Porto Alegre não sabe quantos imóveis abandonados tem

Prédios atraso de IPTU e falta de manutenção podem ser tomados

Por Isabella Sander

Prédios com atraso de IPTU e falta de manutenção podem ser tomados
É difícil quem more em Porto Alegre e não tenha ao menos uma referência de imóvel com aparência de abandono pelo qual passe regularmente. A prefeitura, contudo, possui poucos dados sobre propriedades desse tipo e, os disponíveis, estão separados em diferentes órgãos. Em 2017, a Comissão de Análise e Gerenciamento de Imóveis Abandonados (Cagim) foi criada dentro da Procuradoria-Geral do Município (PGM) justamente para identificar bens passíveis de arrecadação pelo município, mas, até agora, o trabalho da equipe deu poucos resultados.
Informações obtidas pela reportagem do Jornal do Comércio por meio de questionamentos feitos via Lei de Acesso à Informação dão conta de que, em 2018, 1.414 reclamações sobre terrenos baldios com lixo foram registradas pelo telefone 156, da prefeitura. No período, 113 autuações foram aplicadas pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) com base nos protocolos, sendo 72 por haver resíduos no interior do imóvel e 42 por haver resíduos na calçada em frente a ele. Entretanto, como não há previsão no Código de Limpeza Urbana para abandono de terreno, as multas não necessariamente dizem respeito a propriedades abandonadas.
 
A Unidade de Fiscalização Predial da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade (Smams) emitiu, em 2018, 824 autos de infração, 241 notificações e 78 termos de embargo. Já a Unidade de Manutenção Predial da Smams emitiu 163 autos de infração e 217 notificações. Não há, porém, divisão no que se refere a cada irregularidade notificada, podendo ir de imóveis abandonados até questões mais simples, como rachaduras e infiltrações em prédios habitáveis.
Apesar de ter sido criada para identificar os bens passíveis de arrecadação pelo município, a Cagim não conta com o registro de todos os imóveis que se encontram em aparente situação de abandono. Não conta, ao menos até o momento, nem mesmo com o registro das denúncias sobre imóveis que não tenham sido dirigidas à própria comissão. A falta de informações impossibilitou que a comissão respondesse quantos imóveis havia na Capital com suspeita de abandono.
Desde o início da atuação da Cagim, foram analisados, a partir de uma lista da Secretaria Municipal da Fazenda de imóveis com dívidas tributárias, cerca de 50 propriedades. Desses, apenas um reunia os requisitos de abandono, o que gerou instauração de procedimento para arrecadação. Atualmente, estão sendo analisados pela comissão outras nove propriedades possivelmente abandonadas.
Conforme pesquisa da Fundação João Pinheiro (FJP), em 2015 o Brasil possuía um déficit habitacional de 6,4 milhões de moradias, sendo 239,5 mil no Rio Grande do Sul e 96,6 mil na Região Metropolitana. O déficit só para a Capital, no entanto, foi estimado pela última vez no censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quando a cidade concentrava 48,4 mil pessoas atingidas. No mesmo censo, foram registrados em torno de 40 mil imóveis em estado de abandono na cidade.

Processo de arrecadação ainda é embrionário, diz promotor

Para ser considerado em situação de abandono, o imóvel deve estar com ao menos cinco anos consecutivos de IPTU em atraso ou apresentar problemas persistentes de manutenção. A Secretaria Municipal da Fazenda (SMF) registrava, em agosto, 32,2 mil imóveis com o imposto atrasado por cinco anos ou mais. Quando constatada essa situação, a prefeitura pode arrecadar o bem e passá-lo, três anos depois, para a propriedade do município.
O promotor Heriberto Roos Maciel, da Promotoria de Justiça Habitação e Defesa da Ordem Urbanística da Capital, ainda durante o governo de José Fortunati (encerrado em 2016) abriu investigação sobre como a prefeitura lidava com a arrecadação dos imóveis em situação de abandono. Como resultado, foi publicado um decreto regulamentando essa arrecadação, o que até então não existia, e criado o Cagim.
Como é algo recente, ainda se trata de um processo embrionário na cidade, de acordo com o promotor. "A inércia do proprietário deveria fazer com que o município só não agisse quando alguém estivesse ocupando o imóvel. Temos que nos preocupar com a arrecadação não só para vender a propriedade, mas para utilizá-la de forma social", pontua.
Maciel cita três instrumentos referentes a imóveis em situação de abandono que carecem de efetivação em Porto Alegre. O primeiro é o que estabelece que proprietários de imóveis subutilizados ou não usados devem ser notificados. O segundo é o estabelecimento de IPTU progressivo no tempo, ou seja, imóveis os quais o proprietário não usa e tampouco constrói devem ter alíquota progressivamente mais cara, a fim de assegurar a função social da propriedade. O terceiro é, caso o IPTU seja pago e mesmo assim não haja construção no espaço, o município desaproprie o imóvel.
Segundo o promotor, há capitais brasileiras que já preveem em seu plano diretor a desapropriação do imóvel em caso de falta de uso, mas é algo ainda sem eficácia. "Isso não vejo ninguém fazendo em nenhum município", comenta. Pela sua experiência, Maciel acredita que a quantidade de recursos voltados para habitação que o município teria caso chegasse à segunda etapa, de estabelecimento de IPTU progressivo, já seria consideravelmente superior à atual.
Em agosto, a prefeitura publicou decreto pelo qual a declaração de imóvel abandonado passa a ser feita pelo próprio município, por meio de processo administrativo, sem a necessidade de ajuizamento de ação. Para o promotor, a mudança facilita o processo, mesmo que dê menos segurança jurídica do que uma ação judicial, mas o mais importante é que se faça o levantamento de quantos imóveis não pagam o IPTU há cinco anos ou mais e envie uma equipe de urbanismo para que comece o procedimento em casos de imóveis abandonados. "Imóveis abandonados poderiam ser um bom instrumento de política habitacional", opina.

Após declarar abandono, prefeitura precisa esperar três anos para solicitar arrecadação

A presidente da Cagim, procuradora municipal Eleonora Serralta, explica que a comissão analisa exclusivamente imóveis passíveis de arrecadação, com base no previsto no artigo 1.276 do Código Civil Brasileiro: o imóvel "que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições".
A maneira como a prefeitura tem lidado com imóveis abandonados tem sido modificada nos últimos tempos. "Estamos criando na prática esse projeto, formando um modelo de procedimento", explica. O resultado desse processo levará um tempo - após declarar o abandono do imóvel, a prefeitura precisa aguardar três anos até solicitar sua arrecadação. Por enquanto, três declarações desse tipo já foram feitas. Nove imóveis estão sendo analisados, neste momento, para possivelmente também serem declarados como abandonados.
Segundo Eleonora, é preciso avaliar cada caso e adotar, nele, a medida ideal. Mesmo havendo alguns critérios para determinar o imóvel como abandonado e arrecadá-lo (ao menos cinco anos de IPTU com pagamento atrasado e não haver ninguém morando ou conservando o local), a atenção à situação específica é importante. "Há pessoas que herdam o imóvel, mas não têm dinheiro para mantê-lo, por exemplo. Outra dificuldade é que o lugar pode estar sendo habitado por outra pessoa", cita. O último caso é comum no 4º Distrito, região da rua Voluntários da Pátria, onde imóveis vazios foram ocupados por terceiros.
Também há situações nas quais o terreno está à venda e o proprietário está com o IPTU em dia, mas não o conserva deixando-o com lixo acumulado. "Aí o problema não é o abandono, e sim o mau uso da propriedade. Nesse caso, a melhor ferramenta é multar a pessoa por não estar cuidando da limpeza do local, e não tentar arrecadá-lo", pontua.
Eleonora considera que, se levar o artigo 1.276 ao pé da letra, o município teria que arrecadar muitos imóveis, mas é preciso pensar na finalidade dessas propriedades para a própria prefeitura, que precisa arcar com custos de reforma e manutenção. "Este é um segundo eixo no qual quero trabalhar, que é a utilidade da arrecadação. Sob esta ótica, é necessário que o imóvel já tenha destino previamente estabelecido", avalia. A prioridade seria para uso habitacional, usando o imóvel em vez de construir pelo programa Minha Casa Minha Vida, ou ocupando-o com unidades de saúde e escolas.