Especialistas na área constitucional questionam prisão de homem via Lei de Segurança Nacional

Mineiro foi preso por tweet supostamente ameaçando o presidente

Por Vinicius Alves

PM de Minas entendeu tweet como incitação à prática de crimes
Em meio a uma visita do presidente da República Jair Bolsonaro a Uberlândia no início de março, João Reginaldo da Silva Júnior, de 24 anos, foi preso em flagrante após fazer um tweet em que citava a ida do presidente à cidade. "Gente, Bolsonaro em Udia (Uberlândia) amanhã (...) Alguém fecha virar herói nacional?", dizia a publicação. A prisão ocorreu na véspera da chegada e apenas algumas horas após a postagem.
A identificação da mensagem foi realizada pelo serviço de inteligência da Polícia Militar de Minas Gerais, que entendeu que o jovem estaria fazendo propaganda e incitação à prática de crimes contra a integridade física do presidente.
Ele teve sua prisão em flagrante lavrada pela Polícia Federal e sua conduta enquadrada em artigos da Lei de Segurança Nacional - Lei nº 7.170/1983. Às 18h de 4 de março, depois de Bolsonaro deixar a cidade, Silva Júnior deixou o Presídio Uberlândia I em liberdade provisória. 
Em nota, a defesa do jovem disse entender que a prisão foi uma medida indevida, desnecessária e desproporcional. Após ser solto, o mineiro deixou uma mensagem no Twitter prestando esclarecimentos: "Gostaria de deixar claro que meu tweet teve tom de humor e não de ameaça ou incitação de ódio. Sou uma pessoa anônima com poucos seguidores e pouco alcance, então, de forma alguma esperava incitar ódio das pessoas com o meu tweet, só tinha feito como brincadeira entre os meus seguidores, que, até o momento, eram apenas amigos próximos".

Lei criada antes da Constituição gera controvérsias

A Lei de Segurança Nacional (LSN) define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelecendo seu processo e julgamento. Ela foi criada em 1983, antes mesmo da Constituição Federal de 1988 num período de ditadura militar no Brasil. Pouco utilizada após a redemocratização do país, a legislação voltou a ganhar destaque dado aos últimos acontecimentos, como a prisão do jovem mineiro e a do Deputado Estadual do Rio de Janeiro Daniel Silveira (PSL-RJ).
Para o professor universitário e doutor em Direito Constitucional Guilherme Amorim, a LSN é uma lei inadequada para os tempos atuais. "Ela foi elaborada em 1983, no final do período ditatorial, em um outro contexto político constitucional. Seria muito importante para a defesa da nossa atual constituição e das nossas instituições republicanas que tivéssemos uma lei que não fosse uma lei de segurança nacional, mas sim uma lei de defesa das instituições democráticas", destaca.
O professor substituto do Departamento de Direito Público e Filosofia do Direito da Ufrgs Lúcio Antônio Machado diz concordar com a abertura do procedimento investigatório após o tweet de João da Silva Júnior, mas não com o enquadramento da conduta nos artigos da LSN. "Não concordo em como ele foi responsabilizado. Nesse caso, há uma arbitrariedade do poder, sobretudo na tese fraca do flagrante delito".
A questão técnica da prisão em flagrante também levantou debate. Para o advogado criminalista Ademar Aparecido da Costa Filho, não há como sustentar que se tenha uma prisão desse modo a partir de uma postagem em rede social e que o tempo entre a publicação, os comentários e a prisão não configurariam um flagrante.
O advogado criminalista e professor da Escola de Direito da Pucrs, Guilherme Abrão avalia como exagerada a prisão nesse caso específico, e que embora o jovem mineiro tenha proferido palavras ofensivas ao presidente, a sua ameaça via rede social não teria a mínima chance de se concretizar. "Nesse caso a liberdade de expressão deve ser preservada, sem prejuízo de que o autor da ofensa ou ameaça venha a ser responsabilizado civil e/ou criminalmente. Contudo, por outro lado, o exercício dessas garantias não significa também que se pode sair por aí ofendendo quem quer que seja e incitando a violência. É preciso um equilíbrio, tanto no exercício da liberdade de expressão, quanto na utilização do Direito Penal para repressão de condutas que extrapolem o respeito e a civilidade", explica.
Atualmente estão em tramitação no Congresso Nacional cerca de 37 projetos de lei relacionados à LSN. Entre eles o PL 3.864/2020, que institui a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito - dentre seus objetivos está a revogação da LSN.