Forças Armadas devem se manter apolíticas, sustenta Lasier

Senador sustenta que iniciativa atende cumprimento da Constituição

Por Marcus Meneghetti

Senador sustenta que iniciativa atende cumprimento da Constituição
O senador Lasier Martins (Podemos) é bastante crítico à posição do presidente Jair Bolsonaro, que, ao demitir o general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa, teria cobrado um alinhamento do Exército ao governo federal. "As Forças Armadas devem se manter equidistantes de alinhamentos políticos, nenhuma relação com política, porque os militares são não só apartidários, também são apolíticos."
A demissão de Fernando Azevedo desencadeou uma crise institucional no governo federal e nas Forças Armadas. Depois da saída de Azevedo, os comandantes do Exército, Edson Leal Pujol; da Marinha, Ilques Barbosa; e da Aeronáutica, Antônio Carlos Bermudez, também deixaram os cargos. Foi aí que a crise se agravou e, então, o presidente nomeou o general Walter Braga Netto para o Ministério da Defesa, para tentar dissipar a tensão.
"O momento é para ficar atento aonde o presidente Bolsonaro quer chegar", pondera. Para Lasier, a cobrança de Bolsonaro por esse "alinhamento" indica o temor de um pedido de impeachment, que, conforme o senador gaúcho, já se esboça na Câmara dos Deputados.
Ao analisar as últimas decisões do Supremo Tribunal de Federal (STF) - que anularam condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT); e decidiram pela suspeição do ex-juiz Sergio Moro -, Lasier defendeu a sua Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que modifica o critério de escolha dos ministros do STF. A ideia é criar uma lista tríplice, da qual o presidente escolhe um nome, sem mandato vitalício.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o senador disse ainda que a criação do comitê nacional de combater à pandemia, recém criado por Bolsonaro, em parceria com governadores e outros membros de Poderes, indica que o presidente "constatou o óbvio muito atrasado".
Jornal do Comércio - O governo federal passa por nova turbulência que culminou no pedido de demissão dos três comandantes das Forças Armadas. Como avalia essa situação?
Lasier Martins - É mais um capítulo de turbulência. Esse caso é surpreendente, porque entrou na ala militar, o que não tinha acontecido de forma tão contundente. A demissão de todo o comando militar, desde o ministro da Defesa até os três comandantes das Forças Armadas, deixa uma impressão de que o presidente da República está entendendo que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica devam estar submissas ao governo federal. Na verdade, a Constituição diz que as Forças Armadas são instituições de Estado, independentemente de qual ideologia esteja no comando dele.
JC - Por que o presidente está cobrando agora um engajamento maior das Forças Armadas ao seu governo?
Lasier - O presidente sempre foi muito militarista, mas nunca como agora. Dá a impressão de que ele está preocupado com várias coisas. Não sei qual é a maior preocupação. Por exemplo, (Bolsonaro quer ter) precaução contra alguma ameaça de impeachment, que já se esboça na Câmara dos Deputados. De qualquer forma, por que essa expressão tão sublinhada por ele, "alinhamento com o governo"? Desde quando as Forças Armadas têm que estar alinhadas com as políticas de governo? As Forças Armadas devem se manter equidistantes de alinhamentos políticos, nenhuma relação com política, porque os militares são não só apartidários, também são apolíticos. Então, estamos vendo um gesto de deformação intelectual por parte do presidente da República. Ao querer submeter as Forças Armadas às suas políticas públicas, ele - que jurou cumprir a Constituição - está se equivocando. Ainda é muito cedo para avançar sobre certas hipóteses, mas é o momento de ficar atento aonde o presidente da República quer chegar.
JC - Alguns analistas avaliaram que a saída de todo o comando militar sinalizaria que caminho para o impeachment está livre agora. Quer dizer, as Forças Armadas teriam lavado as mãos. É possível essa interpretação?
Lasier - Aí a questão se torna muito complexa. Temos que ver qual será a conduta do Braga Netto. Pelos antecedentes do governo Bolsonaro, supõe-se que o presidente manda e seus colaboradores e subordinados cumprem (as ordens). Veja o caso do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que ficou marcado para o resto da história. Temos que ver se vai ser assim com o novo ministro da Defesa. Por isso, acredito que é muito cedo. Agora, o momento é de vigilância. Se o presidente da República insinuar-se como um possível interventor em outros Poderes, aí o caminho estará aberto para a discussão do impeachment, porque Bolsonaro estará atropelando a Constituição que ele prometeu cumprir.
JC - O senhor acredita que existe a possibilidade de uma ala das Forças Armadas sustentar um golpe em favor de Bolsonaro?
Lasier - Seria um autogolpe, ao estilo (do ex-presidente da Venezuela) Hugo Chávez. De qualquer forma, considero muito temerário fazer qualquer afirmação nesse sentido. Ainda é muito precoce qualquer avaliação, mas acredito que (Bolsonaro) não chegará a esse ponto, porque não terá respaldo do Congresso Nacional. Não acredito que ele levará adiante uma luta quase suicida contra o Congresso Nacional, contra o STF, tudo por conta de uma ambição pessoal (que seria a reeleição à presidência). Acho isso um momento muito distante.
JC - O presidente Bolsonaro reclama que o STF invade as competências do Executivo. Inclusive, em 2020, chegou a tirar fotos com manifestantes que pediam o fechamento do Supremo. Como o senhor avalia isso?
Lasier - O presidente escolheu para ministro da Defesa um general que era assessor do presidente do STF, Dias Toffoli (o agora ex-ministro da Defesa, general Fernando Azevedo). Portanto, ele deveria saber que era um general ligado por relações profissionais e de amizade com o presidente do Supremo. Se ele está descontente com as condutas do STF, não poderia ter trazido oficiais que eram ligados ao presidente da Suprema Corte. Isso denota que, sim, ele está preocupado com o STF. E me parece que se poderia incluir aí a decisão do ministro Edson Fachin, que anulou as sentenças contra Lula. Bolsonaro já está expondo abertamente sua preocupação com as eleições em que quer ser reeleito.
JC - O que o senhor achou da decisão do ministro Fachin, que anulou as condenações de Lula?
Lasier - Sob o ponto de vista formal, a decisão tem fundamento. Não competia, de maneira clara, a Moro levar esses processos (para a vara de Curitiba). Por outro lado, por que os presidentes e diretores de empreiteiras foram presos? Porque eles concederam presentes, benefícios materiais muito grandes ao Lula, em troca de vantagens nas concorrências, nas licitações da Petrobras. Então, esse é o ponto de contato (com a Petrobras, que era o que a Lava Jato investigava). Isso não foi levado em conta (pelo ministro Fachin). Deu-se total relevância ao aspecto formal. Preponderou sobre o mérito, que foi a profunda ladroeira contra o Brasil. Se despreza tudo isso em função das conversas que o juiz teve com o Ministério Público, o que é muito comum no Judiciário. É muito comum o juiz falar com o promotor, o desembargador falar com o procurador. Além disso, pinçaram um problema, a condução coercitiva do Lula (para anular as sentenças proferidas por Moro). A condução coercitiva era permitida. Poderia haver um excesso, o juiz poderia ser punido por isso, mas não invalidar o ato da coerção e o depoimento tomado.
JC - Como avalia o julgamento da suspeição de Moro?
Lasier - Isso é uma guerra política.
JC - Ao ministro Gilmar Mendes, cujo impeachment chegou a ser cogitado pelos procuradores da Lava Jato, parece que virou uma questão pessoal...
Lasier - O Gilmar Mendes, que é o mais contraditório de todos os ministros, crivado de críticas, campeão em pedidos de impeachment engavetados na Câmara, era a favor da Lava Jato. De repente, mudou radicalmente de lado e tornou Sergio Moro um criminoso. Será que as infrações que Gilmar Mendes cometeu ao longo desses últimos anos, sendo "libertador-geral da República", são menos graves do que as que ele atribuiu a Moro? É uma confusão impressionante em que o STF tem perdido prestígio, exatamente pela sua exorbitância de poder. Isto é, pela intromissão em outros Poderes. É por isso que, desde que eu cheguei ao Senado, em 2015, apresentei uma PEC para a mudança no critério de indicação dos ministros do Supremo. Está tramitando, atualmente nas mãos do relator, Antonio Anastasia (PSDB-MG), na Comissão de Constituição e Justiça, no Senado.
JC - A proposta tira das mãos do presidente a indicação para o STF...
Lasier - Tenho 77 projetos propostos, alguns já foram aprovados, outros estão na Câmara. Mas o primeiro que apresentei foi a PEC para que os ministros do STF não sejam mais indicados pelo presidente da República, porque isso tira a independência dos ministros. Eles ficam com um débito de gratidão a quem os indicou. Além disso, normalmente as indicações são feitas por amizade ou afinidade política e ideológica ou por expectativas de benefícios nos julgamentos.
JC - Qual a proposta da PEC?
Lasier - Propus que, após a abertura de vagas no STF, uma comissão de juristas - formada por representantes dos tribunais, da Procuradoria-Geral da República, da OAB... - se reúna e faça uma lista tríplice em um mês. A escolha dos nomes da lista deve considerar os dispositivos constitucionais, principalmente o notório saber jurídico para ser ministro do Supremo. Aí, o presidente da República, depois de pinçar um nome, manda para a sabatina do Senado. Com isso, a escolha dos ministros do STF perde aquele condicionamento a que os presidentes estão habituados, de colocar na Suprema Corte e depois cobrar favores. Além disso, essa PEC prevê o fim da vitaliciedade (do cargo). Em vez disso, propõe mandatos de 12 anos, como existe na maioria dos países europeus, como Espanha, Portugal e Suécia. Isso é importante para que haja no Brasil tempo limitado para ser ministro do Supremo. Hoje, como se sabe, o ministro Toffoli vai ficar 34 anos no cargo; o Kassio Nunes Marques (o mais novo ministro, indicado por Bolsonaro em 2020) vai ficar trinta e poucos anos. Isso não renova a jurisprudência.
JC - Em março, o presidente Bolsonaro criou uma comissão de crise com os governadores para combater a pandemia de Covid-19, que já se estende por um ano. Como avalia isso?
Lasier - Ele constatou o óbvio muito atrasado, muito tarde. Eram um absurdo aquelas cenas de aglomerações, ele (Bolsonaro) sem máscara. Desde o dia em que falou que era uma gripezinha, que ele era um atleta e não ia pegar, nunca se preocupou com os outros. Hoje o Brasil é o campeão de óbitos (por dia). É onde mais morre gente no mundo. Isso tem muito a ver com as negligências e os equívocos que ele cometeu. Agora, ao criar esse convênio com os outros Poderes (e entes federados), não sei como vai funcionar. É uma proposta do presidente (do Senado, Rodrigo) Pacheco (DEM-MG). (O sucesso do comitê) depende muito do novo ministro da Saúde e do novo ministro de Relações Exteriores, que, por tudo que tenho lido, é muito inexperiente, jamais ocupou uma embaixada do Brasil no mundo. Ele vai ter a tarefa de reconciliar o Brasil com a Índia e a China, para conseguir mais vacinas e insumos. Estamos pagando tributos e mortes pelos erros do presidente da República.
JC - Nos últimos meses, o PT fala em lançar o ex-presidente Lula como candidato à presidência. Ao mesmo tempo, Bolsonaro já manifesta abertamente sua intenção de ir à reeleição. Como avalia o cenário para 2022?
Lasier - Lula é ficha suja, dificilmente sustenta uma campanha. Seria torpedeado, de todos os lados, pelo comando do processo de corrupção que se atribuiu a ele, quando estava na presidência. Então, não acredito que prospere a candidatura dele. Com relação a Bolsonaro, também não acredito (no êxito eleitoral) pela sucessão de erros, absurdos que ele tem cometido. Entretanto, até o presente momento, não há uma terceira força, um novo nome que cresça com possibilidade de colocar o Brasil nos trilhos. Não estou vendo esse nome. E precisamos de uma alternativa honesta, confiável.
JC - O governador Eduardo Leite tem sido cogitado como possível candidato ao Planalto. Ele tem estatura nacional para isso?
Lasier - Considero o governador Leite uma pessoa honesta, de muitos ideais políticos. Mas ele ainda não tem nome nacional. Ele pode crescer, porque é muito habilidoso como político. Entretanto, vai ter uma barreira (dentro do PSDB), que é a concorrência com o (governador de São Paulo, João) Doria. De qualquer forma, não se descarta a possibilidade de ele mudar de partido para concorrer à presidência.

Perfil




Lasier Costa Martins nasceu no município de General Câmara, em 1942. Aos 16 anos, iniciou sua trajetória no rádio, em Montenegro, e fez carreira na imprensa gaúcha. Já instalado em Porto Alegre, ingressou na equipe de esportes da rádio Difusora, aos 17 anos. A partir de 1961, trabalhou na rádio Guaíba, onde permaneceu por 24 anos. Em 1986, deixou o veículo para entrar no Grupo RBS. Lasier também é advogado, formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Exerceu a profissão por 20 anos, mas deixou de advogar para dedicar-se exclusivamente ao Jornalismo. Atuou como âncora de telejornal, comentarista e apresentador, com participação na RBS TV e na rádio Gaúcha. Sua entrada na política ocorreu em outubro de 2013, quando se desligou da RBS para se filiar ao PDT, pelo qual se lançou candidato ao Senado. Foi eleito senador em 2014. Em dezembro de 2016, deixou o PDT. Foi para o PSD, chegando a presidir a sigla no Rio Grande do Sul. Em 2019, migrou para o Podemos.