Não é só o Papai Noel que vive do Natal

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Todo ano, quando dezembro se aproxima, é hora de enfeitar o pinheiro de Natal, pendurar a guirlanda na porta e iluminar a casa com as tradicionais luzes pisca-pisca. Os tons de verde, vermelho e dourado disputam espaço com cores menos usuais na decoração natalina, preenchendo as ruas, as lojas e os shoppings da cidade. Atentos à tradição, empreendedores gaúchos resolveram apostar todas as fichas no consumo que se concentra no final do ano. A Decorville é uma das mais antigas do ramo, com 21 anos de atividade. Ao longo do tempo, a fabricante mudou o modelo de negócio, que antes era mais artesanal, para a produção em larga escala. “No começo, usávamos galhos naturais e trabalhávamos em cima deles”, conta Solange Silva, diretora comercial da Decorville.
Hoje, a empresa tem mais de 580 produtos no catálogo, entre árvores, bolas, bonecos, guirlandas e outros enfeites, feitos de PVC e de materiais têxteis. Com cerca de 40 funcionários, toda a produção é centralizada no bairro Navegantes, em Porto Alegre. Os principais revendedores da fábrica são lojas de decoração do centro do País, como a Lojas Americanas e a Tok & Stok. Ao longo dos anos, a Decorville deixou de fabricar exclusivamente itens natalinos, expandindo o negócio para a produção e importação de móveis e objetos decorativos em geral. Mesmo com a mudança, o Natal continua sendo o nicho mais significativo em termos de vendas, ainda que a grande maioria de clientes da empresa não seja do Rio Grande do Sul.
Com 30 funcionários, a fábrica Wanda Hauck é outro empreendimento gaúcho com maior parte dos clientes de fora do Estado. Localizada no bairro Floresta, produz árvores e festões desde 1942. “No início, meu avô pintava as bolinhas e minha avó, que dá nome à fábrica, cuidava da parte comercial. A produção era muito manual naquela época; hoje, nós temos as máquinas”, conta Sandra Hauck, atual proprietária da fábrica. Especializada em árvores e guirlandas gigantes, a empresa vende principalmente para decoradores de grandes shoppings do Brasil todo.
Os formatos e cores tradicionais dos produtos disputam a preferência dos consumidores com as inovações do mercado. “A cada ano, temos que fazer algo novo. Há pouco tempo, um cliente de um time de futebol nos pediu uma árvore preta, por exemplo”, relata Sandra, ressaltando que, apesar das novidades, a tradição ainda é o que mais atrai os consumidores. Já na Decorville, as inovações vêm surpreendendo em termos de vendas. “Esse mercado funciona a partir de tendências. Nesse ano, por exemplo, o branco está muito forte”, observa Solange.
Essas tendências são detectadas em países como Alemanha e Estados Unidos, onde os fabricantes nacionais buscam a inspiração para criar seus produtos, adaptandos ao gosto brasileiro, de cores fortes e com mais brilho. A produção inicia já no começo do ano e se estende até o Natal. Um momento importante para esses fabricantes é o mês de junho, quando acontece, em São Paulo, a feira Natal Show. “É a partir daí que nós vemos quais as novidades que os lojistas estão querendo”. No próximo ano, cerca de 90 expositores brasileiros estão confirmados para a feira.
A Decorville passou por um incêndio em fevereiro deste ano, que ocasionou prejuízos na fábrica, além da perda de matéria-prima de acabamento que estava estocada. Apesar do revés, a empresa conseguiu se recuperar e ter um bom ano de vendas. Já na empresa Wanda Hauck, o incremento deste ano foi modesto, mas o negócio segue sendo lucrativo. “Crescemos no ritmo de todo o mercado”, aponta Sandra.

Produtos chineses são forte concorrência aos fabricantes nacionais

Sandra diz que a qualidade e durabilidade pesam a favor dos produtos brasileiros. JONATHAN HECKLER/JC
Com a vantagem de chegar ao consumidor com preços mais acessíveis, grande parte dos enfeites natalinos vendidos em pequenos bazares e em grandes lojas, como a rede Walmart, são fabricados na China. Há 21 anos no mercado, a Cromus é uma das maiores importadoras desses produtos no País, com 9 mil artigos no catálogo. Além de produtos prontos, a empresa também cria seus próprios ornamentos, desde o modelo até a parte de estamparia, e encomenda a fabricação nos países asiáticos. Para se destacar no mercado, a importadora investe em um portfólio variado em relação ao design das peças. “Hoje, o Natal tem glamour e é mais sofisticado em termos de material e desenvolvimento, mesmo com preços baixos”, acredita Eduardo Cincinato, diretor presidente da Cromus.
Para competir com o mercado chinês, os fabricantes nacionais apostam na durabilidade dos produtos. “Os lojistas, quando vão para a feira de Natal em que as fábricas expõem, percebem que o produto chinês dura pouco tempo e pode ser encontrado em qualquer atacado”, opina Solange Silva, diretora comercial da Decorville. Para a empresária Sandra Hauck, a concorrência asiática chegou a incomodar no passado, mas os clientes passaram a perceber a diferença de qualidade. “Trabalhamos com artigos um pouco mais caros, mas temos árvores, por exemplo, que duram no mínimo 10 anos”, garante.
O diretor-presidente da Cromus contesta, e argumenta que a durabilidade não é uma característica fundamental para os clientes desse tipo de produto. Segundo ele, esse é o motivo para que as mercadorias asiáticas continuem tendo bons resultados em termos de vendas. “As pessoas estão sempre querendo renovar a decoração da casa, e o item chinês, que dura dois ou três anos, satisfaz a essa finalidade”, resume.
Apesar de a concorrência atingir artigos tradicionais como árvores, guirlandas, bolas e outros enfeites, a maior força da produção chinesa é a iluminação. Neste ano, a Walmart, uma das maiores redes do varejo, ampliou a venda de lâmpadas LED na linha de produtos natalinos, pela maior durabilidade e economia. No espetáculo Natal Luz, realizado em Gramado, a grande maioria das duas milhões de lâmpadas utilizadas também é proveniente do país asiático, com a tecnologia LED. Outras empresas brasileiras usam as lâmpadas chinesas como base para a montagem de novos produtos, a exemplo das figuras luminosas produzidas pela fabricante gaúcha Natal Show. “Os produtos chineses têm vários níveis de qualidade. Procuramos trabalhar com os melhores, que duram por mais tempo”, diz o proprietário, Ricardo Trein. Segundo Cincinato, essa também é uma preocupação da Cromus, que realiza inspeções e controles de qualidade por amostragem para garantir uma maior durabilidade dos produtos.

Prefeituras apostam na decoração artesanal e garantem bons negócios

Trein é um dos artistas que fazem obras para enfeitar os municípios brasileiros. ANTONIO PAZ/JC
Com um modelo de produção essencialmente artesanal, a Natal Show tem como principais clientes prefeituras de diversas regiões do País, como a cidade de Magé, no Rio de Janeiro, e até mesmo Brasília. A empresa gaúcha produz esculturas em tamanho natural ou gigante de personagens natalinos a partir da fibra de vidro, além de figuras luminosas utilizadas para adornar os postes das ruas. Peças em polietileno e árvores de até 10 metros de altura, compradas da China e da fábrica Wanda Hauck, também são vendidas pela empresa.
As esculturas, que impressionam pelos detalhes, são pintadas à mão, o que garante exclusividade a cada uma das peças. “Eu mesmo que faço, e nenhum fica igual ao outro”, conta o proprietário, Ricardo Trein. O trabalho é feito com a ajuda da esposa, Maria Cecília, na própria casa do empresário, onde figuras como renas, papais noéis e presépios completos ficam expostos. Devido à dificuldade na logística, o transporte é providenciado pelos próprios clientes e feito, geralmente, por caminhões.
Apesar da estrutura simples da empresa, o negócio é lucrativo. Uma escultura de 3,40 metros de altura, por exemplo, chega a custar R$ 26 mil. Trein, que trabalha com decoração natalina desde 1996, conta que não existe competição no mercado para esse trabalho específico no Rio Grande do Sul. “Em âmbito nacional, tem bastante concorrência, mas os produtos são geralmente mais caros do que os nossos. Em outros estados, se investe mais em decoração”, acredita.   

Cenário do Natal Luz de Gramado leva em conta a sustentabilidade

Sustentabilidade é a palavra-chave de uma das principais festas natalinas do País: o Natal Luz. O evento, que reúne mais de 700 apresentações de teatro, música e dança em Gramado nos meses de novembro e dezembro, tem como principal matéria-prima da decoração garrafas PET. Ao todo, 400 mil unidades são coletadas pelos próprios moradores, principalmente estudantes das escolas do município. “Trabalhamos com a otimização dos recursos e com um aspecto pedagógico junto ao público, de que se consegue um efeito maravilhoso usando materiais recicláveis”, explica Voltaire Danckwardt, diretor artístico do Natal Luz.
A iluminação presente nos espetáculos e na decoração das ruas nos meses do evento é toda importada, principalmente da China. De cerca de dois milhões de lâmpadas utilizadas na edição deste ano, a maioria é feita de LED. Com exceção das luzes, a maior parte dos adornos são reaproveitados na edição seguinte. A cada ano, os artigos decorativos são renovados, mas o material feito de garrafas PET é armazenado nos galpões e reutilizado para compor novos enfeites.
Desde sua criação, em 1986, o Natal Luz se renova e incorpora a tecnologia no processo de decoração. Vários dispositivos presentes nas apresentações, alguns envolvendo o uso de água e fogo, são controlados via rede wireless. Ainda assim, os elementos tradicionais marcam presença. Todas as árvores, laços, guirlandas, carros e alegorias utilizadas nos espetáculos e nas ruas da cidade são confeccionados e montados em galpões do município. “É um processo que demora alguns meses e envolve boa parte da comunidade”, destaca Danckwardt.
Em torno de mil pessoas participam, direta e indiretamente, na produção e na montagem do espetáculo, entre artesãos, eletricistas, arquitetos e outros profissionais autônomos. A produção do evento também mobiliza o setor empresarial. Empreendimentos do município se envolvem em concursos como o Tannenbaumfest, no qual os participantes decoram pinheiros da avenida Borges de Medeiros, uma das principais da cidade. Além disso, o Natal Luz promove os artesãos locais por meio de uma feira de produtos natalinos com 20 expositores, movimentando, assim, toda a economia da cidade.