Venda da Refap gera incógnita no mercado

Principal interessado, Grupo Ultra também é dono da Ipiranga

Por Jefferson Klein

Complexo pode processar 208 mil barris de petróleo por dia
Após a Ultrapar Participações (grupo Ultra) ter apresentado proposta - o valor não foi divulgado - à Petrobras para adquirir a refinaria Alberto Pasqualini (Refap), o processo de privatização do complexo de Canoas entra em sua fase final.
Uma questão que gera dúvidas no setor de combustíveis é, se confirmada a negociação, como será a postura estratégica da nova controladora, já que uma das empresas do grupo é a distribuidora Ipiranga, uma das consumidoras dos combustíveis produzidos pela Refap e que concorre com outras companhias nesse segmento.
O diretor da consultoria ES-Petro, Edson Silva, considera que as possíveis consequências para o mercado de combustíveis do Rio Grande do Sul ainda são desconhecidas. A dúvida levantada pelo consultor é se o grupo Ultra terá uma relação comercial idêntica entre os seus clientes ou terá um tratamento diferenciado com a Ipiranga. A Petrobras também possui seu braço de distribuição, a BR Distribuidora, mas Silva argumenta que, em princípio, uma estatal tende a atuar de maneira mais equilibrada no mercado em relação as outras companhias participantes do que uma empresa privada, que normalmente tem uma figura mais agressiva e focada no lucro.
"A questão é como vai funcionar o monopólio privado (pelo menos regionalmente)", aponta. Ele reforça que a discussão não é se o modelo deve continuar ou não estatal, mas os possíveis desdobramentos dessa medida. O consultor reitera que é um cenário diferente quando uma companhia privada, que já tem atuação na área de distribuição, é alimentada pela sua própria refinaria e também abastece outras distribuidoras.
Silva questiona o que impedirá uma empresa privada vender seu produto ao preço que desejar. "O Estado pode fazer isso (determinar preços) com uma companhia pública, porém, com um grupo privado, ele faz o preço que for da sua conveniência", frisa. Apesar da sua preocupação, Silva diz que torce que a aquisição da Refap seja um sinal de uma abertura do mercado de combustíveis, com regras mais previsíveis.
Para o diretor da MaxiQuim Assessoria de Mercado, João Luiz Zuñeda, o aumento da participação privada na área de refino de petróleo no Brasil é algo que não tem mais volta. "Estamos deixando um capítulo para trás e vamos ter que ver o que vai acontecer", afirma. Zuñeda comenta que empresas verticalizadas (com atuação em mais de um elo da cadeia) já operam em outros países. "Por que no Brasil será diferente?", indaga.
Segundo o diretor da MaxiQuim, no cenário nacional, a dificuldade não está no modelo de privatização, o que torna o tema mais complexo é o tamanho do mercado, mais reduzido do que o norte-americano, por exemplo, que possui mais players nesse segmento. Um mercado mais maduro, conforme Zuñeda, poderia se autorregular. No caso do Brasil, o consultor diz que mecanismos como a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) podem agir para evitar que ocorram distorções.
Fato relevante sobre o negócio envolvendo a Refap, encaminhado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e assinado pelo diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Ultrapar Participações, Rodrigo de Almeida Pizzinatto, salienta que o grupo já atua na área de óleo e gás por meio da Ipiranga, Ultragaz e Ultracargo (essas duas últimas companhias envolvidas nos segmentos de GLP e de armazenagem de granéis líquidos). De acordo com o documento, "a potencial aquisição da Refap fortalecerá a posição da Ultrapar no setor, contribuindo para um portfólio de negócios mais complementar e sinérgico, com maior eficiência, potencial de geração de valor para toda a cadeia e benefícios para os consumidores".
A Refap, em 2006, passou por um projeto de ampliação e modernização industrial, aumentando sua capacidade de refino de 126 mil barris de petróleo por dia para 208 mil barris diários. Seus principais produtos são diesel, gasolina, GLP, óleo combustível, querosene de aviação, solventes (hexano, aguarrás e petrosolve), asfalto, coque, enxofre e propeno. A refinaria abastece o Rio Grande do Sul, parte de Santa Catarina e Paraná, além de atender a outros estados por cabotagem. Em relação a resultados financeiros, a Petrobras não divulga esse tipo de informação por unidades.

Empresa já possui participação em planta de refino localizada em Rio Grande

Se o grupo Ultra confirmar a compra da Refap, essa não será a primeira atividade de refino de petróleo em que a empresa estará envolvida no Estado. Quando ocorreu a venda da Ipiranga, em 2007, no fatiamento das unidades dessa companhia, Ultra, Petrobras e Braskem acabaram dividindo o controle da refinaria que a Ipiranga detinha no município de Rio Grande. Para o diretor da MaxiQuim Assessoria de Mercado, João Luiz Zuñeda, a tendência é que, concluída a aquisição da Refap, o grupo Ultra também assuma 100% do controle da refinaria na Metade Sul gaúcha.
O diretor da MaxiQuim destaca que, mesmo sendo uma planta antiga, o complexo rio-grandino tem uma importante estrutura de tancagem (tanques para armazenagem de líquidos) e está localizado ao lado do porto e poderia se ter um aproveitamento de sinergias com a Refap. Aproveitando as unidades de Canoas e de Rio Grande, o analista antecipa que o grupo Ultra poderia atender a outras regiões, como Uruguai e Argentina. Zuñeda acrescenta que os recursos da venda da Oxiteno, empresa do grupo Ultra que produz especialidades químicas e tem uma das suas fábricas situadas no Polo Petroquímico de Triunfo, podem ser utilizados para pagar a aquisição das refinarias. A Ultrapar já anunciou que está avaliando alternativas estratégicas para a Oxiteno, que "incluem potencial desinvestimento".
Sobre a atividade de refino em si, o diretor da MaxiQuim destaca que a tendência mundial é de reduzir a produção de gasolina, pois cada vez mais cresce o mercado de carros elétricos. Apesar dessa perspectiva no panorama global, Zuñeda considera que a mudança no Brasil deverá ocorrer um pouco mais tarde e os derivados de petróleo no País, como gasolina e óleo diesel, deverão ser ainda amplamente utilizados pelos próximos 15 anos. Porém, o consultor alerta que se as vendas das refinarias brasileiras atrasarem muito, a perspectiva é de que ocorra uma desvalorização desses ativos.

Sindipetro-RS ainda acredita em reversão da privatização da Refap

Apesar de se encontrar em estágio avançado, o presidente do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande Sul (Sindipetro-RS), Fernando Maia da Costa, não considera fato consumado a venda da Refap. "Como se fala no futebol: o jogo só termina quando acaba", frisa o sindicalista. Ele enfatiza que a categoria dos petroleiros tenta reverter a alienação e entende que seja possível evitar o que julga ser um dano causado à população brasileira.
No entanto, Maia admite que as dificuldades aumentaram depois da proposta apresentada pelo grupo Ultra. Mesmo assim, o dirigente pensa que a privatização pode ser interrompida, seja pelo meio judicial ou pelos órgãos de fiscalização como o Cade. Costa afirma que a venda da Refap causará prejuízos para os consumidores e para o setor de distribuição de combustíveis. Maia argumenta que em mercados monopolizados por empresas privadas existe a possibilidade de a companhia não querer fornecer os derivados de petróleo para eventuais concorrentes.
Além disso, ele ressalta que as dutovias que ligam os terminais de Canoas e do Litoral Norte e a monoboia em Tramandaí fazem parte do negócio de alienação da refinaria. Esses sistemas servem para a Refap escoar sua produção e receber petróleo, mas, nas mãos da iniciativa privada, aponta Maia, também poderia ser um obstáculo para a importação de combustíveis. "Todos viram reféns da empresa que administrará os terminais e a refinaria", adverte.
O presidente do Sindipetro-RS enfatiza que uma companhia privada não tem os compromissos que uma estatal tem com a população e consumidores. Ele argumenta que uma empresa pública pode segurar preços para não aumentar o custo final para os seus clientes e o mesmo não se verifica com a iniciativa privada. Além disso, Maia salienta que a Petrobras chegou a praticar o chamado "subsídio cruzado", ou seja, onerava alguns produtos para poder vender outros com caráter social mais importantes, como o diesel e o GLP, de forma mais barata. No entanto, ele recorda que na atual gestão do governo federal a Petrobras não tem essa prática e a iniciativa privada também não deverá adotá-la.

Revendedores não esperam grandes alterações no primeiro momento

Para o presidente do Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes no Rio Grande do Sul (Sulpetro), João Carlos Dal'Aqua, uma troca do controle da Refap, principalmente no começo, não deverá causar mudanças de maior impacto para os postos gaúchos. "A companhia que assumir terá o compromisso de atender a todas as empresas, por mais que a Ultra tenha a Ipiranga, ou seja, um canal de distribuição próprio", afirma o dirigente. Porém, futuramente, quando outras refinarias forem privatizadas, Dal'Aqua espera que aumente a concorrência no setor.
O presidente do Sulpetro destaca que se as distribuidoras tiverem acesso a produtos importados ou puderem comprar de outras fontes, o grupo Ultra precisará ser competitivo, pois o volume de produção da Refap não poderá ser destinado apenas à Ipiranga. "Não poderá haver uma diferenciação (de preços) muito grande, porque caso contrário a refinaria não venderá seu excedente", argumenta. No entanto, Dal'Aqua adverte que, pelas condições de escala e mercado, poderão ser praticados preços um pouco mais elevados para as distribuidoras que compram a curto prazo ou em menor volume. Atualmente, ele informa que a Petrobras cobra o mesmo preço para todos os compradores. "Talvez o preço não seja mais tão homogêneo", prevê.
Dal'Aqua admite que é possível que o grupo Ultra possa utilizar a sua nova "posição de força" para fazer outras aquisições ou consolidar o mercado no segmento de distribuição, mas o dirigente pensa que o Cade não deve permitir que ocorra uma concentração demasiada nessa área. O presidente do Sulpetro não descarta a possibilidade de que distribuidoras de menor porte tenham que se unir para ganhar condições mais competitivas. O Jornal do Comércio entrou em contato também com o Sindicato das Distribuidoras de Combustíveis do Rio Grande do Sul (Sindisul), entretanto, no momento, a entidade preferiu não se manifestar sobre as eventuais consequências da negociação envolvendo a Refap.

Sobre a Refap

  • Localização: Canoas (RS)
  • Início das Operações: 1968
  • Capacidade de Refino: 208 mil barris/dia
  • Volume de Petróleo Processado: 135 mil barris/dia
  • Capacidade de Armazenamento: 8.995 mil barris, sendo 3.175 de petróleo e 5.820 de derivados
  • Mix de Produtos: Diesel (49%); Gasolina (26%); GLP (7%); Asfalto (2%); Óleo Combustível (5%); Nafta (3%); Coque (2%); Querosene de avião (3%); Outros (3%)
Fontes: Petrobras, ANP e Anuário Estatístico, Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ano base 2018.