Caso de violência contra morcegos acende debate sobre desequilíbrio ambiental em Porto Alegre

Diminuição da população de morcegos está causando desequilíbrio ambiental e aumentando população de insetos

Por Carlos Villela

Técnicas da Secretaria do Meio Ambiente retiram morcegos da Travessa da Paz
Técnicos da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus)
A suspeita, de acordo com a bióloga e doutora em zoologia Susi Pacheco, que trabalha com os animais há mais de 30 anos, é de que os animais tenham sido vítimas do uso de um veneno específico para o abate de morcegos e outros animais aéreos. Os técnicos da Smamus retiraram uma espuma e pó brancos dos animais, similar a um produto que supostamente ajuda a afastar morcegos mas que causa graves danos à saúde. Segundo Susi, que é especializada em morcegos e atua no Instituto Sauver, há casos crescentes de envenenamento e extermínio de morcegos em Porto Alegre nos últimos 25 anos, o que levou à observação da redução da população destes animais e, em decorrência disso, ao aumento de colônias de mosquitos e outros insetos.
Susi alerta que morcegos são responsáveis pelo controle de diversos animais, e sua diminuição na natureza urbana pode acarretar em mais mosquitos, responsáveis pela transmissão de viroses, protozoários e helmintos, e de suas larvas, o que pode aumentar a proliferação de doenças. Segundo ela, morcegos são parte fundamental da fauna urbana, e sua presença no telhado de residências configura risco muito menor do que o que eles podem causar se ausentes da natureza. Em entrevista ao Jornal do Comércio, a bióloga explica os hábitos dos morcegos de Porto Alegre, e a situação atual deles no ecossistema da Capital:
Jornal do Comércio - Qual o papel dos morcegos no equilíbrio ambiental nas cidades?
Susi Pacheco - Morcegos são responsáveis, tanto nas áreas urbanas como rurais e naturais, pelo controle populacional de invertebrados, dispersão de sementes e polinização de plantas úteis ao homem, tanto em termos de extrativismo vegetal, como uso de madeira, quanto como frutos e espécies consideradas medicinais. No caso do controle populacional de invertebrados, há espécies de morcego que se alimentam de escorpiões, aranhas marrons e lacraias, algumas espécies peçonhentas, além de insetos como baratas, cupins (em sua forma adulta e alada que se reproduz entre final de novembro e meados de janeiro), baratas, mosquitos, besouros e comedores de portas e móveis como as brocas.
Jornal do Comércio - Existe legislação específica que impeça o extermínio de morcegos em áreas urbanas?
Susi Pacheco - Sim, existe a lei nº 5197/1967, que é Lei Federal de Crimes Contra a Fauna Silvestre. Porém, quantas pessoas são multadas, presas, ou pagam por esses crimes? Somente vão aprender quando ficarem doentes, famintas ou tiverem perdas econômicas significativas. Hoje sabemos que houve, em 30 anos, uma perda de 8 milhões de morcegos apenas em Porto Alegre, e o resultado é a presença de dengue, zika, chikungunya, leishmaniose e diversas viroses transmitidas a animais domésticos e pessoas pelos mosquitos em especial. Assim como morcegos, quase inexistem anuros, rãs, sapos e pererecas para controlar insetos e outros invertebrados, e corujas também são mortas por serem consideradas de mau agouro.
Jornal do Comércio - Quais espécies de morcegos existem em Porto Alegre e seus hábitos alimentares?
Susi Pacheco - São mais de 40 espécies, e quatro famílias: duas comedoras de insetos, uma família com hábito alimentar variado e onívoro, e uma família que se alimenta de insetos e peixes pequenos. A maioria é insetívora, ou seja, se alimentam.de invertebrados: mosquitos, cabeças de barata, besouros coleoptera, mariposas adultos e formas jovens como lagartas. Há espécies que comem escorpiões e aranhas, entre elas a loxosceles, gênero da aranha marrom. Morcegos são fundamentais para o equilíbrio ecológico das áreas urbanas, rurais e naturais, e apesar de algumas espécies de formarem colônias em telhados, as chances de transmitirem zoonoses ou mesmo raiva é infinitamente menor do que a falta deles pode causar ao ser humano. Quando se tem morcegos em telhados é preciso saber qual a espécie, pois cada espécie tem comportamento distinto e formas de exclusão variadas. E a maioria só permanece no telhado entre outubro e abril, depois dispersam.