O que uma jornalista e uma astronauta negras têm a ensinar sobre empreendedorismo. Glória Maria e Yvonne Cagle foram as principais palestrantes do RD Summit, na semana passada, em Florianópolis

Acreditar em si é correr riscos


O que uma jornalista e uma astronauta negras têm a ensinar sobre empreendedorismo. Glória Maria e Yvonne Cagle foram as principais palestrantes do RD Summit, na semana passada, em Florianópolis

Uma das jornalistas mais conhecidas no Brasil, Glória Maria nem pensa em se aposentar. Com energia de sobra, ela aparece na televisão pulando de bungee jump, fazendo travessias no ar entre um balão e outro a 1 mil metros de altura, fumando uma erva forte na Jamaica, entre várias outras aventuras. Todas essas experiências e "riscos", segundo ela, a mantêm jovem.
Uma das jornalistas mais conhecidas no Brasil, Glória Maria nem pensa em se aposentar. Com energia de sobra, ela aparece na televisão pulando de bungee jump, fazendo travessias no ar entre um balão e outro a 1 mil metros de altura, fumando uma erva forte na Jamaica, entre várias outras aventuras. Todas essas experiências e "riscos", segundo ela, a mantêm jovem.
Glória foi uma das atrações do RD Summit, promovido na semana passada em Florianópolis pela empresa de marketing digital Resultados Digitais. O evento contou com a participação de cerca de 12 mil empreendedores.
De família pobre, Glória fala sobre a arte de se reinventar. Ela conta que, por ser mulher e negra, teve de enfrentar preconceitos ao longo da carreira. A coragem, no entanto, foi o que a fez seguir em frente e se tornar uma das profissionais mais admiradas da TV, devido ao número de viagens que acumula e compartilha na telinha. 
No início da carreira, Glória teve uma missão e tanto. Precisou entrevistar o cantor Freddie Mercury, da banda Queen. Mas havia um problema: não sabia falar inglês. No telão do Centrosul, ela reprisa a entrevista e dá risadas do episódio que classifica como um "mico" e um divisor de águas. Se tivesse hesitado por conta do idioma, talvez não estivesse naquele palco hoje. Agora, ela fala francês, espanhol, italiano e, claro, inglês.
Por muito tempo, Glória apresentou um dos principais programas da Rede Globo, o Fantástico. Até que a rotina a fez cansar. O jeito foi pedir um afastamento, de dois anos. Ela queria tocar projetos pessoais, se reencontrar. "Quando você supera um obstáculo, tem que tentar ir mais além", diz. Depois desse período, voltou à emissora no programa Globo Repórter, espaço que a permite fazer o que realmente ama, que são as reportagens e descobertas ao redor do mundo.
"A gente fala em se reinventar como se houvesse receita, bula de remédio. Faz assim, soma dois mais dois, tudo dá certo e funciona. Não é assim. Reinvenção é você ter a capacidade de viver cada dia, de você se olhar e saber quem você é, o que você quer e aonde quer chegar, mesmo que isso tudo mude a cada momento. É não ter medo de ser você", entende. "A vida é cheia de encruzilhada, e a gente tem que ir em frente", continua, durante a apresentação que revela uma Glória divertida e os bastidores de seus memes.
Os aprendizados de suas andanças pelo planeta refletem na forma de encarar os desafios que encontra. Na Índia, por exemplo, compreendeu que um dos preceitos budistas sugere que para se atingir um objetivo é preciso caminhar, um passo depois do outro, curtir o caminho e não apenas a chegada.
E por que a preocupação de não deixar a velhice se estabelecer? Porque, para a jornalista, tudo pode quando você é jovem. "Depois que você fica 'adolescente' as coisas mudam, você começa a ter barreiras, medos, preconceitos", comenta.
As dificuldades, aliás, nunca paralisaram Glória. Os obstáculos existem para que o ser humano pense em soluções. "O grande problema, de todos nós, é ficar com uma coisa na cabeça e não ir adiante. Pegamos o problema como se fosse a coisa mais preciosa da vida e demoramos a entender que o importante é a solução. A partir da solução é que vem o passo à frente."
E tem, ainda, um segredo dessa juventude constante, revelado durante a conferência. Glória conheceu, na Colômbia, uma lama "milagrosa" para a pele. Se funciona ou não, o importante é acreditar. A fé, seja no que for, encoraja.

Do impossível ao possível

"Mas quem nunca sonhou um dia em ser astronauta?", responde Yvonne Cagle, numa sessão privada para parceiros da Resultados Digitais durante o RD Summit, ao ser questionada sobre como chegou até a Nasa, onde trabalha desde 1996. No dia anterior, sua palestra havia sido o ponto alto do evento.
A grande diferença é que ela levou o sonho adiante, estudou muito e acreditou no impossível. Após 15 anos de atuação como cirurgiã de voo da Força Aérea estadunidense, Yvonne permanecia com o sonho de voar ainda mais alto.
Hoje, ela é pesquisadora clínica aeroespacial da Nasa e se prepara para a próxima expedição a Marte, que chegará ao planeta vermelho fazendo o trajeto até a lua.
"Vamos para Marte! Vamos para a lua de novo!", exclamou duplamente, para a audiência em Santa Catarina. A afirmativa mais parece roteiro de filme, mas Yvonne está falando muito sério, tanto sobre planetas quanto sobre alcançar os próprios sonhos.
"Por que não mandar apenas robôs para o espaço? Porque apenas seres humanos sabem aprender a aprender, apenas seres humanos têm inspiração; apenas seres humanos têm o poder de se importar."
Alguns participantes tiveram a oportunidade de ouvi-la em dois momentos, durante a palestra e na sessão exclusiva.
Para o grande público, Yvonne conta que alcançar objetivos deste tamanho causou nela a revisão da perspectiva do impossível. Ela diz preferir o I'm Possible (do inglês, "eu sou possível') ao impossible. Enquanto mostrava sua mais nova invenção - uma roupa para ser usada no espaço, que influencia a resiliência do corpo na recuperação de lesões -, sua narrativa viajava pela infância.
NASA/DIVULGAÇÃO/JC
Yvonne Cagle é pesquisadora aeroespacial na Nasa, onde trabalha desde 1996 | Foto: Nasa/Divulgação/JC
Fatos como a chegada do homem à lua, em 1969 (quando tinha 10 anos), e subir no topo de árvores para observar o céu durante brincadeiras de esconde-esconde mostraram a ela o caminho que queria seguir na vida. Quem ousaria sonhar que aquela garotinha iria alcançar o espaço e tantos outros feitos?
Após repetir essa questão insistentemente e de diversas maneiras, como quem sabe conduzir a plateia, Yvonne responde à própria pergunta levantando uma das mãos: ela mesma.
Na sessão privada, por sua vez, foi o momento de falar de temas tão ricos quanto fugidios ao storytelling oficial, como o convívio com a "síndrome de impostor" e o que representa ser uma mulher negra referência no mundo da ciência e da tecnologia.
Ela explicou sobre a importância de seu irmão mais novo insistir em dizê-la que era boa o suficiente no passado, e entender seu papel inspiracional na vida de outras pessoas como aquilo que aniquila a conversa diária que ela tem com o impostor interno. Conhecer o peso do seu exemplo para impulsionar os outros dá forças para continuar.
"Agora eu sonho para que outros garotinhos e garotinhas ousem sonhar", diz.
A mensagem final de Yvonne para a audiência do RD Summit foi que as possibilidades são infinitas, e que é nisso que devemos acreditar. "Quando pensar que seus problemas são complicados, pense como será difícil chegar à Marte, e de repente eles não serão tão difíceis assim."
E isso pode acontecer mais cedo do que se imagina. Segundo Yvonne, a previsão é de que o ser humano volte ao solo lunar em 2024 e ao planeta vizinho, em menos de 20 anos.