Paraguai cancela acordo com Brasil sobre Itaipu

Presidente Mario Abdo Benítez decidiu anular o documento após pressão popular e ameaça de impeachment

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Acordo, que elevaria em mais de US$ 200 milhões os custos da estatal paraguaia, motivou protestos
Após sofrer pressão popular e uma ameaça de impeachment, o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, assinou, nesta quinta-feira, o cancelamento do acordo bilateral favorecendo o Brasil na contratação da energia da usina hidrelétrica de Itaipu. Agora, os dois governos terão que voltar a negociar a potência de energia que o vizinho deverá comprar até 2022.
O governo paraguaio queria que o Brasil apoiasse a anulação do documento diplomático e que o cancelamento da ata fosse conjunto. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, não aceitou e quis que fosse um gesto unilateral do Paraguai. Apoiar a ação, dizem interlocutores do governo, significaria concordar com a tese de que a potência negociada em maio é prejudicial ao Paraguai, algo que o governo brasileiro não concorda.
A avaliação é de que a anulação da ata pelo Paraguai é suficiente para ajudar Abdo Benítez, alvo de pedido de impeachment pela oposição, uma vez que o documento perde validade com a decisão de uma das partes. O cancelamento causou reação imediata no processo de julgamento político que o Congresso começou a preparar contra ele, em uma sessão extraordinária que teve início às 10h.
Com o cancelamento do acordo, o grupo de senadores comandados por Horacio Cartes, o Honor Colorado, retirou seu apoio ao processo de afastamento. Sem os votos da corrente liderada pelo ex-presidente do Paraguai, a oposição não teria o número necessário para aprovar o impeachment. Segundo levantamento do jornal local Última Hora, haveria, na Câmara de Deputados, até então, 56 votos a favor do afastamento (são necessários 53), e 30 no Senado (são necessários 30). Do lado de fora do Palácio de los López, sede do governo, de onde Abdo Benítez fez o anúncio, uma grande quantidade de manifestantes pedia a renúncia do presidente, mas também havia apoiadores dele.
A oposição havia anunciado, na quarta-feira, que entraria com um pedido de impeachment devido à reação contra o acordo, que estabelecia um cronograma para a compra de energia gerada pela hidrelétrica binacional Itaipu até 2022. O pacto elevaria os custos para a empresa estatal de eletricidade do Paraguai em mais de US$ 200 milhões.

Em pronunciamento, Abdo Benítez ordena destituição de proponentes do impeachment

Com aspecto sério e demonstrando cansaço, o presidente paraguaio fez um pronunciamento no Palácio de Los López. Abdo Benítez afirmou que "o acordo assinado em 24 de maio está sem efeito" e que, para chegar a essa decisão, "foram feitas negociações durante toda a noite". Ele também agradeceu os "países amigos e organismos internacionais que expressaram apoio".
O mandatário disse, ainda, que ordenou aos membros do governo que participaram do processo em favor de seu afastamento que sejam destituídos de seus cargos, declaração pela qual foi aplaudido. "Caia quem caia, seguiremos buscando cumprir nossas promessas", garantiu. Ao comentar a possibilidade de o julgamento político prosseguir mesmo após o cancelamento do pacto com o Brasil, Abdo Benítez disse que a continuidade do processo de impeachment "será por outra coisa, não pelos interesses do Paraguai, e sim um julgamento político".
O presidente falou ao lado da mulher, Silvana López Moreira, e agradeceu "os que criticaram o presidente da República, de todos os partidos políticos e dos que propuseram o julgamento político e que revisaram sua posição", porque tudo isso, continuou ele, "leva à reflexão e a tentar buscar consenso entre os paraguaios".
Após as declarações, Abdo Benítez se juntou a seus apoiadores. Já sem terno e com a gravata desarrumada, abraçou muitos deles. O público assistiu ao ato por meio de um telão e, enquanto o presidente caminhava em meio à multidão, ouviam-se fogos de artifício.
Para a oposição, porém, o caso está longe de ser encerrado. O senador Eusebio Ramon Ayala, do partido PLRA, disse que "ainda há muito o que explicar, especialmente se o presidente tiver sido salvo por Bolsonaro". "Vamos querer saber em troca de quê", disse. A declaração mostra que a ameaça do julgamento político do presidente, ainda que menor, continua na pauta.

Itamaraty defende presidente paraguaio e cita 'excelente relação pessoal' com Bolsonaro

O Ministério de Relações Exteriores do Brasil divulgou um comunicado no qual se posiciona contrário ao processo de impeachment do presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez.
"O desenvolvimento do Paraguai e sua participação ativa como valioso membro do Mercosul e da comunidade hemisférica é de enorme interesse para o Brasil, e o governo brasileiro está convencido de que o presidente Mario Abdo reúne todas as condições para continuar conduzindo esse projeto", diz a nota da chancelaria brasileira.
O Itamaraty ainda destaca "o excelente nível do relacionamento Brasil-Paraguai atingido entre os governos dos presidentes Mario Abdo e Jair Bolsonaro, com iniciativas de grande impacto positivo para o Paraguai nas áreas econômica, de integração física e de segurança pública".