Começa remoção de famílias da Vila Nazaré

Fraport fará infraestreutura em dois residenciais para os moradores, que deixam local para expansão do aeroporto

Por Patrícia Comunello

Até agora 168 famílias foram identificadas e 80 já se mudaram
As primeiras transferências de moradores da Vila Nazaré da área onde terá a ampliação da pista do Aeroporto Internacional Salgado Filho (Porto Alegre Airport), na zona norte da Capital, começam nesta sexta-feira (21). Segundo a prefeitura da Capital, quatro famílias, com integrantes que têm necessidades especiais e idosos, vão se instalar em imóveis no residencial Nosso Senhor do Bom Fim, no bairro Sarandi, não muito distante da região onde fica o sítio aeroportuário. A ampliação da pista dos atuais 2.280 metros para 3.200 metros, possibilitando a operação de aeronaves de maior porte, deve ocorrer até dezembro de 2021 previsão da concessionária.
A concessionária do aeroporto, a alemã Fraport Brasil, firmou também convênio com a prefeitura para custear obras de infraestrutura e outras instalações, como prédios comerciais, dentro da área do residencial Bom Fim e de outro que receberá famílias da Nazaré. O gasto está dentro de acordo assinado em 2018 com o município, com previsão de aporte de R$ 30 milhões para cobrir despesas além das realocações dos habitantes da vila onde terá o traçado, que é obrigação da Fraport. A empresa também repassará um vale de R$ 2 mil para cada família usar na compra de eletrodomésticos e mobiliário. O voucher, que poderá ser gasto em filiais da Loja Lebes, será entregue para quem já tiver a chave do imóvel, explicou a Fraport.
As quatro primeiras famílias fazem parte das 112 que assinaram os contratos com a Caixa na última quarta-feira. As 108 restantes dessa leva inicial farão a mudança nos próximos dias, de acordo com cronograma a ser definido pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab). O residencial, na rua Senhor do Bom Fim, 55, tem 364 imóveis, entre casas e apartamentos. As 254 unidades que faltarão ser ocupadas aguardam liberação do município, como detalhe de habite-se, e depois passarão por sorteio entre as famílias que manifestaram interesse em se mudar para o residencial, que deve ocorrer ainda em junho, diz o diretor-geral do Demhab, Mario Marchesan.
Além do Senhor do Bom Fim, outro local receberá moradores da Nazaré, onde estão hoje 1,3 mil famílias. O residencial Irmãos Maristas, no bairro Rubem Berta, também na Zona Norte da Capital, tem 1.290 unidades, mas ainda não está pronto. A obra alcançou 95% da execução e deve começar a receber moradores em agosto, diz o diretor-geral do Demhab, Mario Marchesan. "Serão 932 da Nazaré e o restante será destinado a moradores de áreas de risco da Capital", explica Marchesan.
Segundo o diretor-geral, a conclusão envolve também infraestrutura, devido a depredações e roubos nas instalações. A Fraport também está fazendo essas reparações, segundo o diretor-geral. Os danos nos dois residenciais são avaliados em R$ 5,5 milhões. Marchesan diz que a creche erguida no empreendimento Irmãos Maristas está sendo reconstruída após os danos.

Prefeito apela para que impasse não atrase remoções e obras

O prefeito da Capital, Nelson Marchezan, sugeriu, ao assinar convênio em que a Fraport custeará obras dos residenciais que receberão famílias da Vila Nazaré, que qualquer impasse com o MPF e DPU coma Fraport seja resolvido após a transferência das famílias e conclusão da ampliação da pista do aeroporto. Marchezan cogita marcar uma agenda com o MPF para mostrar o que já foi feito em habitações e impacto da ampliação. "Eventuais questões financeiras e de indenização podem ter um momento mais adequado para discutir", opinou Marchezan. 
"Quero explicar o que está acontecendo. A ampliação da pista é decisiva para o desenvolvimento do Estado e do município. Há um fator humano na remoção, as pessoas irão para uma área muito superior, sairão de uma área de risco, insalubre e insegura, onde estão sob influência do tráfico e criminalidade", argumentou o prefeito. "A diferença de qualidade de vida é incomparável", reforçou o chefe do Executivo municipal. 
Questionado sobre críticas de movimentos de moradia em relação à oferta de serviços de saúde e creche - ainda a serem montados nos residenciais -, e à forma como ocorreriam as transferências - como núcleos familiares não ficarem próximos, o prefeito ressaltou a mudança das condições para uma maior qualidade e infraestrutura. A Frente Parlamentar de Moradia Digna, presidida pela deputada estadual Luciana Genro (Psol), ouviu a preocupação sobre a separação entre as famílias. 
"As pessoas estão em uma área de risco, que inunda, é cheia de doenças que se espalham, dominada pelo tráfico e a gente vai questionar se ela mora perto ou longe do parente?", reagiu Marchezan. "Sempre que alguém quiser achar empecilho acha, né. Até em um elefante de ouro pode ser que a tromba dele não seja de ouro."
"São 1,3 mil famílias que vão morar em unidades habitacionais com água que não tem hoje, com esgoto, drenagem, ruas, praça e comércio construído. Agora se ela vai morar perto do parente ou não, acho que isso é uma coisa de segundo nível", arrematou. Mario Marchesan, diretor-geral do Demhab, diz que as pessoas escolhem as residências após o sorteio e garantiu que está sendo observado este item na alocação das famílias.

'Não podemos ser responsáveis por todos os problemas',diz concessionária

A CEO da Fraport Brasil, Andreea Pal, reforçou na quarta-feira que as obras de infraestrutura, que incluem ruas, drenagem e urbanização e edificações comerciais nos dois residenciais não são obrigação do contrato da concessão, mas admitiu que a concessionária já tinha uma reserva financeira para este tipo de despesa. Construção de creche, posto de saúde e até delegacia deve ser executada nos próximos meses e estão no acordo.
"A Fraport é uma empresa que cuida muito da parte social, mas tem de ser uma condição acertada. Nunca foi nossa intenção só pagar um caminhão (para a mudança) e recadastrar as famílias. Mas não podemos ser agora responsáveis por todos os problemas do país e do município", frisou Andreea.
A reação da CEO é explicada pelo impasse que veio à tona há duas semanas entre Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública da União (DPU) e a empresa alemã, que assumiu em janeiro de 2018 a operação do Salgado Filho com plano de investimentos de R$ 1,8 bilhão, R$ 1,2 bilhão com financiamento do Bndes. A concessão é por 25 anos. O MPF e a DPU defendem que a Fraport deve indenizar o setor público pela construção dos dois residenciais que receberão as famílias - e não só as da abrangência da ampliação da pista, mas de toda a Vila Nazaré -, incluídos no Programa Minha Casa Minha Vida. As famílias não pagarão nada pelos imóveis, e terão escritura definitiva após dez anos.
A Fraport não teve mais conversas com o MPF nas últimas semanas. Sobre eventual risco aos prazos para a ampliação da pista, Andreea disse que "temos um plano e esperamos que aconteça". "Esperamos que o MPF ou seja lá quem for não pare o serviço para a expansão da pista, que não impacte o prazo, e nem o trabalho que está sendo feito com a prefeitura e a Caixa (para a transferência)", afirmou o diretor de relações institucionais da Fraport, Leonardo Carnielle. "Ninguém está fazendo nada de errado", arrematou ele. Marchesan, do Demhab, apontou "falta de compreensão por parte do MPF". O diretor-geral comentou ainda que há grupos ligados a traficantes que "estão confundindo a cabeça de pessoas humildes", referindo-se às famílias que poderão se mudar para os residenciais.