Embora o êxodo rural seja grande, há quem siga no campo à frente dos negócios familiares

Jovens continuam apostando no agronegócio


Embora o êxodo rural seja grande, há quem siga no campo à frente dos negócios familiares

A presença do jovem no campo é uma questão que permeia as famílias de produtores rurais, já que muitos deles estudam e seguem carreira na cidade grande. Há aqueles, no entanto, que permanecem nas propriedades iniciadas por seus pais e avós. É o caso de Matheus Suñé Spolidoro, 30 anos, que está à frente do negócio da família, em São Gabriel, há quase uma década.
A presença do jovem no campo é uma questão que permeia as famílias de produtores rurais, já que muitos deles estudam e seguem carreira na cidade grande. Há aqueles, no entanto, que permanecem nas propriedades iniciadas por seus pais e avós. É o caso de Matheus Suñé Spolidoro, 30 anos, que está à frente do negócio da família, em São Gabriel, há quase uma década.
Formado em Medicina Veterinária, ele conta que a sucessão familiar foi um processo natural no empreendimento rural iniciado por seu avô e que estava sob comando de sua mãe e sua tia. "Trabalho desde sempre lá e, ainda na faculdade, fui assumindo as coisas. Sabemos que existem várias características de empresas, mas a nossa permitia que a sucessão fosse feita de forma muito tranquila. E isso serve também para levar meu exemplo, trazer exemplo de outros", conta ele, que faz parte da diretoria do Núcleo Jovem da Farsul, onde troca experiências com outros jovens produtores.
"Temos uma interação entre jovens que estão vivendo a mesma fase de vida e dentro das empresas também. Essa troca de informações que a comissão jovem nos dá é muito legal, acabamos vendo que os problemas são parecidos. Cada um do seu jeito, mas, na base, são os mesmos. As soluções quase sempre são mais fáceis de buscar quando é em grupo", pontua. 
Atualmente, Matheus enxerga uma mudança na maneira como os negócios do campo são administrados devido a chegada dos mais novos aos cargos administrativos. "Tem, cada vez mais, uma visão empresarial. Não perdemos a tradição do gaúcho, mas ela tem se moldado para questões ambientais, de bem-estar animal, de tratamento com funcionários. Tudo isso vem crescendo com o pessoal que está chegando, que respeita muito mais essas diretrizes", acredita.
Por isso, considera tão importante que empresários do meio rural debatam as suas dificuldades. "A Farsul atende à demanda de produtores, muitas vezes políticas, outras vezes técnicas, e também tem essa função de lutar por melhorias no campo. Trabalhamos muito na parte de tecnologia, levando conhecimento de startups, sucessão familiar."
Em sua propriedade, o veterinário considera que as principais mudanças que aconteceram a partir da sua gestão foram o investimento nas lavouras de soja (que hoje totalizam 600 hectares, além da criação de bovinos das raças Hereford e Braford) e o investimento na relação com os colaboradores.
"As lavouras cresceram bastante, mas também por uma demanda financeira. Tivemos uma renovação de todos os funcionários, sem perder os antigos. Tenho funcionário que trabalha há 50 anos na empresa, outros que estão há 5 ou 6, e isso é uma troca muito interessante. Inovamos bastante na parte empresarial, buscando assessoria financeira", conta ele que administra o negócio sob os olhares atentos da mãe e da tia, que, apesar de não estarem atuando na rotina da propriedade, ainda orientam o jovem. "Elas trabalham, mas na volta de fora, como a gente diz da campanha. Não estão no dia a dia da empresa, porém vão olhando e dizendo 'faz assim, faz assado'." 
Para os jovens que estão em dúvida em seguir o trabalho das famílias no campo, o conselho de Matheus é enfático. "Não tenham medo." Ele pondera que, mesmo que pudesse ganhar mais em outras atividades, dar continuidade ao legado da família é motivo de orgulho. "Tu estás dentro da tua casa, trabalhando com a tua família, e isso é muito gratificante. Tenham perseverança e resiliência, que isso é importante."
Dados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 2018, mostram que, em comparação ao levantamento realizado em 2006, houve redução na participação de pessoas trabalhando no campo com menos de 25 anos de 3,30% para 2,03%. Entre 25 e 35 anos anos, o percentual caiu de 13% para 9%.

Startup criada na cidade com olhar no campo

O futuro do campo também está nos jovens que não têm contato direto com a atividade rural. O censo agropecuário de 2017 mostra que o acesso à internet é uma realidade cada vez mais presente na vida do produtor rural. Em 2006, o número de estabelecimentos agropecuários conectados era de 75 mil. No balanço mais recente, o número cresceu 1.790,1%. Com isso, aumenta também a oferta de soluções que facilitam a vida do produtor. Denis do Nascimento Soares, 21 anos, estudante de Engenharia de Produção, faz parte de uma startup que apostou no agro como nicho de mercado. A Elysios Agricultura Inteligente se propõe a criar soluções especialmente para os pequenos produtores.
Composta por seis sócios fundadores e cinco sócios investidores, a startup nasceu há dois anos a partir da necessidade empírica de ter no campo tecnologias que facilitem o cultivo. "Dois dos sócios estavam na região de Taquara e queriam plantar tomate. Foram procurando tecnologias que atendessem esse tipo de cultivo em estufa e não viram soluções acessíveis e modulares. Junto com cooperativas e com produtores, fomos entendendo a real dor de cabeça do produtor e vimos que tinha um mercado muito grande em crescimento, mas que não tem soluções que atendam o agricultor familiar", pondera.
Incubada na Ufrgs, a startup tem dois braços de atuação. O primeiro é voltado para controle, automação e sensoriamento de pequenas propriedades.
"São sensores que coletam informações em tempo real e auxiliam o produtor na tomada de decisão", explica Denis. Outro benefício do sistema é a economia de insumos e de tempo de trabalho. "Parte do que se investe no nosso sistema é o que se economiza, deixando de aplicar sem precisão." O segundo é focado para cooperativas e associações. "Ele integra os produtores recebendo informações de controle de pragas, doenças, aplicações para que as cooperativas tenham rastreabilidade do cultivo do produtor."
Além disso, o sistema pode ser um recurso para as integradoras avaliarem individualmente o desempenho de cada produtor rural. "Para o produtor individual, o sistema auxilia no controle financeiro, de tarefas, de atividades. As cooperativas usam muito esse tipo de informação até para conseguir agregar mais valor para o produtor naquilo que ele está fornecendo. Muitas vezes. o produtor que coleta informações mais precisas, faz as práticas corretas, recebe o mesmo tipo de pagamento que o produtor que faz de qualquer jeito. Então, isso também possibilita que ele ganhe mais competitividade no produto", acredita. 
Com 391 produtores e 16 integradoras usando o sistema, além de duas estufas em funcionamento com automação e sensoriamento, a startup já conta com nomes fortes da produção do Estado, como as vinícolas Garibaldi e Aurora. O custo para implementação da tecnologia é definido de acordo com a necessidade do produtor. "Dependendo do produto, às vezes, ele precisa só de um software ou de uma solução completa."
"Estamos atentos para não chegar na propriedade com um serviço que ele não pode pagar", fala Denis, sobre o foco no pequeno.

O incentivo dos pais como impulso para a permanência

Trabalhar no campo, ajudando os pais, é uma memória de infância para muitos jovens que hoje estão à frente dos negócios da família. Ruana Rojahn, 20 anos, não recorda quando começou a ajudar a tocar a agroindústria Embutidos Rojahn, de Sapiranga. "Sempre estava lá fazendo alguma coisinha, nem que fosse para amarrar um saquinho", conta. Hoje, ela e o irmão, de 18 anos, tocam o negócio junto com os pais. Essa composição, no entanto, nem sempre foi o sonho de Ruana.
"Cheguei a fazer cursinho pré-vestibular para tentar Medicina na universidade federal, fiquei um ano estudando e depois voltei para casa." Mas, ao contrário de alguns adolescentes que seguem caminhos distintos, ela voltou para o campo e hoje enxerga ali o seu futuro. "Muitos deixam o campo porque não têm incentivo. Minha mãe nos incentiva demais, quer que isso aconteça."
Na produção, a jovem faz de tudo um pouco. Ajuda a fazer as linguiças, as massas e os temperos. Ela acredita que, junto com o irmão, agrega conhecimento adquirido em oportunidades que os pais não tiveram. "Minha mãe é uma pessoa nova, mas ela estudou muito pouco. Não tem conhecimento sobre algumas coisas, então nós ajudamos." A produção de embutidos, que chega a 600 quilos por semana, é vendida em uma feira que acontece nas quartas-feiras e aos sábados em Sapiranga. Os produtos são vendidos por quilo e custam, em média, R$ 10,00. Neste ano, a agroindústria participou de sua primeira Expointer, sonho concretizado graças à presença dos jovens. "Agora conseguimos nos organizar para participar porque meu irmão dá conta de ajudar os meus pais e eu posso vir sozinha."
Sobre o futuro no campo, Ruana quer estar sempre à frente da produção para manter a qualidade dos embutidos vendidos pela família há 19 anos. O desejo de ser médica foi substituído pelo interesse de ingressar no curso de Engenharia de Alimentos. "Por enquanto é todo mundo junto para tentar crescer mais e vender para outras cidades."

Emater oferece capacitações no Interior

Preocupada em profissionalizar o jovem do campo, a Emater-RS lançou o curso de empreendedorismo rural, iniciado como piloto em 2018 no centro de treinamento de Canguçu, cidade gaúcha conhecida pelo grande número de propriedades de agricultura familiar. Neste ano, o projeto começou a operar também nas unidades de Erechim e Montenegro. Clarice Bock, responsável pela juventude rural da Emater, explica que o curso busca instruir jovens que já têm interesse em dar continuidade aos negócios familiares.
"Quem mais busca o curso são os jovens que têm algum interesse por ficar no meio rural. E também quem quer se capacitar, porque se está capacitado e entende a importância de permanecer no meio rural, vai querer cada vez mais se especializar e ficar na sua propriedade."
O curso pode ter de seis a oito módulos com duração de três dias por mês. Depois desse período, a Emater segue acompanhando a atividade dos jovens dentro das propriedades familiares. "Em 2018, tivemos 27 jovens e, neste ano, estamos com uma média de 25 jovens em cada curso." Em 2020, o curso deve estar disponível em todas as regionais da Emater. Talita Vargas, 20 anos, começou em junho na unidade de Montenegro para ajudar na implantação do trabalho da família no campo. "Estou voltando da cidade para a agricultura. Meus pais se aposentaram e decidiram retornar para o campo. Sou técnica em Agropecuária e quis acompanhar, porque é uma área que queria seguir." Gildriane Avila, 20 anos, também viu no curso de empreendedorismo rural uma maneira de profissionalizar a sua atuação no campo. "Meu intuito é a busca de uma vida mais sustentável. Sou técnica em Meio Ambiente, então procurei esse lado. No início desse ano, dei início a um projeto de agro floresta onde eu moro", conta. 
Trabalhando diretamente com os jovens do meio rural, Clarice percebe uma mudança na maneira como a geração encara o trabalho no campo. "Existe uma valorização da agricultura. É muito importante o diálogo nas famílias para que o jovem decida permanecer no campo. Tem que partir dos pais também essa vontade que os filhos permaneçam e ter diálogo para que isso aconteça."
A seriedade como a profissão é vista acarreta na busca por mais capacitação, acredita Clarice.
"Os jovens estão se qualificando cada vez mais. Nos cursos temos gente fazendo Veterinária, Agronomia, Administração, cursos técnicos. Porque hoje, para ser um agricultor, tu não podes ser um mero agricultor, tem que ser um profissional daquela atividade que tu realizas. Temos muitas pessoas da cidade que estão saindo da cidade porque querem ser agricultores. Só vai ficar no meio rural quem quer e gosta dessa atividade."