Como está a vida de quem deixou o país vizinho

Venezuelanos encontram no empreendedorismo um motivo para recomeçar no Brasil


Como está a vida de quem deixou o país vizinho

Assim como outros venezuelanos, a vida de Oscar Valera virou de ponta cabeça recentemente. Ele presenciou seu País entrando em uma profunda crise econômica, e isso o afetou diretamente. No Brasil, a história, que poderia ser de tristeza, está sendo reescrita através do empreendedorismo.
Assim como outros venezuelanos, a vida de Oscar Valera virou de ponta cabeça recentemente. Ele presenciou seu País entrando em uma profunda crise econômica, e isso o afetou diretamente. No Brasil, a história, que poderia ser de tristeza, está sendo reescrita através do empreendedorismo.
Na Venezuela, Oscar trabalhou em uma indústria de tintas até perder o emprego e virar motorista de aplicativo - tarefa que deixou para trás após um assalto, em 2017. O episódio serviu como um sinal para que planejasse sair da região. Juntaram-se a ele a esposa, Luisana, também desempregada, e a filha Sofia, 17, de um relacionamento anterior. O trio atravessou a fronteira com o Brasil em agosto deste ano e chegou a Gravataí. Mas as coisas não saíram conforme o esperado.
Quem os vê hoje sorridentes vendendo tequeños (espécie de enroladinhos) e outras guloseimas pelas ruas da cidade da Região Metropolitana não imagina o que os três passaram. "Gostaríamos que a nossa história ajudasse as pessoas a seguirem seus sonhos", expõe Oscar.
No início, o casal acreditava que, pela capacitação profissional, conseguiria entrar no mercado de trabalho logo após a chegada ao Rio Grande do Sul. "Distribuímos currículos em todas as portarias de indústrias em Gravataí, lojas, sites de busca de emprego. E não recebemos resposta", conta Luisana. Até mesmo Sofia, que desejava se encaixar no Programa Menor Aprendiz, ficou impossibilitada. "Para aplicar, preciso estar estudando. O ano escolar na Venezuela termina em julho, por isso só começo a frequentar as aulas em fevereiro", explica a adolescente.
Com dinheiro contado, já que haviam usado quase toda a economia para sobreviver no país natal, providenciaram a mudança e rasparam o restante para pagar seis meses de caução do aluguel brasileiro. "Começamos a avaliar outras possibilidades e tivemos a ideia de fazer alguma coisa para vender. Algo que não fosse conhecido e que não tivesse aqui, que chamasse a atenção", afirma Luisana.
Assista a entrevista:
A família teve outro problema: encontrar ingredientes para a base da massa de seu quitute típico. "Provamos todos os queijos brasileiros e nenhum ficou com uma textura agradável na receita", diz Luisana. A solução chegou quando descobriram um conterrâneo que faz queijos venezuelanos. Foi a luz.
Produto definido, veio a decisão sobre o nome do negócio. Ao se depararem com várias kombis por aqui, lembraram de uma brincadeira da Venezuela. Eles se estapeavam quando viam um dos modelos na rua. Juntaram, então, "teque", de tequeño, com "kombi". Ficou Teque Kombi.
Pela manhã, de segunda a sábado, produzem os tequeños e à tarde saem a vendê-los porta a porta nos comércios do Centro da cidade. Além disso, participam da quarta edição do projeto Social Kombi (na rua Ernesto Fonseca, nº 42), que vai até o dia 23 de dezembro.
Oscar Valera/Arquivo Pessoal/JC
"Iniciamos com uma pequena quantidade, mas as pessoas provaram e gostaram de imediato", comemora Luisana. A caixa com cinco unidades custa R$ 10,00, e os recheios podem ser de queijo, queijo com linguiça, queijo com goiabada e chocolate.
A equipe trabalha com encomendas e incorpora, ainda, a produção de donuts. Embora estejam colhendo bons frutos, ainda há questões a serem resolvidas. Sofia sofre com a falta da mãe, que ficou na Venezuela. Outra tristeza dos Valera é a saudade dos pequenos José Daniel, de dois anos, e Diego Andrés, de nove, filhos de Luisana e Oscar que estão na Colômbia, com os avós maternos. "Deixamos eles antes de virmos para cá. Não sabíamos bem o que íamos encontrar e não achamos bom arriscar com eles junto", acrescenta o pai, que pretende trazê-los quando a Teque Kombi estiver estabilizada. "Amamos o seu País e o seu povo", alegra-se Oscar.
Para o futuro, além de adquirir um clássico da Volkswagen, o objetivo é elaborar um plano de franquia.
Oscar Valera/Arquivo Pessoal/JC
 
 

O sustento que vem doqueijo artesanal

A situação na Venezuela motivou a vinda de outras duas famílias ao Brasil, que também se descobriram empreendendo no ramo alimentício. Ambas produzem queijo.
Mauricio Arango (na foto abaixo) era comerciante na terra natal. Aos 47 anos, chegou em janeiro a Gravataí, com quatro filhos. Eles optaram pela cidade por recomendação da irmã dele, que mora no Brasil há cinco anos.
O agora empreendedor conheceu a dona de uma fazenda que vende leite e começou a fazer queijos típicos venezuelanos e brasileiros. Ele garante que tem uma grande demanda (fornece, inclusive, para Oscar - da matéria anterior). "As pessoas vêm até a minha casa procurar. Me ajudam muito", comemora. A renda que ganha, segundo o imigrante, é suficiente para se manter com cautela.
"Sou muito agradecido por estar aqui. Os brasileiros são muitos solidários", reconhece.
Juan Barrios (na foto acima, de preto), 22, por sua vez, era sócio de uma empresa de publicidade. Ele e mais três irmãos moram em São Leopoldo. Cada um era especialista em uma área diferente. Resolveram empreender para terem algo próprio que gere dinheiro para os demais familiares. Tal como Mauricio, Juan celebra o nível das vendas, mas pontua que está realizando mudanças e testes para obter o certificado de empresa. "Para isso, precisamos modificar a fabricação, entre outras coisas", explica. Para complementar o faturamento, criaram o Shakaro & Food, um restaurante com pratos apenas por tele-entrega, que custam a partir de R$ 12,50. Juan alega que estuda permanecer no Brasil, mas que isso dependerá do sucesso ou do fracasso do próximo governo. Voltar para a Venezuela? Só quando for como antes.

Governo federal oferece auxílio

De acordo com dados da Casa Civil, o processo de interiorização do governo federal já deslocou, de abril ao dia 23 de novembro, 3.184 imigrantes de Roraima para outros estados. A articulação envolve 16 órgãos federais e diversas agências da Organização das Nações Unidas (ONU). Desse total, o Rio Grande do Sul recebeu 734 imigrantes, sendo 80 em Cachoeirinha; 309 em Canoas; 52 em Chapada; e 70 em Porto Alegre. O processo auxilia os venezuelanos a saírem de Boa Vista e outras cidades de Roraima, como Pacaraima (na fronteira), e buscarem oportunidades em outras localidades. Segundo o órgão, os imigrantes que viajam com a ajuda do governo e da ONU são vacinados, instruídos sobre o local de destino e regularizados, recebendo carteira de trabalho e CPF.