Ibsen Pinheiro discorda de texto que distribui cessão onerosa

A proposta destinava 30% dos royalties do petróleo aos estados; 30% aos municípios; e 40% à União - sem tratamento especial aos entes produtores

Por Marcus Meneghetti

Entrevista especial com Ibsen Pinheiro (MDB)
O ex-deputado federal Ibsen Pinheiro (MDB) não ficou satisfeito com o texto aprovado na Câmara dos Deputados no início do mês, que distribui os recursos da cessão onerosa do petróleo entre os entes federados. Ibsen foi um dos precursores do debate sobre a partilha dos recursos do petróleo, ao propor, quando era parlamentar, a distribuição equânime do dinheiro oriundo dos royalties do petróleo, na chamada Emenda Ibsen, aprovada no Congresso em 2010. A proposta destinava 30% dos royalties do petróleo aos estados; 30% aos municípios; e 40% à União - sem tratamento especial aos entes produtores.
Ibsen não concorda com o fato de os estados posicionados defronte às plataformas marítimas de petróleo serem considerados produtores. Por isso, não gostou do texto aprovado no Congresso em relação à cessão onerosa, que se refere ao valor que empresas privadas pagam à União pelo direito de extrair um determinado bem, como o petróleo do pré-sal. A matéria destina 15% da verba da cessão onerosa aos estados; 15% aos municípios; 3% aos estados produtores; e o resto fica para a União.
Entrevistas com personalidades políticas são importantes para você?
JC - Pode dar um exemplo desses obstáculos?
Ibsen - Nossos governos, de 1988 para cá, convivem com um problema de difícil encaminhamento, que é o constante crescimento das despesas e a dificuldade de incrementar a receita. Como é que você incrementa a receita? Um caminho é otimizar a cobrança de impostos ou aumentá-los. Mas você não consegue aumentar a receita, porque a resistência ao aumento e à criação de novos impostos é generalizada. Um outro caminho seria o incremento da arrecadação, através do crescimento econômico. Só que a máquina pública no Brasil, em vez de ser indutora do crescimento, trava a economia. A máquina burocrática atrasa o nosso País pelo custo, pela demora, pela dificuldade operacional.
JC - E as despesas?
Ibsen - Como se faz para reduzir a despesa? Acabando com gastos desnecessários ou privilégios, enfrentando setores que têm alta capacidade de mobilização. Temos, no País, uma hipertrofia dos interesses corporativos, o que não significa, como disse, que eles não sejam legítimos. O serviço público é um exemplo. Há um crescimento desproporcional da máquina pública, com extrema dificuldade para reduzir os quadros, diárias etc. Creio que isso foi consequência do sistema constituinte instaurado no fim do regime militar.
JC - Acredita que a Constituição deveria ser mais simplificada?
Ibsen - Sim. É uma Constituição extremamente detalhista, o que não apenas emperra sua atualização, como também concede privilégios para setores que tiveram grande voz na Constituinte.
JC - Poderia fazer uma avaliação dos primeiros 10 meses do governo Eduardo Leite? É a continuação do governo José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018)?
Ibsen - Creio que sim, até porque as alternativas são muito escassas. O Leite pode ser mais jeitoso. O Sartori tinha um estilo mais franco. Mas, no conteúdo, não tem nenhuma diferença fundamental entre os dois. Além disso, as duas gestões têm a mesma dificuldade de cumprir os compromissos do Estado. O governo Sartori conseguiu quase um milagre: manter o atraso do salário dos servidores no mês seguinte ao do vencimento. O governo Leite já invadiu o segundo mês.
JC - Leite prometeu colocar em dia a folha salarial do funcionalismo ainda neste ano. O senhor acha que é possível?
Ibsen - Sem receita extraordinária, é impossível.
JC - E a receita extraordinária da venda das ações do Banrisul e da IPO (sigla em inglês de Oferta Pública Inicial) da Companhia Riograndense de Saneamento ficou para o ano que vem...
Ibsen - E, depois que esse dinheiro acabar, volta a mesma circunstância. Você vende ações, paga um mês ou dois. Se você vende a Sulgás, a CEEE e a CRM, paga mais um mês ou dois. Por isso, a receita extraordinária é para período extraordinário. É necessário reduzir as despesas com pessoal. O governo está propondo a extinção de vários benefícios dos servidores. Embora ressalve os atuais direitos adquiridos, ainda assim, os servidores são contra. Nenhum dos atuais será afetado, mas eles são contra o princípio. Então, como já disse, é muito difícil aprovar mudanças que são indispensáveis.
JC - Há vários nomes dentro do MDB porto-alegrense cotados para concorrer à prefeitura da Capital em 2020. Entre eles, o do deputado estadual Sebastião Melo, que foi o candidato à prefeitura em 2016; e o do ex-secretário de Segurança e ex-prefeito de Santa Maria Cezar Schirmer, que transferiu seu título eleitoral para Porto Alegre. Qual é o nome mais competitivo dentro do partido?
Ibsen - Acho que o MDB tem dois grandes nomes que são cogitados: Sebastião Melo e Cezar Schirmer. Melo foi um deputado bem votado e que tem tido uma boa atuação. Por outro lado, o Schirmer foi secretário estadual de Segurança, além de ter chegado a vários postos. Esses nomes têm mais destaque do que outros, como o do (vereador) Valter Nagelstein, o da (vereadora) Comandante Nádia etc. Entre Melo e Schirmer, creio que o candidato natural é o Melo, porque foi o candidato a prefeito em 2016, e, depois do resultado da eleição, houve uma percepção muito grande de arrependimento entre a população.
JC - Inclusive, a campanha que levou Melo à Assembleia Legislativa trabalhou com a ideia de que as pessoas que se arrependeram do voto em Porto Alegre tinham uma segunda chance de votar no emedebista...
Ibsen - Isso mesmo. Por isso, entendo que o candidato que tem mais naturalidade é o Sebastião Melo. Mas qualquer um dos dois - Melo ou Schirmer - representaria bem o partido na eleição.
JC - A ida de Schirmer para o governo federal, no qual assumiu um cargo na gestão Bolsonaro, deixa o caminho livre para o Melo?
Ibsen - Não saberia dizer qual é a intenção do Schirmer (ao assumir o cargo em Brasília). Ele nunca se colocou como candidato. O que ele fez foi transferir o título para cá. Aliás, não foi a primeira vez. Ele já era eleitor em Porto Alegre em 1992. Nesse ano, ele foi o nosso candidato à prefeitura e foi para o segundo turno com o Tarso Genro (PT). Lembro bem, porque, naquela eleição, eu era o candidato natural do partido. Nem teria disputa. Mas eu era o presidente da Câmara dos Deputados e estávamos em pleno processo de impeachment do (Fernando) Collor (de Mello). Para se ter uma ideia, a votação do impeachment aconteceu no dia 29 de setembro de 1992, e a eleição ocorreu quatro dias depois, em 3 de outubro, então eu não podia ser candidato. Aí, fizemos um apelo ao Schirmer para transferir o título para cá e ser o candidato. Mais tarde, ele transferiu o título para Santa Maria, onde se elegeu prefeito.

Perfil

Ibsen Valls Pinheiro tem 84 anos e é natural de São Borja. Graduado em Direito pela Pucrs, trabalhou como advogado, procurador, promotor de Justiça e jornalista. O início da militância foi no Partido Comunista Brasileiro. Instaurado o bipartidarismo pela ditadura militar, em 1966, filiou-se ao MDB. Na sigla, elegeu-se vereador (1977), deputado estadual (1979) e deputado federal (1982) por três mandatos consecutivos. Em 1991, como presidente da Câmara dos Deputados, comandou o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello (então PRN, hoje no Pros). Em 1994, acusado de envolvimento em irregularidades, foi cassado. Em 2004, elegeu--se novamente vereador de Porto Alegre. Em 2006, conquistou mais uma vez uma vaga na Câmara dos Deputados. Foi presidente do MDB gaúcho entre 2010 e 2012. Em 2014, foi eleito suplente de deputado estadual e assumiu com a saída de titulares para o secretariado estadual. Em abril de 2018, foi à tribuna da Assembleia para anunciar que deixaria o cargo e não concorreria mais.