'O Brasil precisa de uma transformação pela infraestrutura', defende ex-diretor executivo do Bird

Ex-diretor executivo do Bird e BID aponta como atrair investidores

Por Patrícia Comunello

Entrevista com o economista Rogério Studart
Do governo federal ao estadual, a conversa é déficit e reformas. O economista e ex-diretor executivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Mundial (Bird), Rogério Studart provoca os gestores públicos em outra esfera. Studart defende que o Brasil precisa de transformação e uma das formas de acelerar a solução dos gargalos é agir na infraestrutura.
Mas o tema de Studart, que vive nos Estados Unidos desde o começo dos anos 2000, é como atuar e gerar as mudanças. "O Estado tem papel relevante em criar a arquitetura e um ecossistema para permitir que o dinheiro seja bem aplicado e gere as condições para o setor privado fazer o investimento", assinala o economista ao Jornal do Comércio. Studart bate na tecla dos projetos "com solidez técnica e de como serão bancados".
"Se os governos não fizerem este dever de casa, os investidores não virão." O economista diz que os governos precisam buscar jovens "que sonham em mudar o mundo" para encontrar soluções aos problemas das cidades.
Jornal do Comércio - O Brasil busca reformas para resolver déficits e tenta sair de uma das maiores recessões da história. O que explica este contexto e como sair dele?
Rogério Studart - O Brasil vem perdendo a capacidade de crescer há três décadas e, quando consegue crescer, é por questões circunstanciais e políticas, como a de inclusão, que começa antes mesmo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT, 2003-2010). Lula acelera e gera uma dinâmica própria de economia continental, como se vê nos Estados Unidos. Havia naquele momento a necessidade histórica de o Brasil se tornar uma sociedade de consumo de massa. Com dimensões continentais, o Brasil é um dos mais desiguais do mundo. Já o aspecto circunstancial está ligado ao boom das commodities, que permitiu acumular reservas e crescimento mais rápido que a capacidade produtiva nacional. O problema é que, nestes 30 anos, não se tratou de restrições estruturais, como capital humano, educação, infraestrutura econômica e social. A economia permite crescimento da produtividade e competitividade, mas precisa fazer investimentos, e o Brasil é carente em investimentos transformacionais, entre os quais está a infraestrutura que tem de ser sustentável, com inclusão social e manutenção do meio ambiente.
JC - Quanto o Brasil está atrasado em relação a outros países continentais?
Studart - Estamos muito atrasados porque o investimento em infraestrutura, que foi basicamente público até a década de 1980, caiu muito e aumentou o hiato. Na ótica da infraestrutura, países concorrentes avançaram muito, como a China. Mas muitos ficaram para trás, pois até os Estados Unidos sofrem com problema similar ao nosso, com infraestrutura que envelheceu para o tamanho da economia. Mesmo o Brasil estando atrasado, não significa que não possa usar isso para dar um salto na economia e no crescimento.
JC - Muitos governos querem passar ao setor privado a solução. A dicotomia existe?
Studart - Não existe esta dicotomia. A maioria dos sistemas exitosos em economia de mercado - não dá para comparar com a China, que é outra história -, tem investimento público crescendo e alavancando os recursos privados para complementar. Como em geral as necessidades de aportes públicos são maiores em outras áreas, quanto mais alavancar melhor. Não precisa pensar que é isto ou aquilo, são os dois juntos. O Estado tem papel relevante em criar a arquitetura e um ecossistema para permitir que o dinheiro seja bem aplicado e gere as condições para o setor privado fazer o investimento. Precisa gerar um conjunto de projetos com solidez técnica e de como serão bancados. Isso permitirá tomar dois tipos de decisão: em quais projetos o Estado vai aplicar recursos que são escassos, como saneamento básico em áreas pobres, e como ajudar a criar instrumentos para atrair investidores privados para atender à demanda. Se os governos não fizerem este dever de casa, os investidores não virão.
JC - Quais são as origens dessas dificuldades?
Studart - Já tínhamos a tendência de perda de dinâmica, e a economia deu uma barrigada a partir de 2015. Muitos que pretendiam investir viram entraves jurídicos ou que a demanda não se confirmaria. A Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP), por exemplo, criada no governo Lula em 2009, precisa ser reproduzida para um planejamento de longo prazo, com uma visão de desenvolvimento. Todos os estados e municípios brasileiros deveriam criar uma institucionalidade, que pode ser feita em conjunto ou independente, para fazer projetos, e devem buscar universidades e engenheiros que querem mudar o mundo para ajudar, além de financistas. Por que governos e prefeituras não convidam essa galera para desenvolver projetos para resolver problemas?
JC - Porto Alegre criou o Pacto Alegre para acelerar a inovação. Este é o caminho?
Studart - Isso! Porto Alegre pode, por exemplo, pedir para a garotada sair pela cidade buscando situações que precisam ser resolvidas, como semáforos desconectados, que não são inteligentes. Problema também é oportunidade! Se conseguir mapear problemas e oportunidades de infraestrutura e tiver um conjunto de pessoas com conhecimento técnico sólido, a Capital consegue parcerias para buscar soluções no Brasil e no mundo. Se a solução gerar receita e interesse do setor privado, é só chamar os financistas para avaliar e pode buscar linhas de financiamento como no Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). Em resumo, são duas coisas a fazer: criar um ecossistema que exige inovação e determinação política e chamar a sociedade a participar. Os recursos para isso não são onerosos. Agora conseguir recursos para financiar os projetos, vai depender de cada local. Se a estrutura for bem feita, monta-se um conjunto de projetos para discutir com potenciais parceiros nacionais e internacionais. Como diretor executivo do Bird, vi muito município e estado fazendo road-show com uma pilha de propostas para fazer, mas que não eram projetos em condições de discutir com o setor privado e financeiro. O governo precisa definir prioridades, saber onde quer aplicar os recursos e depois apresentar projetos que já tenham sido analisados do ponto de vista técnico e financeiro. Sem isso, os financistas nem olham. 
JC - Parcerias-Público Privadas são outra solução?
Studart - Quanto mais levantar recursos no setor privado e onde não tem competência, melhor. A Alemanha faz isso, por exemplo. O problema é que PPP virou muleta. O governo acha que tem uma ideia que é problema e vai discutir a concessão. Se tivesse feito o trabalho antes (com o ecossistema e projetos), a conversa seria outra, incluindo como como buscar recursos no Bird, BID e outros. O governo precisa ter claro o planejamento de investimentos e como fazer a alavancagem dos recursos. Falam que o Brasil tem de fazer mais PPPs, mas o País já é campeão na área, só que precisa muito mais. O que falta é estrutura para fazer mais.
JC - A segurança jurídica, que rebaixa o Brasil em rankings de competitividade, é um entrave?
Studart - É um problema, mas não é só daqui. O meu problema com isso é: se resolver isso acabam as dificuldades? O ambiente deve ser melhorado, mas a solução não resolve tudo. Uma das coisas do ecossistema que deve ser resolvida pelo Estado é ver quais são os problemas que se encontram com os licenciamentos ou mesmo os riscos à sociedade civil. Muitas obras param porque não se antecipou isso, pois não pode ter segurança jurídica apenas para um lado. Segurança jurídica é a relação com todos os atores envolvidos. O Estado tem de articular essa conversa.
JC - O erro está um pouco em pensar a infraestrutura como um problema e não oportunidade?
Studart - Perfeito, é bem isso. Venho insistindo: o Brasil precisa de uma transformação e não tem melhor forma que através da infraestrutura. Isso mudará a produtividade dos fatores e a competitividade do País, que inclui maior capacidade do capital humano para crescer e criar a coesão social necessária para dar continuidade a esse processo. Mas não é só transformação. O investimento por si só gera crescimento, de forma rápida, gera empregos e pode mudar a história de curto e médio prazo do Brasil.
JC - O senhor vê disposição do novo governo federal em encarar esses desafios?
Studart - É muito cedo para dizer para onde vai o governo. As condições de recuperação do investimento em infraestrutura estão dadas. Foi criada uma estrutura de originação de projetos com os melhores para se relacionar com o setor privado. Alguém tem de organizar a equipe e começar a dar o chute. Como a atividade produtiva brasileira é muito baixa e há capacidade ociosa alta, o consumo está baixo. Se recomeçar a ter investimento, a bicicleta volta a andar, mas não ainda na velocidade que muitos gostariam.
JC - O presidente Bolsonaro colocou miliares em ministérios que lidam com infraestrutura, inovação e investimentos? Vai dar certo?
Studart - Também é cedo para entender qual é o propósito deles. Mas esse governo foi eleito e vivemos em uma democracia é sólida. Tradicionalmente, os militares são muito bons em planejamento e execução e têm visão de longo prazo. Talvez isso seja positivo ao Brasil na infraestrutura. A necessidade é tão significativa que os militares podem ajudar. Não interessa se é militar ou aposentado, basta que seja um grupo técnico bem preparado com visão de País. Também é importante que os estados tenham capacidade de desenvolver projetos tecnicamente sólidos e financeiramente sustentáveis.
JC - Como o senhor vê as perspectivas no Rio Grande do Sul? 
Studart - Ouvi o governador falando de reformas para resolver o problema das finanças públicas. Se ele conseguir algum crescimento em infraestrutura, a economia se mexe, gera receitas, inclusive tributárias, empregos etc. O Leite parece um camarada que pensa o futuro e está de olho no mundo, que vai atrás de oportunidades. É importante tirar os gargalos, mas também pensar no plano para o futuro e assumir a liderança. Isso facilitará na atração de recursos e falta no Brasil inteiro. Fiquei muito impressionado com o aeromóvel no aeroporto de Porto Alegre. É uma inovação inacreditável. Se o governador disser que quer fazer centros de mobilidade urbana e agricultura para exportar ao mundo, está definida a visão de longo prazo e depois é só convidar os jogadores. Se ele fizer isso, tem jogo.
JC - Buscar recursos junto a instituições como Bird e BID dá resultado?
Studart - Há uma gama de recursos que se pode usar, mas que precisa da bênção federal. Quando eu era diretor executivo do Bird, vi muito isso: governadores batendo à porta da União para pedir linhas do banco. Outra coisa é chegar com projetos e agentes privados e dizer que quer recursos do Bird ou de outras instituições. Participei direto desses movimentos, quando estados como o próprio Rio Grande do Sul buscaram linhas para reforma do Estado devido a problemas de caixa para acessar financiamento barato, mas sem uma visão de futuro. O importante é dizer qual é o futuro e quais são os atores que quer atrair.
JC - Na disputa global, como o Brasil se situa?
Studart - A situação internacional é cada vez mais complexa, tanto no comércio e investimentos. O Brasil é um dos poucos países que têm capacidade de avançar com os próprios recursos. Até na China a situação é mais complexa, pois criaram dependência ao exterior. O grau de internacionalização do Brasil é bem menor, que leva muitos a dizer que é um problema - em condições normais de temperatura e pressão-, mas na situação atual é vantagem. O Brasil pode crescer sem isso, pois tem capital humano, físico e natural para fazê-lo. 
JC - Os organismos internacionais de mediação estão em xeque? 
Studart - Nos períodos de tranquilidade, começa-se a olhar para instituições que seguram a onda como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e se diz que não são necessários. As instituições passaram 30 anos com o mesmo tamanho, ou seja, a capacidade de superar as crises perdeu a relevância. Em 2008, na crise financeira mundial, o Bird foi chamado, mas como fazer algo se não consegue financiar mais de US$ 40 bilhões? No FMI, também se discute aportes. Se acontecer uma nova crise, os organismos não têm capacidade que já tiveram e não dará tempo para ampliar. E hoje há um grau de vulnerabilidade do mercado muito grande, pois o nível de endividamento aumentou muito e as bolsas de valores batem recordes de valorização sem ter algo real que justifique.

Perfil

Rogério Studart é graduado e mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ufrj) e doutor em Economia pela Universidade de Londres. É especialista em desenvolvimento global com 30 anos de experiência em finanças internacionais, macroeconomia e financiamento do desenvolvimento. É atualmente pesquisador associado do Brookings Institutions e da Federação Global de Conselhos de Competitividade. Foi professor da Ufrj e da Universidade de Boston. Foi diretor executivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), de 2004 a 2007, e do Banco Mundial (Bird) de 2007 a 2014, representando o Brasil, seis países da América Latina e as Filipinas. Antes já havia ocupado cargos de economista no BID, nas Nações Unidas, no Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE) e no Banco Chase Manhattan do Brasil. Atua como consultor de companhias privadas, organismos multilaterais, de bancos de investimento, e setores públicos. Publicou livros e artigos sobre desenvolvimento sustentável e finanças. É casado com a advogada Sarah Fandell e pai de Rafaella, Camila, Javier, Isabel e Tiago.