Chega de esconder suas dores: falhar é a coisa mais natural do mundo, dentro ou fora dos negócios

Como a imagem do sucesso no empreendedorismo pode prejudicar a sua saúde mental


Chega de esconder suas dores: falhar é a coisa mais natural do mundo, dentro ou fora dos negócios

"A famosa história de sucesso é muito boa para inspirar. Mas, para ensinar, ela é terrível, porque você não conseguirá replicar o sucesso de outra pessoa", argumenta Flávio Steffens, 38 anos. Aos 32, ele conheceu de perto os efeitos de se apaixonar por uma ideia de negócio e levá-la até (quase) as últimas consequências. Flávio ficou tão cego de amores por seu novo projeto que não conseguiu ver alguns sinais importantes pelo caminho. E dedicou R$ 50 mil do próprio bolso a desenvolver uma ideia que, ao final, deu errado.
"A famosa história de sucesso é muito boa para inspirar. Mas, para ensinar, ela é terrível, porque você não conseguirá replicar o sucesso de outra pessoa", argumenta Flávio Steffens, 38 anos. Aos 32, ele conheceu de perto os efeitos de se apaixonar por uma ideia de negócio e levá-la até (quase) as últimas consequências. Flávio ficou tão cego de amores por seu novo projeto que não conseguiu ver alguns sinais importantes pelo caminho. E dedicou R$ 50 mil do próprio bolso a desenvolver uma ideia que, ao final, deu errado.
Exploramos a história de Flávio para encontrar alguns dos motivos que o levaram - e levam muita gente - ao fracasso nos negócios, algo tão temido quanto comum na vida de qualquer pessoa que empreende. A primeira coisa que você precisa saber é: não importa o quanto você se dedique e estude, em algum momento, você vai errar.
Flávio, que é formado em Sistemas de Informação, abriu a Woompa em 2010 com o objetivo de lançar um produto de criação de sites para venda de imóveis, voltado para o mercado de construção civil. "Um ano de preparação. Quando a gente lançou, foi um fracasso completo."
Então surge o desespero de não saber para onde correr. "Se vai manter a empresa ou desistir de tudo, o que fazer para pagar as contas. Toda motivação que tu tinhas vai pelo ralo. Fica sem vontade de fazer nada, meio depressivo mesmo", narra ele, à época, com dois funcionários. A crise emocional só não teve um impacto maior porque a ansiedade já era uma característica que vinha trabalhando em terapia há mais tempo. Mas alerta: "No momento do fracasso, isso pode vir com tudo".
A dica dele é tentar reduzir ao máximo o tempo prévio ao lançamento de um produto, para perceber, o quanto antes, os ajustes que só aparecem na prática. A virada da empresa chegou com uma ideia desenvolvida em 45 dias. "Perder 45 dias é diferente de perder um ano inteiro", exemplifica. O período de estagnação após a queda durou dois anos, muitas vezes pegando trabalhos baratos para pagar as contas e sem obter lucro.
Neste meio tempo, Flávio descobriu a FailCon, evento criado em São Francisco (EUA) que evidencia as histórias frustradas dos empreendedores, a fim de dar o exemplo, trazer o assunto à tona e evitar que outros repitam os mesmos erros. Ele e o parceiro Rafael Chanin conseguiram licenciar a marca, trazer a FailCon para o Brasil e espalhar a palavra de que a inovação é inerente ao fracasso. "Saber que vai errar ajuda a pessoa conscientemente a lidar com isso quando acontecer."
O céu voltou a ficar azul em 2012, com o lançamento do Bicharia, crowdfunding voltado para a causa animal. "No terceiro mês, a plataforma estava se sustentando sozinha e praticamente sustentando a empresa. "A gente nem acreditou." O Bicharia foi comprado pelo Vakinha Online, e Flávio virou sócio da empresa, na função de Diretor de Relacionamento. Estar entre cinco sócios também possibilitou outra coisa na vida do empreendedor: tirar férias sem culpa.

Você não é uma pessoa ruim se sua empresa vai mal

Doutor em Psicologia do Esporte pela Universitat Autònoma de Barcelona (UBA), nos últimos três anos, o psicólogo Maurício Pinto Marques, 36, passou a receber muitas demandas referentes ao mundo dos negócios no consultório. A especulação é que empreendedores, empresários e funcionários insatisfeitos têm motivos que não são assim tão diferentes aos dos esportistas na terapia: querem entregar uma boa performance, precisam dos resultados, vivem sob pressão.
O sofrimento começa, segundo ele, quando empreendedores não conseguem cumprir metas nos prazos que imaginavam. "Geralmente, o estresse está ligado ao resultado que a pessoa não está atingindo", diz. Isso gera uma cadeia de comportamentos que não contribuem para a qualidade de vida e acabam alimentando a bola de neve de uma precária saúde mental, baixa autoestima e desequilíbrio. "Do estresse surge a irritação, aí passam a comer mal, durante o dia está no trabalho pensando que dormiu pouco, à noite não consegue dormir pensando que não rendeu. É um ciclo", afirma. E, às vezes, os resultados dos negócios passam a corresponder "na medida do quanto você se considera bom enquanto pessoa". Ou seja, se os negócios vão mal, a bad trip se instaura.
"Um pensamento comum é que, se a empresa não vai bem, quer dizer que sou uma pessoa ruim, inapto, burro. Não é assim. É preciso dissociar a pessoa disso", entende.
Esse pacote completo é típico das situações de burn-out, que, de um lado, se expressa em ansiedade, dificuldade de dormir e de se concentrar, irritabilidade e distúrbios alimentares, fatores que podem desencadear crises de pânico. De outro, depressão, melancolia e isolamento.
O perfil de clientes empreendedores de Maurício é majoritariamente formado por jovens de 25 a 30 anos, "e que, normalmente, não têm metas claras", observa. Um agravante é o sofrimento gerado pela comparação social, bastante alimentada pelo Instagram e Facebook. "Vai se criando um estereótipo bem norte-americano do empreendedor todo-poderoso. Como se empreender fosse para todo mundo. E não é, nem todo mundo tem esse perfil. É preciso se conhecer."
No campo das sugestões de hábitos que podem auxiliar empreendedores a terem experiências melhores, Maurício indica compartilhar os problemas com a rede de amigos e familiares, organização e pausa. Parar e escrever, por exemplo, quais são as prioridades, as possibilidades a curto prazo, os medos. "Justamente para pensar no presente e evitar pensamentos catastróficos", analisa.
 

Sem síndrome de super-heróis

O sucesso também pode ser bastante opressor. O que é ter sucesso para você?

Um dos estigmas do mundo do empreendedorismo é o estereótipo de super-herói atribuído a quem empreende. "Se você vir as revistas e publicações de empreendedorismo e negócios, as capas são sempre daquela pessoa poderosa, que conseguiu. E você acha que vai conseguir também, porque você é inteligente e capaz. Uma história assim é muito mais vendável", afirma Flávio Steffens. A diferença é que, na prática, essa mesma história está recheada de percalços, comuns a qualquer experiência de vida. Separamos algumas frases e dicas do psicólogo Maurício Pinto Marques para te ajudar a desconstruir esta imagem.
"As pessoas não falam muito sobre seus fracassos, e isso gera imagens de Super-Homem e Mulher Maravilha no mundo dos negócios. Existe um longo caminho a ser percorrido no sentido de mostrar suas fraquezas."
"O sucesso também pode ser bastante opressor. E extremamente solitário. Existem muitos depoimentos de pessoas que chegaram no topo e estão sozinhas lá em cima."
Sobretudo, é preciso entender que o sucesso é relativo para cada um. "Tente identificar qual é o seu desejo e o que você precisa, antes de se encaixar no que acha que deveria desejar."
Tente fazer uma coisa de cada vez, ver onde estão suas fortalezas e dificuldades.
O psicólogo salienta a importância de comemorar as pequenas vitórias: "São elas que vão ajudar a construir as grandes".