Olavo de Carvalho morre aos 74 anos

Escritor, considerado guru bolsonarista, deixa a esposa, Roxane, oito filhos e 18 netos

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OLAVO DE CARVALHO
Atualizada às 11h - O escritor Olavo de Carvalho, guru bolsonarista, morreu na noite desta segunda-feira (24), aos 74 anos, na região de Richmond, na Virgínia (EUA), onde estava hospitalizado.
A morte foi anunciada pela família nos perfis oficiais do escritor nas redes sociais. Foi também confirmada pelo cineasta Josias Teófilo, próximo a Olavo.
"A família agradece a todos os amigos as mensagens de solidariedade e pede orações pela alma do professor", diz o comunicado divulgado na madrugada desta terça (25).
A causa da morte não foi informada.
Ele recebeu o diagnóstico de Covid-19 no dia 15 de janeiro, segundo administradores do grupo do Telegram que reúne os seguidores do ideólogo bolsonarista.
A mensagem sobre o diagnóstico da doença foi compartilhada depois de Olavo ter cancelado por duas semanas consecutivas as lives que transmite para os assinantes pagos de seu curso online de filosofia.
O escritor deixa a mulher, Roxane, oito filhos e 18 netos.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou sua homenagem nas redes sociais.
"Nos deixa hoje um dos maiores pensadores da história do nosso país, o Filósofo e Professor Olavo Luiz Pimentel de Carvalho. Olavo foi um gigante na luta pela liberdade e um farol para milhões de brasileiros", escreveu.
Em dezembro, Olavo de Carvalho afirmou nas redes sociais que iria votar em Bolsonaro por falta de opção.
Antes aliado de primeira hora e tido como ideólogo do governo, o escritor se tornou crítico do presidente. Em recentes publicações, ele disse que Bolsonaro falhou na briga contra o que chama de comunismo.
Também pelas redes, Olavo afirmou no ano passado que Bolsonaro é o melhor candidato. "O problema é que, na situação calamitosa a que chegamos, isso não basta", declarou.
Um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), também fez uma homenagem ao escritor. "Grande foi a sua influência em nossas vidas, não apenas em política, mas também através de ensinamentos valorosos e inúmeras amizades geradas por convergência de valores. Muitas lições e até mesmo críticas (sempre com a melhor das intenções) nos ajudaram a refletir e crescer", escreveu.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), outro filho do presidente, disse que os ensinamentos de Olavo de Carvalho vão permanecer por muito tempo.
Olavo de Carvalho não gostava de ser chamado de ideólogo ou guru, e costumava reagir com seu vocabulário típico, recheado de palavrões e expressões chulas, quando era associado a estes termos.
Não há maneira melhor, no entanto, de descrever a influência do escritor e filósofo sobre o governo de Jair Bolsonaro e a chamada "nova direita", que surgiu com força avassaladora no cenário nacional em meados da década passada.
"Olavo tem razão" virou slogan em camisetas e faixas encontradas em manifestações de pessoas vestidas de amarelo, ou nos suvenires vendidos em eventos conservadores pelo Brasil, estampando de canecas a chaveiros.
A influência descomunal vinha da personalidade carismática de Olavo, que tinha a agressividade retórica como método, e sobretudo do reconhecimento de liberais, conservadores, nacionalistas e proto-fascistas, de que ele foi um pioneiro.
Dez anos antes da explosão destra, Olavo já pregava solitário contra a dominação cultural da esquerda nas universidades, nos meios científico e artístico, na religião e na imprensa. Em anos posteriores, quando vociferar contra ideias progressistas passou a ser moeda corrente, o velho guru foi elevado à condição de visionário.
O fato de ter morrido como referência para milhões de pessoas culmina uma trajetória pessoal improvável. Nas suas primeiras cinco décadas de vida, Olavo era uma figura que oscilou entre o obscuro e o folclórico.
Nascido em Campinas (SP) em 1947, interessou-se por filosofia desde a adolescência. Nunca teve uma carreira acadêmica formal, o que o levou a ser acusado por detratores, ao longo da vida, de não merecer ser chamado de filósofo.
O único curso formal de filosofia que fez foi na PUC do Rio de Janeiro, mas não chegou a completá-lo. Tornou-se autodidata e recorreu a professores particulares, conforme narrou na biografia oficial que consta de seu site.
"Não tendo encontrado, na época, cursos universitários de boa qualidade sobre os tópicos que eram de seu interesse, abdicou temporariamente dos estudos universitários formais e buscou professores particulares e conselheiros qualificados que o orientassem", diz o site. Durante toda a vida, foi um entusiasta do ensino domiciliar, livre da influência esquerdista que via no sistema formal.
Aos 18 anos, começou a colaborar com veículos de imprensa, numa relação que duraria décadas, o que não evitaria que, na fase final da vida, atacasse de forma dura e frequente a mídia.
Trabalhou como redator, repórter, copy desk (função hoje extinta) e colunista na Folha de S.Paulo, Jornal da Tarde, O Globo, Zero Hora e publicações menores.
A partir da década de 1970, ampliou sua área de interesse, antes restrita à filosofia e ao jornalismo, para outros campos, como lógica, retórica, gramática e, para deleite de seus detratores, astrologia.
Aos que o ridicularizavam por guiar-se pelos corpos celestes, Olavo respondia que o estudo da astrologia existe há milênios, e que é parte indissociável da formação cultural da humanidade.
Como ocorre com frequência na direita, ele recebeu seu batismo político na esquerda. Na juventude, chegou a flertar com o Partido Comunista Brasileiro e ter uma breve militância contra a ditadura, logo abandonada.
Segundo ele, o comunismo era inconciliável com sua crença da preponderância do individual sobre o coletivo.
Na autodefinição de seu site oficial, a tônica da obra de Olavo é "a defesa da interioridade humana contra a tirania da autoridade coletiva, sobretudo quando escorada numa ideologia 'científica'".
A partir do momento em que se desiludiu com a esquerda, passou a dedicar-se à desconstrução do mais importante formulador do socialismo científico, Karl Marx.
Graças em grande medida a Olavo, popularizou no debate público brasileiro o conceito do "marxismo cultural", criado pela direita americana com contornos de teoria conspiratória.
Segundo esta linha de raciocínio, a esquerda, derrotada na Guerra Fria, manteve-se ativa mudando o campo de batalha da política para as ideias.
Assim, controlaria desde escolas primárias a universidades, além de veículos de comunicação, laboratórios, editoras e estúdios de cinema, entre muitos outros centros formadores de opinião.
A defesa do socialismo teria se transmutado em manifestações identitárias, defesa dos direitos humanos, ambientalismo e o malfadado "globalismo", uma suposta tentativa de impor a culturas nacionais valores progressistas ditados por uma elite intolerante.
Pensadores como o italiano Antonio Gramsci (1891-1937) e os expoentes da Escola de Frankfurt, propagadores da noção de hegemonia cultural, entraram na linha de tiro da direita olavista.
A partir da segunda metade da década de 1990, os escritos de Olavo se tornam mais políticos, e seus livros ganham popularidade na medida em que a maré ideológica começa a virar para a direita.
Sucedem-se títulos como "O Jardim das Aflições" (1995), "O Imbecil Coletivo" (1996) e "O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Se Tornar Um Idiota" (2013), todos livros de cabeceira para a nova direita.
Em 2005, Olavo decidiu se mudar para os EUA, segundo ele em protesto contra a chegada ao poder do PT. Instalou-se em uma casa num subúrbio no estado da Virgínia e passou a adquirir maneirismos de um americano, como a prática do tiro e o uso de botas e chapéu.
De lá, por vídeo, criou um curso online de filosofia que, segundo estimativas de amigos, formou mais de 20 mil pessoas, tornando-se uma de suas principais fontes de renda. Entre seus alunos estiveram diversas autoridades que depois comporiam o governo de Jair Bolsonaro.
A onda conservadora que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e à eleição de Bolsonaro dois anos depois, definiu Olavo como seu farol ideológico.
Olavismo, olavista e olavete passaram a ser termos de uso corrente, da mesma forma que lulismo ou malufismo já foram. Seus alunos e discípulos formaram a chamada "ala ideológica" do governo, que incluía ministros como Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Ricardo Vélez e Abraham Weintraub (ambos da Educação), assessores como Filipe Martins, parlamentares como Bia Kicis e os próprios filhos do presidente.
Ciosa de seu espaço no Executivo, essa ala destacava-se pela combatividade, e não apenas direcionada a opositores internos do governo. Um alvo corriqueiro do filósofo e de seu séquito eram os militares, acusados de "positivismo", ou sejam de serem pragmáticos e não-ideológicos.
Ao longo da primeira metade do governo, os olavistas acumularam sucessos ao provocar a saída de figuras indesejadas, como os ministros Gustavo Bebianno e Carlos Alberto dos Santos Cruz.
Mas, num sinal de desgaste e dos acenos que Bolsonaro passou a fazer a lideranças da política tradicional, também acumularam derrotas, como as demissões de Weintraub e Araújo.
Sua vida pessoal era igualmente agitada. Teve oito filhos, de diversos relacionamentos. Na década de 1980, chegou a se dizer muçulmano durante um período. Heloísa, sua filha mais velha, diz que essa suposta conversão foi apenas um subterfúgio do pai para ter três mulheres simultaneamente, algo permitido pela religião.
Rompida com o pai, ela o acusou numa carta aberta de 2017 de abandono intelectual, por não tê-la enviado à escola quando criança.
A falta de freios e a liberalidade com a verdade também lhe renderam dores de cabeça. Após acusar Caetano Veloso de pedofilia, foi processado e condenado a pagar uma indenização de R$ 2,9 milhões ao cantor e compositor. Sem dinheiro, deixou a dívida pendente e foi socorrido por amigos e alunos.
As posições questionando o aquecimento global e a gravidade da pandemia lhe renderam punições das grandes plataformas de tecnologia, que suspenderam rotineiramente suas contas. Pressionada, a empresa de pagamentos Pay Pal, pela qual Olavo recebia o dinheiro dos alunos de seus cursos, encerrou sua conta, agravando seus problemas financeiros.
Também chegou a flertar com o terraplanismo, embora tenha dito que estava apenas mencionando enigmas sobre a trajetória retilínea de feixes de laser que a ciência não conseguia explicar.
Minimizou durante anos os perigos do tabagismo, e estava sempre com um cigarro entre os dedos em vídeos e lives. Decidiu parar de fumar quando suas crises respiratórias se agravaram, no final de 2020.
Olavo estava hospitalizado na região de Richmond, na Virgínia, nos Estados Unidos. No comunicado em que informou a morte, a família não revelou a causa.
Ele recebeu o diagnóstico de Covid-19 no dia 15 de janeiro, segundo administradores do grupo do Telegram que reúne os seguidores do ideólogo bolsonarista.
A mensagem sobre o diagnóstico para a doença foi compartilhada depois de Olavo cancelar por duas semanas consecutivas as lives que transmitia para os assinantes pagos de seu curso online.

Morte do escritor completa fim de ciclo do bolsonarismo ideológico

No distante outubro de 2018, quando Jair Bolsonaro apresentou-se ao País como presidente eleito na primeira de tantas lives na internet, três livros foram posicionados estrategicamente sobre sua mesa.
Um deles, a Bíblia, talvez seja o único que ainda faça algum sentido político, dados os acenos incessantes aos quase 30% de eleitores evangélicos do país e a necessidade ter uma passagem citada aqui e ali.
Outro, as memórias do estadista mais festejado do Ocidente moderno, o britânico Winston Churchill.
Dado o desempenho do presidente nos seus três anos de poder, além de sua professada fé na ausência de leitura, é de se especular que nunca tenha sido aberto.
Por fim, repousava "O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota", best-seller de Olavo de Carvalho, o escritor cuja morte foi apropriadamente anunciada nesta terça (25) nas redes sociais em que ele de fato criou sua mística.
Se toda seita que se preze tem seu profeta, Olavo emergiu com o título entre aqueles que transformaram Bolsonaro em "mito", aspas compulsórias. Sua influência iluminou a saída das sombras de figuras que, por algum momento, comandaram áreas vitais do país.
Ainda está para ser definido o alcance do desastre nas mais afetadas, como as Relações Exteriores sob Ernesto Araújo, a Educação com Abraham Weintraub e o Meio Ambiente de Ricardo Salles, mas o cardápio de problemas parece é volumoso.
No Itamaraty, berço da elite das carreiras de Estado do país, poucos entenderam a gestão Araújo, com a exceção óbvia daqueles que viram nela uma oportunidade.
Logo no início do governo, um experiente embaixador relatou um encontro casual que tivera com o então ocupante de posto secundário em Washington.
Resumiu sua impressão do novo chanceler com um "ele não parecia ser aquilo". Adicionou pouco diplomáticos palavrões e a crítica ao conjunto olavista de ideias de Araújo, todos catalogáveis nos cursos e palestras onlines daquele que se dizia filósofo.
Algumas delas chegaram a colar nas falas oficiais do Bolsonaro de 2019, como o combate ao dito globalismo, à ameaça comunista encarnada na China, George Soros e sabe-se lá mais quem. Tudo isso foi evaporando à medida que o governo avançava para sua montanha-russa de 2020 até hoje.
Araújo, Weintraub e Salles foram imolados no altar da nova aliança de Bolsonaro com o centrão, movida por cálculo de sobrevivência quando a revolução sonhada pelos ideológicos mostrou-se o que era, um delírio.
O próprio Olavo, ainda que celebrado na morte nas redes sociais (sempre elas) dos filhos mais histriônicos do presidente, o deputado Eduardo (PSL-SP) e o vereador Carlos (Republicanos-RJ), já tinha se afastado com críticas ao titular do Planalto.
Antes e depois, foi sendo sumindo ao poucos o séquito ainda mais folclórico do olavismo de escalões inferiores, como o secretário de Cultura que emulou Joseph Goebbels em, claro, um vídeo online -de tão bizarro, até o guru criticou o episódio.
Olavo desaparece agora no momento em que o bolsonarismo encerra seu ciclo com a implosão da suposta coesão de seu grupo ideológico.

Governo federal emite nota de pesar

O governo federal emitiu nota oficial para lamentar a morte de Olavo de Carvalho, considerado o guru do bolsonarismo. No texto, o Planalto diz que o escritor foi um "intransigente defensor da liberdade" e deixa como legado "um verdadeiro apostolado a respeito da vida intelectual".
Olavo de Carvalho morreu na noite de segunda-feira aos 74 anos. Ele estava internado em um hospital nos Estados Unidos e não teve a causa da morte divulgada. No dia 15 de janeiro, a equipe do escritor - crítico das vacinas contra o novo coronavírus - anunciou um diagnóstico de covid-19.
Ainda na madrugada desta terça, o presidente da República, Jair Bolsonaro, se manifestou sobre a morte do guru nas redes sociais. "Olavo foi um gigante na luta pela liberdade e um farol para milhões de brasileiros. Seu exemplo e seus ensinamentos nos marcarão para sempre", disse o presidente, que chamou o escritor de "um dos maiores pensadores da história do nosso país".
De acordo com a nota oficial do governo, o também astrólogo ofereceu "inúmeras contribuições que inspiraram e influenciaram dezenas de milhares de alunos e leitores - inclusive, levando muitos à conversão à fé, segundo incontáveis relatos".
"O governo do Brasil lamenta a perda do filósofo e professor Olavo de Carvalho e manifesta seu pesar e suas condolências a familiares, amigos e alunos", diz o documento do Executivo federal.
Apesar de não ter finalizado a graduação em Filosofia, o escritor se apresentava como professor da disciplina e ministrava cursos. Teve entre os alunos o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro (PL), e ajudou a formar uma legião de bolsonaristas.
A nota do governo ainda cita elogios que Olavo de Carvalho teria recebido, no passado, de intelectuais brasileiros como Jorge Amado e Ariano Suassuna.
Veja a nota do governo na íntegra:
"O Governo do Brasil lamenta a perda do filósofo e professor Olavo de Carvalho e manifesta seu pesar e suas condolências a familiares, amigos e alunos.
De contribuição inestimável ao pensamento filosófico e ao conhecimento universal, Olavo deixa como legado um verdadeiro apostolado a respeito da vida intelectual, com uma vasta obra composta de mais de 40 livros e milhares de horas de aulas. Entre suas inúmeras contribuições, defendeu a primazia da consciência individual; apresentou uma inédita e inigualável teoria sobre os quatro discursos aristotélicos; teceu valiosas considerações sobre o conhecimento por presença e originais análises sobre as etapas do desenvolvimento da personalidade humana; além de inúmeras outras contribuições que inspiraram e influenciaram dezenas de milhares de alunos e leitores - inclusive, levando muitos à conversão à fé, segundo incontáveis relatos.
Intransigente defensor da liberdade e escritor prolífico, o professor Olavo sempre defendeu que a liberdade deve ser vivida no íntimo da consciência individual e na inegociável honestidade do ser para consigo mesmo: "Não fingir saber o que não sabe nem fingir não saber o que sabe", resumia assim o conceito da honestidade intelectual. Olavo de Carvalho oxigenou o debate público brasileiro e inseriu no mercado editorial do país e popularizou centenas de autores, dentre os quais se destacam Mário Ferreira dos Santos, Louis Lavalle e Viktor Frankl.
Admirado por proeminentes intelectuais, foi classificado por Roberto Campos como "filósofo de grande erudição"; segundo Jorge Amado, possuía "reconhecida competência na área da filosofia". Para Paulo Francis, "Olavo de Carvalho vai aos filósofos que fizeram a tradição ocidental de pensamento, dando ao leitor jovem a oportunidade de atravessar esses clássicos". E para Ives Gandra Martins, "Olavo é o mestre de todos nós". O filósofo também foi reconhecido por grandes escritores nacionais, como Herberto Salles, Josué Montello, Ariano Suassuna, Antônio Olinto, Hilda Hilst, Miguel Reale, Bruno Tolentino e muitos outros.