Antonio Britto defende que RS dê incentivos para o setor de tecnologia

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Britto manteve o tom de voz sereno, mesmo quando falou de temas polêmicos, como ao detalhar os motivos pelos quais aceitou federalizar a dívida gaúcha

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Antonio Britto, presidente da Interfama,SP,
Duas décadas depois de atrair a gigante da indústria automobilística General Motors (GM) ao Rio Grande do Sul, o ex-governador Antonio Britto acredita que os incentivos fiscais devem se concentrar hoje na área da tecnologia e da sustentabilidade. Ele avalia que a política de incentivos deve ser revista constantemente. E, mesmo acompanhando de longe as notícias do Estado, pois reside atualmente em Miami (EUA), torce pelo sucesso de iniciativas como o Pacto Alegre, Tecnopuc, entre outros projetos que fomentam pesquisas tecnológicas nas universidades gaúchas. Assista à
JC - O senhor governou em meio a esses três problemas - da economia, do setor público e da política. Uma das estratégias adotadas para atrair investimentos foi a concessão de incentivos fiscais. Isso trouxe, por exemplo, GM a Gravataí. Nos próximos dias, o governo Leite deve enviar à Assembleia Legislativa uma proposta de reforma tributária, que deve propor, entre outras coisas, uma revisão dos incentivos fiscais. O senhor mudaria algo nessa política?
Britto - O incentivo fiscal pode se justificar em um determinado momento e, em outro, não se justificar mais. Quando é que um incentivo fiscal se justifica? Em duas situações. Primeiro, quando existe um extraordinário significado social, e o setor público deve, sim, intervir para apoiar um determinado segmento, sob pena de uma tragédia social naquele setor. Ou quando um determinado incentivo traz ao Estado um conjunto de empregos, investimentos, tecnologia, cujos benefícios pagam o incentivo fiscal concedido. O incentivo é uma forma de um lugar pagar por alguma coisa que lhe falta. Se não houvesse os incentivos, toda a indústria automobilística brasileira estaria concentrada em São Paulo; toda a produção de geladeiras, fogões e outros eletrodomésticos estaria em São Paulo, não na zona franca de Manaus. Agora, aquilo que é válido tentar atrair em um momento, pode não ser - e geralmente não é - no momento seguinte. Há 30 anos, a indústria automobilística estava ampliando a aposta no Brasil; hoje, essa mesma indústria está reduzindo o passo dentro do País. Por outro lado, dar incentivos a iniciativas das universidades - como o Tecnopuc, o Pacto Alegre - e a empresas de tecnologia se tornou uma decisão mundial.
JC - A GM recebe um tipo de incentivo atrelado à geração do ICMS futuro. A reforma tributária do atual governo não mexe nessas políticas fiscais para segmentos específicos. O senhor acha que esse modelo deva ser mantido?
Britto - Quando mencionei a revisão dos incentivos fiscais, não estava me referindo à revisão de contratos existentes, mas sim à revisão de políticas. Em uma determinada época, se pode priorizar a atração na área automobilística e, 20 anos depois, como é o caso agora, se pode priorizar a área da tecnologia. Esse é um exemplo de revisão da política (de incentivos fiscais). Quanto à revisão de um contrato ou de uma situação específica, aí, claro, teria que conhecer o contrato para saber se é possível (modificá-lo). A revisão de contrato entra em uma faixa perigosa, que é a da insegurança jurídica, a da possível judicialização.
JC - O senhor mencionou que um dos setores que deve receber incentivos fiscais é o da tecnologia. Outra área que tem recebido benefícios, no mundo todo, são os empreendimentos sustentáveis. O senhor diria que esses dois setores devem ser prioritários?
Britto - Não tenho nenhuma dúvida. Espero que uma das consequências dessa pandemia seja uma aproximação aos compromissos de sustentabilidade. Inclusive, de setores econômicos empresariais. Não dá mais para continuar com o que estamos fazendo com o planeta.
JC - Com a discussão sobre a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o tema da dívida com a União voltou à pauta política no Estado. Algumas pessoas criticam o acordo fechado durante a sua gestão, que culminou na federalização do passivo. Como avalia essas críticas? Qual era o cenário dos anos 1990 que levou à decisão pela federalização?
Britto - A dívida decorre exatamente da situação que mencionei antes: tem um setor público que não recebe recursos necessários (da economia) para cumprir com suas obrigações. No passado, os governos estaduais podiam pegar dinheiro (emprestado) em bancos privados. Então, o Rio Grande do Sul devia ao Bradesco, Itaú e assim por diante. Isso era uma loucura, porque o poder público pagava esses juros altos, que hoje se reduziram um pouco. Se isso tivesse continuado, o setor público teria simplesmente acabado. O que foi a federalização? Foi o que permitiu ao setor público parar de pagar juros privados e passar a pagar um juro fixo. É evidente que isso era muito bom. Quem tiver dúvida sobre isso, basta averiguar quanto cresceram os juros nos últimos 20 anos (nos bancos privados); quanto uma pessoa teria pago de juros nesse período. Depois, compare com a taxa estabelecida pela federalização. É evidente que isso foi bom para o Estado. Tanto que todos os estados federalizaram suas dívidas. Por quê? Porque era muito melhor dever à União do que ao Bradesco, por exemplo. Só que o fato de ter sido bom para o Rio Grande do Sul não garante que tenha sido suficiente.
JC - Por que não foi suficiente?
Britto - Porque, neste meio tempo, o Brasil enfrentou várias crises, os gastos do Rio Grande do Sul continuaram crescendo, enfim, a situação estrutural não se resolveu. Com isso, respondo a questão do RRF da seguinte forma: se não houver uma nova repactuação (da dívida), o Rio Grande do Sul e outros estados não terão fôlego para resolveram os seus problemas. Mas nenhuma repactuação adiantará se não houver uma mudança na estrutura, porque significará simplesmente ganhar algum tempo para nada, porque, ali adiante, os problemas acabam voltando.
JC - Ao mesmo tempo que teve a federalização (da dívida), houve o socorro ao Banrisul. O seu governo optou por mantê-lo público e assumir uma dívida com a União. Alguns analistas apontam que poderia ter feito a privatização para não herdar um processo de endividamento que teve impacto ao longo dos anos.
Britto - O governo federal entendia que os bancos estaduais eram uma fonte de problemas, porque eram administrados politicamente, constituíam rombos enormes, não havia uma separação clara entre o governo estadual e a gestão do banco, entre outros fatores. Então, quando foi federalizar a dívida, o governo federal fez um programa para incentivar o fechamento dos bancos estaduais. Então, quando o governador sentava (com o governo federal) para negociar a federalização da dívida, se aceitasse fechar ou federalizar o banco estadual, ele recebia milhares de condições para negociação (da dívida com a União), teria uma parte maior da dívida perdoada, direta ou indiretamente. Na época, a nossa decisão foi de que não era possível privatizar o Banrisul.
JC - Faria o mesmo hoje?
Britto - Tomaria a mesma decisão hoje. De qualquer forma, o Rio Grande do Sul foi penalizado (por ter mantido o Banrisul público). Com isso, o Estado não conseguiu obter a melhor condição de federalização, porque foi um dos dois ou três estados que não aceitaram entregar os seus bancos. Essa foi uma escolha que até hoje se mantém no Rio Grande do Sul. A sociedade gaúcha fez uma escolha pela manutenção de um banco público. E o Banrisul tem prestado serviços extraordinários, ninguém pode negar isso.
JC - Então, o senhor defendeu o banco público? Ou entendeu que o ônus seria maior que os benefícios da privatização? Como se formou a decisão?
Britto - É a soma de duas coisas. Primeiro, o Banrisul tinha uma gestão e uma utilidade pública muito maior do que a maioria dos outros bancos estaduais. Lembro que fizemos um programa com o Banco Mundial, o Pro-Rural, que levou dinheiro aos agricultores de todo o Estado. O instrumento (de implementação) foi o banco. Segundo, independentemente do valor que déssemos ao Banrisul, existia um valor político que a sociedade dava ao banco. Então não se tratava apenas de não querer (privatizar), era também uma opção da sociedade.

Perfil

Antonio Britto Filho, 68 anos, é natural de Santana do Livramento. Jornalista, atuou no Estado até ir para a Rede Globo. Cobriu política em Brasília e foi secretário de imprensa do presidente eleito Tancredo Neves, atuando como porta-voz das informações médicas antes da morte de Tancredo, em 1985. Filiou-se ao PMDB e foi eleito deputado federal constituinte em 1986, sendo reeleito em 1990. Em 1992, assumiu como ministro da Previdência Social no governo Itamar Franco (PMDB). Dois anos mais tarde, foi eleito governador do Rio Grande do Sul. Sua gestão (1995-1998) foi marcada pela atração de investimentos, como a montadora da General Motors em Gravataí, e pela privatização da CRT e de parte da CEEE. Perdeu a disputa à reeleição. Em 2001, deixou o PMDB, se filiou ao PPS e concorreu de novo ao Piratini em 2002. Derrotado, deixou o partido, a política e passou a trabalhar na iniciativa privada. Foi executivo da Calçados Azaléia, Claro, integrou o Conselho de Administração da Braskem e, desde 2009, é presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). Desde 2018, reside em Miami, nos Estados Unidos.