Farmácia Hisserich mantém a tradição em Panambi

Por

O comércio de Panambi, no Noroeste do Estado, cresceu em volta da praça central da cidade. Lá, um dos prédios mais antigos do município abriga, desde o final dos anos 1920, a Farmácia Hisserich. Uma das tantas famílias alemãs a colonizarem a cidade a 380 quilômetros de Porto Alegre, os Hisserich viviam no Rio de Janeiro, onde Carlos Augusto trabalhava em uma grande farmacêutica. Da Alemanha, seu pai, Ludwig Georg, comprou uma gleba de terra em Panambi, ainda só um pequeno povoado, e avisou: iria para lá quando se aposentasse. Assim o fez, levando consigo a parte fluminense da família.
Em Panambi, Carlos Augusto abriu uma pequena farmácia, na parte baixa da praça. Depois, compraram as terras em que a farmácia está até hoje. O prédio já estava lá, e era utilizado para um pequeno comércio pelo antigo dono. O começo não foi fácil, pois, naquela época, muitas pessoas ainda se tratavam com medicamentos caseiros, como chás. No começo dos anos 1940, os dois filhos de Carlos Augusto saíram de casa. Enquanto Walter Carlos, o Carlinhos, ia para o serviço militar em Santo Ângelo, Jorge foi para Porto Alegre estudar farmácia.
Nessa época, a Segunda Guerra Mundial iniciava na Europa. Muitos jovens brasileiros foram chamados para lutar na Itália, e Carlinhos foi um deles. Quando a guerra terminou, Carlinhos enviou um telegrama avisando que em dez horas embarcaria de volta ao Brasil. A alegria que chegou junto do telegrama acabou quando outra correspondência apareceu. Em um acidente, enquanto trabalhava no transporte dos soldados até os barcos, Carlinhos faleceu. Seu nome é o primeiro na placa em memória aos pracinhas mortos na Itália, no Monumento ao Expedicionário do Parque da Redenção.
A morte abalou a família. Logo, Carlos Augusto sofreu um derrame e não pôde mais trabalhar. Com isso, Jorge teve de abandonar os estudos e voltar para Panambi e assumir a farmácia. Como não obteve o diploma, atuou até o fim da vida com uma licença especial de farmacêutico, podendo atender somente em sua vila de origem. A esposa Ruth, que trabalhou durante 35 anos ao lado do marido, garante que não ter concluído a faculdade foi a única tristeza de Jorge. “Ele só lamentou não poder assinar como farmacêutico”, diz.
Jorge era muito bem-humorado e conquistava as pessoas pela simpatia. No entanto, como gestor da farmácia não tinha muito sucesso. “Ele era farmacêutico de coração. Dinheiro não importava pra ele”, diz Ruth. Nos sábados, quando Ruth recolhia o jaleco de trabalho do marido, encontrava nos bolsos vários bilhetes. Era esse o sistema de “controle” de vendas de Jorge: ele anotava nos bilhetinhos quem havia comprado que remédios, em uma espécie de promissórias – que nunca eram cobradas. Quando chegava em casa, Jorge jogava fora os bilhetes. Se alguém aparecia para pagar, não havia registro nenhum de quanto era a dívida e Jorge tinha que combinar com a pessoa o valor que ela pagaria. A madrasta de Jorge acabou trazendo a irmã da Alemanha para assumir o caixa e controlar as finanças da farmácia.

Tombamento do prédio causou disputa judicial

Em 1991, Jorge faleceu. Estava trabalhando na farmácia quando teve um mal súbito e não resistiu. A morte exigiu que mudanças fossem feitas, pois não havia quem assumisse a farmácia. Nenhum dos filhos era formado em farmácia – Jorge não incentivou nenhum dos herdeiros a seguir a carreira dele. Foi a nora dele, Elaine, que primeiro manifestou interesse em continuar com o negócio – até porque fechar o comércio seria mais caro, e eles não tinham condições. Assim, Carlos Artur, filho de Jorge e Ruth, se sentiu na obrigação de acompanhar o desejo da esposa Elaine e voltar de Bagé, onde havia concluído os estudos em veterinária.
A esposa de Carlos Augusto e as antigas funcionárias passaram a tocar farmácia. Os resultados da empresa, no entanto, não estavam muito bons. Carlos Artur decidiu, então, alugar a farmácia, o que deixou Ruth triste. “Na minha velhice ainda vão mudar o nome da nossa farmácia”, lamentou-se. No entanto, Carlos Augusto explicou que isso não seria necessário: eles passariam o controle do comércio, mas a marca continuaria a mesma. Assim, uma das funcionárias assumiu o controle da Hisserich e o mantém até hoje.
Procurando aumentar os rendimentos da farmácia, Carlos Artur decidiu instalar um ponto de pagamentos do Banrisul. Quando tiraram uma janela da fachada para instalar uma nova porta, um juiz apareceu e mandou parar a obra. O prédio já havia sido considerado patrimônio histórico do município.
Segundo Ruth, a família desconhecia o tombamento. “Para nós foi uma grande surpresa quando veio a justiça e disse que não podíamos mexer na casa”, garante. Seguiu-se uma disputa judicial contra a prefeitura e durante quatro anos não foi possível fazer qualquer alteração no prédio. A decisão acabou sendo favorável aos Hisserich, considerando que não teria havido dano ao patrimônio.