Rede de ensino do Rio Grande do Sul perde 328 mil alunos em dez anos

Envelhecimento da população gaúcha explica queda de 26,2% nas matrículas em escolas públicas

Por Juliano Tatsch

ALUNOS EM SALA DE AULA. A HORA DA MERENDA. ESCOLA PAULA SOARES.
O Rio Grande do Sul já teve falta de escolas e vagas para alunos da rede pública. Hoje, não há carência de salas de aula e tampouco de estabelecimentos públicos de ensino - ainda que possam estar mal distribuídos.
A transformação se deu, principalmente, em razão de uma significativa mudança no cenário demográfico, com menos crianças e adolescentes. O resultado é que o número de alunos na rede público despencou.
Uma em cada quatro matrículas deixou de ser feita em apenas dez anos. O número de estudantes em escolas estaduais teve uma redução de 26,2%, o que significa 328.953 matrículas a menos. Em 2008, eram 1.259.569 estudantes. No ano passado, esse número era de 930.616 alunos.
O fato é que houve uma significativa mudança no perfil dos habitantes e o Rio Grande do Sul envelheceu. No ano 2000, a população de pessoas com 60 anos ou mais representava 10,5% do total de gaúchos. Oito anos depois, esse percentual passou para 13,5%. No ano passado, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os idosos já representavam 18,6% da população do Estado.
Essa mudança no cenário demográfico estadual implica na necessidade de uma série de políticas públicas específicas para esse grupo de pessoas. A área da saúde, principalmente, é muito afetada, mas não só ela. As cidades precisam se adaptar, tornando-se acessíveis às pessoas mais velhas, proporcionando opções de lazer, circulação e acesso mais facilitado a serviços.
Caminhando junto com o envelhecimento está a redução nos percentuais de jovens no total da população do Estado. No ano 2000, os jovens entre zero e 29 anos constituíam 51,6% do contingente populacional do Rio Grande do Sul. Em 2010, esse índice caiu para 45,8%. No ano passado, 40,96% dos gaúchos tinham essa faixa etária.
Nesse caso, as mudanças necessárias vão em sentido contrário. Com menos jovens, serviços públicos direcionados para essa parcela da população precisam ser readequados levando em consideração a menor demanda.
Imaginando-se um quadro de atendimento pleno - em que nenhum jovem esteja fora da sala de aula por não ter onde estudar ou por não ter professores na sua escola -, a transformação demográfica gera um impacto em cadeia direto. Com menos crianças e adolescentes em idade escolar, o número de estabelecimentos de ensino pode ser menor, o que resulta em menos professores e menos funcionários de escola.

Investimentos foram reduzidos nos últimos cinco anos

O investimento em educação também vem caindo nos últimos anos. Conforme dados disponíveis no Portal da Transparência, no período compreendido entre 2009 e 2017, o maior volume aplicado em planejamento e execução de obras, aquisição de móveis e materiais para a educação foi em 2013. Sob o governo de Tarso Genro (PT), foram alocados R$ 203.934.196,27. A segunda maior quantia foi em 2014, também sob o governo petista, quando foram investidos R$ 161.640.643,76.
Em 2017, penúltimo da gestão atual no Palácio Piratini, a Seduc destinou R$ 60.202.332,48 para as mesmas áreas. Entre o ano com o pico de investimento (2013) e o ano passado, houve uma queda de 70,5% nos valores aplicados pelo Estado em planejamento e execução de obras, aquisição de móveis e materiais.
Se a relação for feita com 2009, penúltimo ano da governadora Yeda Crusius (PSDB), a quantia é apenas 5,54% maior. Corrigindo-se o montante de 2009 pela inflação do período, sem acréscimos, o investimento de 2017 deveria ter sido de R$ 93.279.544,70 - 54,9% superior ao que foi, de fato, aplicado.
Os valores investidos durante os três primeiros anos do governo de José Ivo Sartori (MDB) somados (2015, 2016 e 2017) superam por pouco a quantia aplicada apenas em 2014, com Tarso.
A Seduc sustenta que a análise não é tão simples e aponta fatores extraordinários. "Em 2013, por exemplo, havia volume maior de gastos com os equipamentos de modernização tecnológica via recursos do Bird (Banco Mundial). Uma vez findo o programa, reduziu-se as aquisições. Ainda sobre os dados, há distorções, com o elemento 'obras' migrando para o elemento 'reformas', sendo o primeiro considerado investimento, e o segundo, despesas correntes."

Para Seduc, desafio é reformar o modelo para que se adapte à atualidade

Para a Secretaria Estadual da Educação (Seduc), independentemente dos dados que mostram a redução nos investimentos, "o maior desafio é reformar o atual modelo, para que se adapte ao milênio que vivemos. Ao mesmo tempo, é preciso planejar o futuro, mesmo que esse futuro seja cheio de mudanças que, por enquanto, a gente só pode especular. Com relação ao foco, o principal elemento é o aluno. No momento em que o número reduziu, o processo de redução de escolas, funcionários e professores é inevitável". Em relação aos gastos, observa-se que houve "priorização com pessoal, considerando que, ainda que caia o número de professores ativos, há a manutenção como inativos".

Avaliações de desempenho são ruins e ficam abaixo da meta do MEC

Caminhando ao lado dos baixos recursos investidos na rede estadual estão os indicadores de qualidade da educação. A gestão atual, do governador José Ivo Sartori (2015-2018), foi avaliada duas vezes pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2015 e em 2017. Nesse último ano, pela primeira vez na década, a educação estadual - ensinos Fundamental e Médio - ficou abaixo da linha estabelecida pelo Ministério da Educação (MEC) - índice de 5,7 frente a uma meta de 5,8.
O indicador avalia, de dois em dois anos, o Ensino Fundamental (anos iniciais e anos finais) e o Ensino Médio (3ª série) nas redes privada, municipal e estadual. Os dados relativos a 2017, divulgados no começo de setembro, mostram que o Rio Grande do Sul vinha atingindo a meta nos anos iniciais do Fundamental (4ª série/5º ano) nas últimas cinco análises (2007, 2009, 2011, 2013 e 2015). O indicador de 2015 já apontava uma estagnação em comparação a 2013, mas ainda contemplava a meta. Em 2017, porém, não atingiu.
Já nos anos finais do Ensino Fundamental (8ª série/9º ano), o Estado não atingiu a meta nas últimas quatro avaliações. No caso do Ensino Médio (3ª série), o Rio Grande do Sul atingiu a meta apenas em 2009 (meta e índice de 3,6).
Fazendo uma relação entre as taxas gaúchas e catarinenses, o Rio Grande do Sul perde em 20 das 21 análises. Apenas no índice de 2013 no Ensino Médio - o ano com maior investimento em estrutura -, o ensino estadual ficou acima do vizinho (3,7 ante 3,6).
Os resultados obtidos pelo Rio Grande do Sul desrespeitam o Plano Estadual de Educação, instituído pela Lei nº 14.705, de junho de 2015. A legislação determina, em sua meta 7, que seja fomentada "a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem". O objetivo, conforme a lei, era atingir as seguintes médias estaduais para o Ideb 2017: 5,9 nos anos iniciais e 5,3 nos anos finais do Ensino Fundamental; e 5,1 no Ensino Médio. Os três pontos foram descumpridos.
Outro ponto não cumprido diz respeito à meta 6, que estabelece o oferecimento de educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, atendendo, pelo menos, 25% dos alunos da Educação Básica. Para isso, no item 6.19, o texto legal determina o investimento na estrutura das escolas, "bem como na ampliação do quadro de professores e funcionários de forma que se tenha os subsídios básicos e necessários para atender à demanda".
O que se viu, porém, de 2015 até 2017, foi uma redução nesses quadros. Em 2015, havia 50.398 professores e, em 2017, 43.712. Em 2015, eram 96.497 funcionários nas escolas. Em 2017, haviam 58.032. Como a categoria "funcionários" - conforme o Censo Escolar - engloba "funções docentes, técnicas e administrativas na escola", depreende-se que o total de servidores que atuam em outras áreas que não a sala de aula era de 46.099 em 2015. Dois anos depois, esse número caiu para 14.320 funcionários - uma redução de 68,9%.

Em dez anos, magistério fez oito greves

Somada a esse quadro - também em razão dele - está a permanente tensão na relação entre os professores e o governo do Estado. Em pelo menos oito dos últimos dez anos houve greve da categoria. E essas sequências de paralisações resultam em quebra no andamento natural das aulas e consequente prejuízo aos alunos.
As razões para as paralisações são históricas: baixa remuneração, falta de infraestrutura, não realização de concursos, terceirização de serviços, acúmulo de funções, além das diferenças políticas.
Mas a principal reivindicação, desde 2008, quando foi sancionada a Lei Federal nº 11.738, que define o piso de magistério em nível nacional, é justamente fazer com que o Estado cumpra a legislação. Os educadores de escolas públicas com contratos de 40 horas semanais não podem receber valor inferior a R$ 2.455,35 no País. No Rio Grande do Sul, o básico inicial para 40 horas é de R$ 1.260,16. Para chegar ao valor, é pago um completivo mensal, que não incide sobre o básico. Dessa forma, aposentadorias, vantagens e gratificações não entram na conta.
A justificativa para a medida, que começou no governo Tarso, é que o impacto para o Estado seria bilionário. Conforme a Secretaria Estadual da Fazenda, caso o piso nacional fosse adotado, o impacto seria de R$ 5,59 bilhões ao ano.

Governo aponta que indicadores melhoraram

O que diz a Seduc:
"O Índice do Desenvolvimento da Educação Básica mostra que a rede pública estadual melhorou em todos os indicadores em relação ao último levantamento, realizado em 2015. No Ensino Fundamental, subiu de 5,5 para 5,7 no 5º ano (anos iniciais), e de 4,0 para 4,3 no 9º ano (anos finais). No Ensino Médio, também houve avanço de 3,3 para 3,4 pontos. A posição no ranking geral no Ensino Fundamental, considerando os demais estados, passou, no 5º ano, de 18ª para 14ª, e, no 9º ano, de 15ª para 13ª. No Ensino Médio, o Rio Grande do Sul permaneceu em 15º lugar no ranking, acompanhando o desempenho nacional.
Os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica, que mostram o que os alunos efetivamente aprenderam já sinalizava para esse crescimento dos índices no Ensino Fundamental e para as dificuldades no Ensino Médio. Porém, apesar da queda da proficiência do Ensino Médio, avaliado no 3º ano, os alunos ainda tiveram um desempenho melhor do que a média do Brasil.
Com certeza é preciso avançar ainda mais, porém a boa notícia é que a lição de casa está sendo feita. A implementação, a partir de 2019, do Referencial Curricular Gaúcho para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental - que está sendo elaborada com a contribuição de mais de 120 mil professores - e a mudança do currículo do Ensino Médio - prevista para ocorrer em 2020, já em debate em toda a rede pública estadual - deverão transformar a educação pelo lado certo, ou seja, o pedagógico.
Além disso, no Rio Grande do Sul, de forma pioneira no País, a construção deste novo caminho acontece de forma integrada entre as redes municipal, estadual e privada, através de uma parceria inédita entre o governo do Estado, a União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação (Undime) e o Sindicato do Ensino Privado no Rio Grande do Sul (Sinepe-RS)
E, com o bom desempenho dos anos iniciais e com a perspectiva da retomada do desenvolvimento econômico do Estado - que repercute diretamente na distorção idade/série e na evasão escolar -, pode-se prever uma melhoria no desempenho do Ensino Médio, problema que afeta toda a rede pública escolar no Brasil. O caminho é difícil, sem dúvida, e a situação é crítica, mas estamos no caminho certo."