Internet das coisas: a era da convergência digital

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Indivíduos e objetos conectados isoladamente são coisa do passado. Pense em um mundo interligado, em que câmeras de segurança se comunicam com o GPS do celular para saber que você está chegando e acenda as luzes da casa, em pulseiras que monitoram a qualidade do sono e geladeiras que avisam ao seu smartphone que o leite está acabando. Bem-vindo ao mundo da internet de todas as coisas (IoE – internet of everything).

As oportunidades que começam a se desenhar não são pequenas. A expectativa é que o potencial econômico da internet de todas as coisas (IoE – internet of everything) para o setor privado seja de 

US$ 14 trilhões até a próxima década, segundo estudo da Cisco. "É chegado o momento de os indivíduos usarem a web a favor dos negócios ou para melhorar o seu dia a dia", decreta o diretor de engenharia da empresa, Marcelo Ehalt.

Ele analisa que o mundo está entrando na quarta onda da rede mundial. A primeira foi a da conectividade, com a chegada dos e-mails. Depois veio a comercial, com as webpages e a possibilidade de as companhias realizarem transações financeiras. A terceira é a social, na qual a mobilidade é intrínseca em tudo e as redes sociais geraram novas demandas para o cidadão. 

E, finalmente, a atual, que é a onda da IoE, em que tudo passa a estar conectado. Na prática, essa conectividade entre objetos pode acontecer em diferentes níveis. Um deles é o pessoal, em que o uso das pulseiras ou relógios inteligentes, que se comunicam com os celulares por meio de sensores, auxiliam, por exemplo, na prática de esportes, informando o número de passos dados e resultados da caminhada ou corrida. 

O outro tipo de aplicação é o voltada para a automação residencial. Em uma triangulação entre câmeras de segurança, GPS do celular e ar-condicionado, é possível identificar quando o dono da casa está a 1 km e, então, começar automaticamente a refrigerar o ambiente. 

No varejo, por exemplo, existem aplicações nas quais sensores colocados nas roupas ou cabides acionam automaticamente a área de estoque assim que uma roupa é retirada. Na área industrial, fábricas utilizam a web para a comunicação máquina a máquina (M2M) há bastante tempo. "A aplicação da internet de todas as coisas vai influenciar os cidadãos, as empresas e a nossa qualidade de vida de uma forma geral", estima Ehalt.

A SAP é um dos players que está olhando com atenção para essa tendência. A gigante de software possui algumas aplicações rodando em cima da sua plataforma, como a que utiliza a comunicação do Google Glass com sensores colocados em colheitadeiras, que enviam dados do campo para os softwares da empresa alemã. "Dentro desse contexto, conseguimos fazer análises preditivas, antecipando a necessidade de uma máquina passar por manutenção ou informando a produtividade de cada uma", explica a presidente da SAP Brasil, Cristina Palmaka. No futebol, os dispositivos colocados na bola ou nas roupas dos atletas enviam informações para que os técnicos possam tomar uma melhor decisão. "O mundo está cada vez mais conectado, e essa capacidade de envio de dados de um objeto para outro vai se refletir em um impacto grande nas organizações", projeta a executiva.

Integrante da IEEE, organização profissional com atuação global dedicada a avanços tecnológicos em benefício da humanidade, o inglês William Webb acredita que a internet de todas as coisas fará com que tudo funcione cada vez melhor. Isso acontecerá na medida em que os produtos passam a ser monitorados remotamente -  assim, é possível verificar se há falhas ou programar a manutenção preventiva. Informações sobre como os carros funcionam e são conduzidos podem ser usadas para, no futuro, fazer veículos melhores e para baixar novas atualizações de software para o sistema de gestão do motor. "As empresas devem estar cientes das oportunidades e pensar em como seus produtos ou serviços podem ser otimizados com conectividade wireless", sugere.

Para Webb, as maiores oportunidades no curto prazos são as de aperfeiçoar de produtividade com aplicações industriais. Isso já está acontecendo, especialmente com o monitoramento de unidades de transformação como, por exemplo, refinarias de petróleo e estações de tratamento de água, bem como no da segurança e controle de lâmpadas de rua. "São upgrades que levam a uma imediata redução de custos e podem ser implementados por uma única entidade ou empresa, tornando todo processo mais simples", comenta. 

Cidades inteligentes devem se beneficiar da evolução da web

A internet de todas as coisas está influenciando usuários finais e empresas. Mas, para especialistas que acompanham esse mercado, é na gestão das cidades que os ganhos serão mais impressionantes. O diretor de engenharia da Cisco, Marcelo Ehalt, cita como exemplo a logística de transporte. 

Se a cidade estiver iluminada por sensores, é possível que um motorista responsável por fazer entregas receba em tempo real a informação de que há um congestionamento e possa acessar sugestões de novas rotas. O mesmo vale para os sistemas de iluminação. O que existe atualmente em algumas localidades são dispositivos que acendem as luzes das ruas assim que escurece. Mas, se uma lâmpada queima, é o cidadão que precisa comunicar para a prefeitura. Com os sensores inteligentes, isso tudo poderia acontecer de for

ma automatizada. "Somente em 2012, geramos mais dados que cinco mil anos anteriores somados. O importante é fazer que eles virem informações para serem usadas em benefício do cidadão", sugere Ehalt. 

William Webb, integrante da IEEE, organização dedicada a avanços tecnológicos, comenta que, se os países estão interessados em assumir posições de liderança, devem seguir a lógica de cidade inteligente. "A ideia é implantar as redes, estabelecer bancos de ensaio e dar a desenvolvedores a oportunidade de testar novas aplicações", diz. Para ele, aquisições governamentais de serviços da internet de todas as coisas, como os relacionados ao transporte, saúde e prestação de serviços governamentais, também podem ajudar a estimular a indústria local.

Intel vê oportunidades em setores estratégicos, como as áreas de indústria, transporte e energia

Indústria, transporte e energia são os segmentos nos quais o Brasil pode ser mais promissor em se tratando de internet de todas as coisas. Essa é a aposta da Intel, que vê o País bem posicionado e com potencial para liderar algumas etapas dessa tendência global. A conexão entre equipamentos é uma realidade na área industrial e tende a entrar em um crescimento exponencial nos próximos anos. No segmento de energia, a Intel destaca que as oportunidades vão desde o pré-sal e se estendem à matriz energética do País. Já no transporte, o Sistema de Identificação Automática de Veículos (Siniav), que prevê o emplacamento eletrônico de veículos até 2016, deve movimentar esse mercado.
Isso porque o projeto do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) inclui que os automóveis recebam chips para que possam ser identificados eletronicamente. A leitura será feita assim que os veículos passaram por portais, e os dados serão enviados para centros de processamento e apoiarão a aplicação das leis de trânsito. O diretor de Inovação da Intel Brasil, Max Leite, acredita que essa é uma grande chance para o País avançar ainda mais. "A infraestrutura para a leitura das placas está sendo construída e temos que trabalhar para evoluir e poder aplicar essa mesma tecnologia para tornar as cidades mais inteligentes", defende. 
Um exemplo bem-sucedido disso seria se, além de fazer a leitura das multas e pagamentos pendentes, o sistema pudesse alertar sobre as vias mais congestionadas que, por sua vez, se fossem evitadas, poderiam levar o motorista a ganhar desconto em determinados impostos. Ou seja, usar a tecnologia para garantir uma gestão mais inteligente do tráfego.
Para Leite, o Brasil pode, sim, se tornar líder mundial em aplicações na tecnologia de emplacamento. "Temos um mercado enorme, maduro e heterogêneo. Além disso, esses projetos são de âmbito internacional", comenta. Por isso, a Intel enxerga o Brasil não só como mercado consumidor, mas também com capacidade para produzir essa tecnologia localmente. O mundo está se digitalizando, e cada vez mais será preciso pensar em indivíduos, aplicativos e dispositivos conectados. Isso tudo, claro, vai exigir uma grande capacidade computacional e plataformas que permitam a integração de forma segura. "A preocupação das empresas não é só com a experiência da internet de todas as  coisas, mas com tudo que envolve a conexão, que vai dos dispositivos e passa por diversos centros de dados, que precisam ser bem gerenciados", alerta. 
O Índice Qualcomm da Sociedade da Inovação (QuISI), que analisa o grau de adoção, assimilação e uso de novas tecnologias e mobilidade nas corporações brasileiras, mostra que o Brasil está entre os países mais avançados em M2M (máquina a máquina) com 3% de penetração. O segmento de veículos é responsável por 30% das conexões M2M móveis. No Brasil, existem cerca de 250 mil conexões M2M móveis na indústria e 400 mil conexões M2M em utilities. 
Mas existem desafios para que a internet de todas as coisas deslanche. O diretor de engenharia da Cisco, Marcelo Ehalt, acredita que a barreira cultural é a maior delas, especialmente quando a conexão dos objetos passa a envolver questões como privacidade – como a da placa de um carro captada por um sensor, por exemplo – e da vigilância pública. 
Além disso, existem aspectos legais que fazem com que seja preciso uma legislação que regule e oriente como pode ser esse tráfego de informações. Outro ponto crucial é o de garantir que os investimentos sejam feitos de forma adequada a proporcionar que a rede tenha a maior capacidade e permita um melhor proveito da internet de todas as coisas. "Existe hoje uma rede legada, especialmente no mundo corporativo, que precisa ser preparada para que as redes possam se conectar e abrir fronteiras", analisa. 

Sony prioriza as tecnologias vestíveis

A tecnologia vestível é o foco da Sony Mobile no caminho para desbravar as possibilidades de novos negócios oferecidos no âmbito da internet de todas as coisas. As previsões do mercado apontam que os dispositivos vestíveis movimentem US$ 6 bilhões neste ano, e US$ 12 bilhões em 2017.
O carro-chefe da oferta da fabricante é o Smartwatch e a Smartband, relógio e pulseira inteligentes que começam a chegar ao mercado brasileiro neste mês. A ideia é que esses dois produtos, bem como os smartphones, possam se conectar com outros objetos dentro das casas, como televisores, aparelhos de som e laptops. "O que estamos trazendo para o mercado proporciona aos consumidores uma experiência de conexão avançada, tudo baseado em uma experiência rica de integração entre produtos e serviços que as concorrentes não têm", diz a diretora de marketing da Sony Mobile no Brasil, Ana Peretti.
Ela comenta que a empresa é pioneira em tecnologias para vestir e lidera esse mercado, principalmente com a venda do SmartWatch, que teve sua primeira versão lançada em 2007 e, a mais recente, em 2013. Neste ano, a Sony trouxe para o mercado a pulseira inteligente, que se conecta sem fio com os smartphones e registra as atividades diárias realizadas pelos usuários. Isso inclui desde quantos passos ele deu, que música escutou, quanto tempo dormiu, que fotos tirou e com quem se conectou. "Por meio  do aplicativo Sony Lifelog, os dados são registrados e oferecem um diário para que o usuário possa rever o passado, viver melhor o presente e planejar o futuro", acrescenta a gestora.

LG estuda formas para melhorar aplicações da tecnologia no País

Já faz tempo que a internet deixou de ser apenas uma plataforma complementar e fonte de informação e serviços para os usuários. Além de ter se tornado parte essencial do dia a dia das pessoas, também se transformou no pilar principal que permeia a estrutura dos negócios e inovações de muitas indústrias. "Tudo está diretamente relacionado à web, desde o serviço que as empresas prestam, passando pela forma como é feito o atendimento ao cliente, até chegar à forma como escutam e acompanham o consumidor", observa o diretor de marketing da LG Electronics no Brasil, Sérgio Friedheim.
Em um futuro próximo, acredita, a rede mundial será responsável pela conectividade total das residências, o que trará a facilidade de saber a data de validade de um alimento da geladeira, consultar uma biblioteca de receitas com os alimentos disponíveis, preparar o forno para receber o prato e deixar o ar na temperatura ideal – e tudo isso, sem nem ter entrado em casa. "A internet está por trás ou à frente das inovações do futuro", projeta. 
Friedheim conta que a LG está adequando as tecnologias dos produtos aos hábitos e costumes do consumidor brasileiro, que já passa grande parte do tempo conectado, e verificando a infraestrutura disponível do País. "Estamos bem posicionados em relação às tendências mundiais, investindo em pesquisa e desenvolvimento para a aplicação das inovações localmente em um curto espaço de tempo", diz. 
No Brasil, a empresa estuda a aplicação de algumas tendências apresentadas globalmente para trabalhar de forma assertiva as tecnologias que melhor se adaptarão ao perfil do público.
Para o gestor, o País está progredindo no desenvolvimento das redes pela nação inteira, proporcionando acesso a diferentes pontos. Porém, a aplicação de tecnologias de conectividade, localmente, depende de uma maior evolução para ter aderência. 

Proteção é desafio para provedores e usuários

Friedheim acredita que a rede mundial será responsável pela
conectividade total das residências. LG/DIVULGAÇÃO/JC
Criar estratégias de segurança dos dados dos usuários com uma gama cada vez mais variada de equipamentos capazes de se conectar à web. Esse tem sido o grande desafio que os fabricantes e provedores de soluções de segurança enfrentam com a internet de todas as coisas.
Ainda não há um consenso de como essa proteção deve acontecer – se do ponto de vista da rede que transmite os dados ou de cada produto, como um fogão, televisor ou geladeira. O que se sabe é que é preciso agir rápido já que, mal esse conceito começou a se disseminar no mundo, já existem casos que mostram que os hackers estão atentos.
Em abril deste ano, um estranho invadiu o sistema de comunicação entre uma babá eletrônica e o celular que monitorava o sono de um bebê de 10 meses. Os berros de acorda, neném, só cessaram quando os pais desligaram as câmeras. "A hiper e a interconectividade das coisas nos trazem muitos benefícios, mas elevam o grau de exposição ao risco e à privacidade dos indivíduos", admite o estrategista em segurança da Symantec, André Carraretto.
Entre as outras ameaças recentes já descobertas, estão um vírus que tem como alvo principal roteadores domésticos, conversores digitais, câmeras de segurança, DSL e modens, além de um botnet que envia comunicados maliciosos de dispositivos, tais como centros de mídia, televisões e geladeira.
Apesar da dificuldade de definir um modelo de proteção desses ambientes, por se tratarem de plataformas muito diferentes, alguns cuidados são básicos e devem ser tomados sempre. O primeiro deles é o de trocar as senhas padrão dos equipamentos assim que o usuário faz a configuração para começar a usá-los. O ideal é utilizar uma combinação de letras, números e símbolos. "Muitas das invasões acontecem porque as pessoas estavam usando a senha que veio indicada no aparelho", comenta.
Outra orientação é manter os dispositivos, dos smartphones a aquecedores domésticos, sempre atualizados. Isso é mais fácil quando os equipamentos são programados para os fabricantes instalarem as novas versões, com as correções de vulnerabilidades, automaticamente. Quando isso não acontece, os usuários devem buscar nos sites as informações para se manterem protegidos.