Governo do Estado quer entender destino final da Ceitec

Informação de que o governo federal pretende extinguir a estatal com fábrica em Porto Alegre causou surpresa

Por Patricia Knebel

Secretário Luis Lamb mostra preocupação com o capital intelectual
Os últimos dias têm sido de muitas conversas por telefone e troca de mensagens entre os personagens que fazem parte do ecossistema que envolve a Ceitec e a própria política de semicondutores no Brasil. A declaração dada na semana passada pela secretária especial de PPI, Martha Sellier, de que será feita uma recomendação ao presidente da República, Jair Bolsonaro, para a liquidação da Ceitec, pegou muita gente de surpresa, tanto do governo do Rio Grande do Sul quanto, segundo informações, da própria direção da empresa.
Agora, a expectativa é construir alguma linha de ação por parte do governo estadual para entender exatamente qual destino será dado para a empresa, instalada na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. "Estamos em contato com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Não sabíamos que seria tomada essa decisão nem fomos chamados a Brasília para conversar", afirma o secretário de Inovação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Luis Lamb.
Segundo ele, há uma grande preocupação em preservar o capital intelectual gerado pela empresa. "A Ceitec reúne competências e capital intelectual, produz conhecimento em áreas de uma indústria que ainda tem muito a crescer e a contribuir no Brasil. Esperamos que as competências e as atividades-fim da Ceitec, mesmo que num modelo privado, sejam muito bem avaliados e preservados no Estado", observa.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Microeletrônica (SBMicro), Nilton Itiro Morimoto, um caminho seria o governo federal fazer um edital para ofertar a fábrica ao mercado. "Ouvi rumores de que não houve interessados, mas a verdade é que o governo federal nunca disse oficialmente que a empresa estava à venda. Eu mesmo já conversei com pessoas do Brasil e de fora que têm interesse em adquirir a Ceitec", conta, destacando que seria vantajoso para Porto Alegre e para o Rio Grande do Sul manter a operação fabril aqui. O mesmo poderia ser feito com o Centro de Design.
"Simplesmente acabar com a Ceitec, porém, seria um sinal de fracasso total e um retrocesso de anos. "A extinção pura e simples é um completo descalabro. Vai matar todo esforço que a comunidade de microeletrônica brasileira fez nos últimos anos para o desenvolvimento desta indústria", alerta Morimoto.
Sem falar que vai na contramão da tendência de as nações procurarem a independência em segmentos estratégicos. Europa, Japão e Estados Unidos, por exemplo, estão criando fundos de investimentos para a atração de empresas de semicondutores para lá. "Com a pandemia da Covid-19, todos viram que não foi uma boa estar na mão da China, que concentra muitas coisas nesta área", analisa.
Outro aspecto que ele comenta é que a extinção representaria prejuízo ao governo federal. "A estimativa é que seria necessário gastar de R$ 200 milhões a R$ 250 milhões para fechar a fábrica de forma segura, já que ela usa no seu processo muitos produtos químicos perigosos", relata Morimoto, que é doutor em Microeletrônica pela Escola Politécnica da USP.
O diretor regional da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônic (Abinee), Regis Haubert, conta que por diversas ocasiões a entidade tentou alertar o MCTIC para buscar uma alternativa para a operação, já que, há tempos, o fato de ela depender muito do orçamento do governo federal incomodava diversos setores. "Uma forma seria repassar a empresa, mas nada foi feito neste sentido até agora", comenta.
Ele observa que a demora para a entrada em operação da fábrica fez com que houvesse uma defasagem tecnológica. "Isso fez com que a empresa tivesse que fazer chips de menor necessidade tecnológica e, assim, ficou lutando contra a maré, porque esse perfil de chip já e feito pela China em larga escala", analisa.
Por outro lado, houve uma grande evolução no desenvolvimento da capacidade intelectual gaúcha e brasileira na área de microeletrônica, o que levou ainda ao surgimento de operações como HT Micron e a Smart Modular TechnologiesSmart, bem como players de design house, como a Santa Maria Design House e a Chipus. "A Ceitec abriu fronteiras para outras empresas, e acredito que esse legado vá permanecer", projeta Haubert.

Transformação em OS é considerada boa opção

Apesar da apreensão sobre como exatamente será feita a liquidação da Ceitec, parte dos especialistas que acompanha esse mercado de microeletrônica e a própria Ceitec enxerga com bons olhos a transformação em uma Organização Social (OS).
"Acredito que esse modelo permitirá manter o patrimônio físico e intangível, know how técnico e comercial da empresa. É uma opção à gestão de ativos que preserva a visão estratégica de nação", avalia o professor de microeletrônica do Instituto de Informática da Ufrgs, Sergio Bampi, que acompanhou de perto e participou de vários momentos da criação da empresa.
Para ele, o governo, porém, precisa adotar uma estratégia adequada para a alta tecnologia instalada da Ceitec, visão que é compartilhada com o professor do Instituto de Informática da Ufrgs, Ricardo Reis. "Muitas indústrias nacionais não conseguem mais competir porque as suas concorrentes no exterior colocam toda a eletrônica em um chip e, assim, não vendem o chip, mas o equipamento final. Fechar ou reduzir a atuação da Ceitec é um retrocesso nas aspirações da indústria de TI no Brasil", lamenta.