Com salário congelado há sete anos, magistério gaúcho reforça pedido de reajuste

Defasagem salarial dos professores do Estado supera 46%, de acordo com a inflação do período

Por Yasmim Girardi

Vigília do Cpers Sindicato por reposição salarial na Praça da Matriz - Foto Caco Argemi Cpers Sindicato
Sem reajuste salarial há quase sete anos, professores da rede pública do Rio Grande do Sul tiveram o poder de compra reduzido em 46,5% (conforme o INPC). Atualmente, o valor mínimo do contracheque do magistério é de R$ 2.886,30 para uma carga horária de 40 horas, o mesmo do piso federal, reajustado pela última vez em 2019. após dias de vigília em frente ao Palácio Piratini. “Dificilmente os professores conseguirão receber toda a perda ocorrida, diante do peso de sua folha no orçamento estadual. Mas ninguém mais do que eles necessitam de reajuste salarial”, defende Carvalho dos Santos.
Em 2020, o piso federal dos profissionais da rede pública da educação básica em início de carreira foi reajustado em 12,84%, passando de R$ 2.557,74 para R$ 2.886,24 para 40h. “O piso nacional é reajustado de acordo com o valor aluno-ano, que depende do crescimento da receita, o qual vem sendo extraordinário em todo o País. No primeiro semestre de 2021 sobre o mesmo período do ano passado, o crescimento nominal da receita corrente dos estados foi de 20%, sendo 22% no Rio Grande do Sul”, pontua o economista. Ainda que a Lei do Piso (Lei 11.738), de 2008, estabeleça atualização anual no mês de janeiro, em 2021 não houve reajuste.
Segundo estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado neste mês de setembro, o Brasil está em último lugar no ranking, com dados de 40 países, no que tange a remuneração de professores. Embora não exista um ranking nacional oficial, os estados com maiores remunerações são o Maranhão (dados de 2019), com valor mínimo de contracheque de R$ 6.358,96 para 40h, o Mato Grosso do Sul (dados de 2018), com piso de R$ 5.390,22 para 40h, e o Mato Grosso (dados de 2018), com piso de R$ 4.349,55 para uma jornada de 30h. É difícil fazer a comparação entre os valores porque o Rio Grande do Sul, assim como muitos outros estados, pagam o valor estabelecido pelo piso federal.
A reportagem tentou contato também com a Seduc para falar sobre um reajuste ao magistério, mas a pasta preferiu não falar desta vez.

Cpers e Casa Civil debatem possibilidade de reajuste

Na sexta-feira passada (17), o Cpers/Sindicato teve mais uma reunião com o governo do Estado para tentar negociar algum reajuste para a categoria. Atualmente, quem está conduzindo a situação é a Casa Civil e o Grupo de Assessoramento Especial (GAE), coordenado pela Secretaria da Fazenda. Segundo o Cpers, o subsecretário do Tesouro do Estado e secretário executivo do GAE, Bruno Queiroz Jatene, afirmou, na última reunião, que está estudando uma proposta de recomposição salarial, que será apresentada pelo governador Eduardo Leite. Ainda não há data marcada para a próxima reunião.
“A situação financeira do Rio Grande do Sul avançou. Resultado das reformas profundas realizadas, do contingenciamento das despesas e das desestatizações”, explicou a Casa Civil, em nota enviada para o Jornal do Comércio. “No entanto, o Estado ainda convive com riscos fiscais como o pagamento dos precatórios e a dívida com a União. Neste sentido, a Casa Civil, o GAE, coordenado pela Secretaria da Fazenda, e a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) permanecem analisando o pedido de reajuste da categoria e avaliando possibilidades.”
Como o projeto da lei orçamentária para 2022 já está na Assembleia Legislativa, a reportagem tentou contato com o líder do governo na Assembleia, deputado Frederico Antunes (PP), que não quis se pronunciar.

Professores passam dificuldades financeiras e temem a situação atual

Na época do último reajuste, em 2014, um botijão de gás de cozinha custava cerca de R$ 42,69, segundo o Sindicato das Empresas Distribuidoras, Comercializadoras e Revendedoras de Gases do Rio Grande do Sul (Singasul). Hoje, em Porto Alegre, o preço já passa de R$ 100,00. Esse é apenas um dos indicativos de que o poder de compra dos professores foi afetado nesses sete anos sem reajuste.
“Entrei no Estado em 2012 e nós tínhamos recém conquistado um reajuste. Após isso, nosso poder de compra já foi reduzindo. Precisei desistir de um financiamento imobiliário e decidi vender meu carro para poder pagar as contas”, relata o professor de Biologia Lenon Morales Abeijon. O professor, que leciona em uma escola da rede pública de Pelotas, conta que desde o fim dos reajustes tem vivido no limite para não extrapolar o orçamento.
Para o professor de Língua Portuguesa de uma escola de Novo Hamburgo, Fábio Uriel Alves da Silva, em um primeiro momento, o baque do final do reajuste não foi tão grande. “Mas nos anos seguintes, as coisas começaram a apertar”, continua.
Silva diz que é difícil 'separar a vida profissional da vida pessoal' e que a situação econômica ofusca a vontade de dar aula. Foto: Arquivo pessoal/JC
Ele é professor da rede pública há 15 anos e afirma que os últimos tempos têm sido difíceis economicamente. Casado com uma professora, Silva passou a considerar opções para complementar a renda. “Mas o que seria? Aula particular? Trabalhar na iniciativa privada? Essas são questões que batem fundo em qualquer professor, porque estudamos e nos aprimoramos para estar em uma sala de aula com salário digno para nos sustentar, mas não acontece.”
Já Abeijon diz que, desde 2017, se divide em três: professor da rede pública, da rede privada e professor particular. “Percebi que somente do Estado eu não conseguiria viver, não conseguiria manter minha renda. Então comecei a trabalhar na rede privada e também dando aulas particulares para fazer essa complementação.” Ele trabalha todos os dias da semana, nos três turnos.
O preço dos alimentos no supermercado também demonstra que a falta de reajuste salarial afetou a alimentação desses profissionais. Em dezembro de 2014, segundo dados da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), o quilo da costela bovina - alimento tradicional da mesa dos gaúchos - custava, em média, R$ 17,90. Em abril deste ano, de acordo com levantamento feito pelo Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), o preço era de, aproximadamente, R$ 43,00.
Incluso nos benefícios e descontos do contracheque, os professores recebem um vale-alimentação que recentemente foi reajustado. Da mesma forma que o piso, o auxílio deveria ser reajustado anualmente, mas estava desde 2018 sem ser modificado. O novo reajuste, de R$ 0,83, foi aprovado no dia 14 de setembro, e o vale-alimentação dos servidores estaduais passou de R$ 10,11 para R$ 10,94. “É um desrespeito, uma desvalorização. Quem almoça com R$ 10,00?”, indaga o vice-presidente do Cpers.
No total, o auxílio alimentação se aproxima dos R$ 220,00 ao mês. Mas, dependendo da renda bruta do profissional, parte desse valor pode ser descontado. Ou seja, alguns professores recebem menos que isso.
“É só fazer as contas. São R$ 222,00 e ocorre um desconto de quase R$ 80,00. Não dá para ir ao supermercado e fazer o rancho do mês. Temos que fazer concessões do que pode ou não pode comprar, porque o que recebemos não supre as demandas”, pontua Abeijon.
Todas essas dificuldades interferem na motivação para dar aula. “Como vamos chegar na frente de uma turma? Claro que já conseguimos fazer parecer que está tudo bem. Mas, igual, está muito ruim, muito desmoralizante. É difícil dar uma aula bem dada assim”, desabafa o vice-presidente do Cpers, Edson Garcia. Ele lembra que, recentemente, uma colega lhe contou que não conseguiu dar aula on-line porque estava sem energia elétrica. “Ela não teve dinheiro para pagar a conta”, reafirma.
O novo-hamburguense Silva entende que, apesar de essa ser a profissão que escolheu e de saber que é importante se manter dedicado, é complicado chegar na sala de aula com um sorriso no rosto. “Porque, infelizmente, as pessoas ainda veem o professor como vocação, que aguenta tudo porque é professor. Mas isso está se tornando muito difícil. Ofusca a vontade de dar aula, não tem como separar a vida profissional da vida pessoal”, relata.
Além dos três turnos de trabalho em Pelotas, Abeijon também encontra tempo para estudar. “Estou fazendo uma pós-graduação para que, caso não haja uma valorização e precise abandonar o magistério, eu tenha opções para o meu futuro”, complementa. Isso não é, porém, algo que ele deseja. “Gosto muito do que eu faço e acho que faço a diferença, mesmo com as dificuldades. Mas se não puder trazer alimento para casa e cuidar da minha família, não vou hesitar em trocar de área.”