Confeitaria Rocco sonha em retomar esplendor

Antigo ponto nobre do Centro Histórico da Capital, edifício não é utilizado há cerca de dez anos e precisa de restauro

Por Igor Natusch

Inaugurado em 1912, prédio em estilo eclético está integrado à memória coletiva dos porto-alegrenses
Para a memória afetiva de Porto Alegre, a esquina da rua Riachuelo com a Doutor Flores é um dos lugares mais emblemáticos. Ali, junto à igualmente histórica Praça Conde de Porto Alegre, a cidade parava para tomar café ou bebericar um chá, enquanto saboreava alguns dos afamados doces da Confeitaria Rocco. O vistoso prédio em estilo eclético foi, durante décadas, ponto de encontro das famílias locais, e os banquetes no salão de festas eram concorridos eventos da alta roda porto-alegrense.
O espaço foi tão marcante para a cidade que mesmo os que nunca viveram esses dias sentem afeição pelo antigo prédio - que não é utilizado há cerca de uma década e aguarda por um restauro que reabra suas portas aos moradores da Capital.
O estabelecimento é iniciativa do confeiteiro italiano Nicolau Rocco, que trabalhou na badalada El Molino, de Buenos Aires, antes de fixar-se em Porto Alegre. Em 1892, ele abriu a Confeitaria Sul-América - projeto que resolveu ampliar em 1910, aproveitando o bom momento econômico e a expansão imobiliária vividos pela Capital à época. A ideia era um edifício grandioso e chamativo, inspirado na El Molino argentina.
O projeto foi assinado pelo arquiteto e construtor Salvador Lambertini - que não teve a chance de ver o prédio pronto, tendo falecido em 1911. Coube ao arquiteto Manoel Barbosa Assumpção Itaqui concluir a obra, inaugurada com pompa em setembro de 1912.
Em seu auge, a Rocco era um empreendimento completo no seu ramo. No subsolo, ocorria a fabricação de doces, enquanto o térreo continha a confeitaria propriamente dita. No segundo pavimento ficava o salão de festas, enquanto a copa funcionava no andar de cima. Com o passar dos anos, esse último pavimento foi sendo adaptado, transformando-se em residência para integrantes da família. "O velho Nicolau, meu avô José Rocco Irace (que era sobrinho de Nicolau), meus tios, meus pais e eu: todos nós moramos, em algum momento, naquele prédio", diz José Gabriel Irace, um dos herdeiros do imóvel.
Após a morte de Rocco, em 1932, o negócio teve idas e vindas, e chegou a ser reaberto em 1962, como comemoração aos então 50 anos do suntuoso espaço, antes de fechar as portas de vez em 1968. Desde então, o prédio sediou diferentes atividades, tendo abrigado inclusive uma outra confeitaria antes de receber, durante mais de duas décadas, um curso pré-vestibular. Os restauros mais recentes são da primeira metade dos anos 2000, quando a Casa Cor funcionava no edifício, e moradores de rua chegaram a tomar conta do espaço em mais de uma oportunidade.
Hoje, a degradação da antiga Confeitaria Rocco ameaça apagar o que resta de história no local. É possível ver sinais de erosão em alguns dos atlantes da fachada, esculpidos pelo italiano Giuseppe Gaudenzi, e pedaços da balaustrada do terraço começaram a se soltar. A chaminé está comprometida, e o risco de desabamento motivou o Ministério Público a ingressar na Justiça, tentando acelerar a restauração do imóvel e definir a quem, de fato, cabe essa responsabilidade.

Herdeiros e prefeitura divergem sobre medidas de restauro

O prédio da Confeitaria Rocco foi tombado pela prefeitura em 1997 e chegou a ser declarado espaço de utilidade pública em 2012 - um decreto que, decorrido o prazo de cinco anos, já teria perdido a validade. No momento, há uma indefinição entre herdeiros e a prefeitura, que se arrasta na esfera jurídica pelo menos desde 2001.

A decisão mais recente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é de agosto de 2018, exigindo que o Executivo municipal realize a obra e inclua, na peça orçamentária para este ano, valores específicos para o restauro. A prefeitura de Porto Alegre não confirma que haja previsão orçamentária para executar as obras no decorrer deste ano. Há também uma série de processos paralelos, referentes a cobranças do Executivo a dívidas de IPTU contraídas pelos proprietários, que estariam em torno dos
R$ 200 mil.

"Estamos nessa batalha há uns 20 anos, tentando fazer alguma coisa com o prédio, fazer com que ele não caia. O que poderia ser uma coisa prazerosa acabou tornando-se algo que só dá problema", afirma Irace, um dos herdeiros da Rocco. Mesmo acentuando a boa vontade da atual gestão municipal quanto ao tema, ele quer garantir que o restauro seja feito pela prefeitura - ou, em paralelo, que um eventual comprador tenha segurança para assumir as intervenções.
Segundo ele, há "negociações avançadas" com alguns interessados, mas as incertezas impedem que uma proposta firme chegue na mesa dos proprietários. Recentemente, a Academia Rio-Grandense de Letras manifestou interesse no imóvel, mas o modelo proposto não foi considerado viável. "Os herdeiros têm apego sentimental (pela antiga confeitaria), mas querem evitar futuros prejuízos", afirma Carlos Laerte Torres Felippin, advogado da família. 
"A Rocco está na frente da fila, é uma de nossas prioridades. Mas nosso enfoque atual é a situação da Casa Azul", diz Nelson Marisco, procurador-geral adjunto do município, referindo-se ao imóvel também localizado na Riachuelo e que, após anos de indefinição, está com obras de restauro prestes a começar. De acordo com Marisco, a prefeitura aguarda resultado de recursos em torno da Confeitaria Rocco - mas o procurador observa que a reforma "terá que ser feita" em um prazo relativamente curto de tempo. "Nossa expectativa é que eles (proprietários) façam."
A Casa Azul pode servir de exemplo em mais de um sentido, já que a prefeitura não descarta adotar o mesmo procedimento no caso da Rocco: tentar tomar o imóvel da família na Justiça. "É evidente o interesse na preservação, e o imóvel está abandonado. É um caso em que a prefeitura talvez precise agir. Mas é claro que se eles (proprietários) precisarem de ajuda para aprovar os projetos de restauro, o município vai priorizar", acena Marisco.