Covid-19 mata mais que zika, dengue, chikungunya, H1N1 e sarampo somados

Coronavírus matou 4.543 pessoas enquanto cinco doenças virais causaram 1.688 óbitos

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Com grande subnotificação, incidência e letalidade mostram cenário distorcido da realidade
O primeiro caso de coronavírus registrado no Brasil foi no dia 26 de fevereiro. Passados dois meses, a Covid-19 já matou 4.543. O número 2,7 vezes maior do que a soma das mortes causadas por dengue, chikungunya, zika, sarampo e gripe H1N1 em 2019. As cinco doenças virais causaram 1.688 óbitos no decorrer dos 12 meses do ano passado.
A diferença pode ser maior. O Ministério da Saúde admite que o número oficial de mortes causadas pelo coronavírus é inferior ao real, pela subnotificação da doença - faltam testes rápidos e de insumos e estrutura laboratorial para os exames RT-PCR, que detectam a presença do vírus - e porque há grande quantidade de testes represados, ainda não analisados, ou mortes por causas respiratórias que ainda não tiveram investigação concluída.
Conforme boletim do Ministério da Saúde, entre as semanas epidemiológicas 8 e 16 - período entre os dias 16 de fevereiro e 18 de abril -, havia 3.843 mortes por Síndrome Respiratório Aguda Grave (SRAG) ainda em investigação. Outras 2.771 mortes foram identificadas como causadas por "SRAG não identificadas". Se 10% desses 6.614 falecimentos se deram por Covid-19, seriam mais 661 mortes.
O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde não contém os dados finalizados sobre os óbitos de 2019. Os números do ano passado ainda são preliminares e, em algumas doenças, mostram discrepâncias em relação a 2018. Assim, as informações mais confiáveis são de 2018.
As doenças virais, porém, são exceção, uma vez que o ministério publica, periodicamente, boletins epidemiológicos sobre cada uma delas. Assim, os dados de casos e mortes causadas por dengue, chikungunya, zika, sarampo e gripe H1N1 se referem a 2019 e estão fechados.
No ano passado, foram registrados 1.544.987 casos de dengue no Brasil, com 782 mortes - letalidade de 0,05%. Transmitida por picada do mosquito Aedes aegypti, a dengue é endêmica no País (está presente em todo o território), tendo momentos epidêmicos (quando há pico de casos).
Em relação à febre chikungunya, foram notificadas 132.205 ocorrências em 2019. Um total de 92 pessoas morreram em razão da doença, resultando em uma letalidade de 0,07%. A chikungunya também é transmitida pelo Aedes, tem características de disseminação semelhantes à dengue e teve o primeiro caso no País em 2010.
O zika vírus ganhou destaque nas manchetes nos últimos quatro anos quando houve uma explosão de casos de microcefalia (má-formação congênita em que o cérebro não se desenvolve de forma adequada) relacionados à doença. No ano passado, o Ministério da Saúde registrou 10.768 casos de zika vírus no Brasil. Três mortes foram registradas - letalidade de 0,02%.
O sarampo, por sua vez, estava erradicado do Brasil desde 2016, quando o País foi considerado território livre da doença pela Organização Pan-Americana de Saúde. Entretanto, a enfermidade ressurgiu no ano passado. Ao todo, foram notificadas 18.203 ocorrências, que deixaram 15 vítimas fatais (letalidade de 0,08%). Causado por um vírus da espécie Measles morbillivirus, é altamente contagioso e transmitido quando a pessoa tosse, fala, espirra ou respira próximo de outras.
Causador da primeira pandemia do século XXI, o vírus da influenza do tipo H1N1 surgiu em 2009, no México, e causou uma doença, conhecida à época, como Gripe Suína, por ter sido identificada, inicialmente, em porcos. Em 2019 foram registrados 3.430 casos de gripe H1N1, com 796 mortes (letalidade de 23,2%). Renomeada, depois, como Gripe A, a doença tem alta taxa de letalidade, mas é menos transmissível do que o novo coronavírus - conforme a Organização Mundial de Saúde, uma pessoa com H1N1 pode infectar de 1,2 a 1,6 pessoa, enquanto esse índice é de 2,79 para a Covid-19, segundo estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. Além disso, o combate ao H1N1 tem uma arma poderosa que não existe na luta contra a Covid-19: a vacina.

Salto no número de mortes aumenta importância de desacelerar contágio

A estabilização na curva de contágio, internações e mortes, como se vê em Porto Alegre, por exemplo, traz um perigoso paradoxo. Ao mesmo tempo em que é uma boa notícia e aponta para um cenário positivo da pandemia, a melhora no cenário acaba por gerar um relaxamento nos cuidados por parte de gestores públicos e da população, podendo ocasionar um novo pico da doença.
O Brasil levou dez dias para dobrar o número de casos (de 23.430, no dia 13 de abril, para 49.492 no dia 23) e nove dias para dobrar o total de mortes (1.532 no dia 14 de abril para 3.313 no dia 23). Já o Rio Grande do Sul demorou 17 dias para dobrar a quantidade de casos (de 501, em 6 de abril, para 1.039 no dia 23). O total de mortes duplicou em 14 dias (de 14, no dia 9 de abril, para 29 no dia 23).
Os dados mostram que a pandemia no Estado avança em um ritmo mais lento do que no Brasil. Muito disso se deve ao isolamento social determinado pelo governo estadual, e pelas prefeituras, principalmente a de Porto Alegre, com a suspensão de atividades que não fossem essenciais. Em razão dos bons resultados, o governador Eduardo Leite anunciou uma mudança na política de enfrentamento do novo coronavírus, adotando, a partir de maio, o chamado distanciamento controlado. É aí que os riscos do paradoxo do achatamento da curva de contágio surgem.
Quem aponta os perigos de uma abertura no momento em que o vírus tem uma escalada no País é o reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal. É de lá a principal pesquisa, até o momento, para apontar o cenário da Covid-19 no Brasil. A primeira parte do inquérito epidemiológico apontou, por exemplo, que o número de contaminados no Estado é 15 vezes maior do que os já confirmados.
Hallal, que é doutor em Epidemiologia, defende a atual política de isolamento e diz que é preciso ter mais dados para modificá-la. Em entrevista ao Jornal do Comércio, afirmou que os resultados dos estudos são insuficientes para direcionar medidas. "Apoiamos a manutenção do distanciamento social até que novas evidências estejam disponíveis. Nossa posição não é frontalmente contrária à do governador, mas há divergências de interpretação." Para ele, a pandemia precisa ser encarada como uma maratona que exigirá medidas adequadas por um longo período.
O distanciamento controlado no Estado ainda está sendo traçado, mas deve ser segmentado regional e setorialmente em termos econômicos, com o monitoramento do risco de infecção e da capacidade de resposta do sistema de saúde. Além disso, cada região será identificada por bandeiras: verde (risco baixo), amarela (risco médio/baixo), laranja (risco médio) e vermelha (risco alto).