relações institucionais e sustentabilidade da empresa, Nelson Salgado. A companhia investe pesado na especialização de profissionais de Engenharia Aeronáutica, já que o País não forma um número suficiente de técnicos nesta área, detalha. Para compensar essa deficiência, a Embraer investe em formação e tem aberto centros de Engenharia em vários países, sempre em regiões que possuem escolas de Engenharia Aeronáutica. Recentemente, foi aberto um desses centros em Belo Horizonte (MG). “Nós temos feito isso também em outros lugares, em centro de Engenharia nos Estados Unidos e na Europa.” A Embraer capacitou mais de 1,4 mil engenheiros desde 2001.
O planeta em alerta
Em 15 anos, quando a população mundial chegar a 8,3 bilhões de pessoas, vamos precisar de 50% a mais de energia, 40% a mais de água e de 35% a mais de alimentos. A escassez de recursos, que já ocorre em alguns pontos de planeta, vai ficar mais severa em um espaço de tempo relativamente curto, o que faz desta uma das megatendências mais observadas. “A necessidade de soluções sustentáveis se faz emergencial”, alerta Carlos Biedermann, sócio da PwC Brasil Sul.
Para as empresas, pensar em novas práticas de trabalho e estratégias para continuidade de suas operações é não só fundamental como exige, desde já, atenção para implicações decorrentes da falta de recursos, como o aumento do nível de regulações relacionadas às mudanças ambientais e de tributações. Claro que as implicações mais preocupantes ainda dizem respeito à garantia ao acesso dos recursos e aos conflitos que podem ser gerados por conta da escassez.
Poder econômico em transição
Concentrado, atualmente, no Ocidente, o poder econômico, durante a maior parte da história da humanidade, esteve nas mãos do Oriente. Hoje, a atividade econômica está em realinhamento, integrando mercados que antes tinham pouca expressividade e reduzindo um pouco a atratividade dos que estão no comando. O fenômeno dos países emergentes é exemplo disso.
O estudo sobre megatendências da PwC mostra que a riqueza gerada por países do G-7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá), em 2009, chegou a US$ 29 trilhões. Já os emergentes (China, Índia, Brasil, Rússia, Indonésia, México e Turquia), no mesmo ano, geraram US$ 20,9 trilhões. De acordo com análise da consultoria, está ocorrendo um revés nessa situação: em 2050, a riqueza gerada pelos emergentes será de US$ 138,20 trilhões, quase o dobro do que o que está previsto para os países do G-7, que devem chegar a US$ 69,3 trilhões.
Como implicações, esse cenário vai levar, obviamente, ao acirramento da competitividade.
Produção acelerada com a tecnologia
Uma das perspectivas apontadas quanto à tecnologia é a elevação da capacidade produtiva por conta dos avanços em nanotecnologia e em outras áreas de pesquisa e desenvolvimento, ampliando oportunidades de investimento. Além disso, a geração de dados, combinada com o uso dos dispositivos móveis e computação nas nuvens, continuará determinando, cada vez mais, as relações sociais e de negócios. Nesse sentido, uma das implicações possíveis é a de que a capacidade de coletar e analisar dados em tempo real se torne um requisito para fazer negócios, em vez de apenas vantagem competitiva.
Carlos Biedermann cita a tendência de surgimento de indústrias completamente inusitadas no setor da alta tecnologia. A PwC elenca, ainda, que o acesso aos sistemas de informações deverão gerar modelos de gestão com estruturas organizacionais reduzidas.
Focos de atenção dos gestores na atualidade
- Estar atento às mudanças e tendências (manter-se informado)