A praça que Porto Alegre esqueceu

Atrás do muro da Mauá e dos trilhos do Trensurb, área à beira do lago Guaíba está inacessível há décadas

Por Igor Natusch

Praça Edgar Schneider, que está há décadas inacessível para os porto-alegrenses, já que fica atrás do muro da Mauá e dos trilhos do Trensurb. Registrar imagens, com especial atenção à escultura As Moças da Fonte, de Alfred Hubert Adloff, um dos principais artistas de Porto Alegre no início do século passado.
Hoje em dia, ninguém senta para conversar ou tomar sol na Praça Edgar Schneider. Aliás, a maioria dos moradores de Porto Alegre não deve sequer saber que ela existe, mesmo passando boa parte de seu dia a poucos metros dela. Localizado à beira do Guaíba, dentro da estrutura do Cais do Porto, o espaço foi concebido para ser um convite à aproximação entre a cidade e o lago. O Centro, porém, foi crescendo de costas para a orla, as barreiras foram se multiplicando, e a Capital acabou esquecendo de um pedaço da própria história.
Atualmente, é possível avistar a praça de longe, indo ou voltando nos trilhos do Trensurb. Ela está na região das docas, em frente a um frigorífico inaugurado nos anos 1930 e que, hoje, está desativado. Porém, a área de 4,2 mil metros quadrados sofreu com décadas de abandono, e é preciso alguma imaginação para perceber que o pequeno conjunto de árvores e grama alta e seca já foi, de fato, uma praça.
Batizada em homenagem ao destacado político e reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul nos anos 1940, a praça foi inaugurada em 1962, como parte do conjunto arquitetônico do porto de Porto Alegre. Acessá-la a pé não era difícil, e uma linha de trem passava nas proximidades, rumo à estação Ildefonso Pinto, perto do Palácio do Comércio. No entanto, o esplendor do local durou pouco mais de uma década, e as mudanças na região central fizeram o espaço sumir da mente dos porto-alegrenses.
Primeiro, foi a construção do muro da Mauá, parte do Sistema de Proteção contra Cheias da Capital. A estrutura, concluída em 1974, criou uma barreira ao acesso direto ao local. As obras do Trensurb, concluídas com a entrega dos trens em março de 1985, reforçaram o isolamento. Os curiosos, contudo, ainda podiam acessar o cais pela entrada principal e ir caminhando até lá - alternativa que acabou no final dos anos 1990, quando a maior parte das atividades portuárias foi encerrada e o acesso tornou-se restrito. Desde então, a Edgar Schneider caiu em silêncio, completamente desligada da cidade.
Hoje, as quatro bancadas de pedra maciça que delimitam as antigas extremidades do espaço encontram-se em ruínas. Ao centro, circundadas por 14 árvores, duas ninfas se erguem. As estátuas são parte da obra Moças da Fonte, esculpida por Alfred Hubert Adloff, alemão radicado na cidade e nome destacado da arte gaúcha na primeira metade do século passado. Entre outras tantas, também são de sua autoria imagens como as estátuas do viaduto Otávio Rocha e a Samaritana, fonte localizada na Praça da Alfândega.
A obra, porém, não chama a atenção de quase ninguém. Os poucos que eventualmente lá passam - trabalhadores do cais, em sua grande maioria - não parecem reconhecer a beleza das esculturas, hoje manchadas e danificadas em vários pontos. No pé direito de uma delas, abriu-se um grande buraco, onde alguém enfiou uma garrafa plástica de refrigerante.

Espaço será revitalizado, mas ainda não há data para o começo das intervenções

A expectativa do poder público e do consórcio Cais Mauá do Brasil é de que a Edgar Schneider ganhe uma nova vida, a partir dos esforços de revitalização da região. As melhorias, porém, ainda devem demorar. As renovações da praça, das docas e do antigo Frigorífico do Porto estão previstas na terceira e última parte do projeto, que tem extensão total de 3,2 quilômetros. Hoje, a empreitada está na etapa inicial, voltada às melhorias e reutilização dos armazéns. A segunda fase envolve o Gasômetro e adjacências - ou seja, é preciso avançar bastante antes que as visitas à praça voltem a ser uma opção de lazer para os porto-alegrenses.
O ex-diretor-presidente do consórcio Cais Mauá do Brasil, Vicente Criscio, explica que o local, quando resgatado, será transformado em um espaço de convivência. "O projeto mudou um pouco com o tempo, mas a ideia não é caracterizar a área como um espaço gastronômico ou de caráter comercial. Esse perfil ficará mais concentrado na área dos armazéns. A projeção é que (a área da praça) seja um espaço de convivência, para as pessoas conversarem, tomarem chimarrão", diz. As Noivas do Cais serão restauradas, e a Edgar Schneider deverá ser a maior das dez praças previstas para o complexo.
O antigo frigorífico seria, originalmente, transformado em um centro de eventos ou em um hotel, em conjunto com as três torres comerciais que serão erguidas no setor. Porém, a análise da estrutura levou à conclusão de que o prédio, por suas características arquitetônicas, não é adequado para esse tipo de utilização. Ao invés disso, deve formar um conjunto conceitual com a Praça Edgar Schneider, sendo destinado a atividades culturais e com algumas soluções paisagísticas em seu interior. O investimento total no setor das docas deve ficar em torno dos R$ 300 milhões.
A grande questão, então, passa a ser o acesso a esse espaço - afinal, o muro e os trilhos do trem não serão removidos, e não existem, no momento, estruturas adequadas para contornar essas barreiras. Entre as contrapartidas do empreendimento está a construção de uma via ligando a rua Ramiro Barcelos ao Cais, e que inclui um túnel, que passará por baixo da Avenida da Legalidade.
Além de evitar que vias já sobrecarregadas, como a avenida Mauá, sofram com fluxo ainda maior, a passagem beneficiará os que desejarem ir à praça restaurada, já que se conectará diretamente às torres comerciais das proximidades. Na região das docas, haverá também um estacionamento, com capacidade prevista de 2.036 vagas. A obra está em estágio de elaboração do projeto técnico, e ainda não há estimativa de custos ou data para o início dos trabalhos.