Campo gaúcho está mais velho e concentrado

Censo Agropecuário alerta para a necessidade de medidas que estabeleçam processos de sucessão nas propriedades

Por Guilherme Daroit

Operações a produtores cooperativados devem ocorrer por meio de Crédito de Recebíveis do Agronegócio
Na última década, a agropecuária gaúcha envelheceu e viu seus estabelecimentos aumentarem de tamanho. São essas as primeiras análises tiradas do Censo Agropecuário 2017 pelo IBGE, que coletou os questionários em todo o Brasil entre o fim do ano passado e o início de 2018. Os dados preliminares ainda mostram que os gaúchos aderem cada vez mais a tecnologias no campo, e, ligado a isso, menos ocupações são criadas no setor. Os números definitivos só serão conhecidos em julho de 2019.
Desde o último Censo, o de 2006, a proporção de produtores com 65 anos ou mais no Rio Grande do Sul subiu de 17,5% para 23,1%, enquanto a parcela com 24 anos ou menos, que já era baixíssima, de 1,9%, caiu ainda mais, para 1,2%. A grande massa intermediária, dos 25 aos 64 anos de idade, baixou de 80,6% para 72,7%.
"É uma tendência que já se percebia e que o Censo comprova", comenta o coordenador técnico da pesquisa no Estado, Cláudio Sant'Anna, ressaltando a necessidade de medidas para que o problema da sucessão seja enfrentado, de forma a evitar que, no futuro breve, os idosos sejam a maioria dos produtores.
Essa situação, porém, já é realidade em diversos municípios, como Cachoeirinha (onde 75% dos produtores têm mais de 60 anos), Estância Velha (59,05%) e São João do Polêsine (58,47%). Na ponta oposta, as cidades mais jovens no campo não chegam nem perto desse percentual. Ibarama (12,48%), Hulha Negra (12,11%) e Gramado Xavier (11,87%) lideram a lista de agricultores com menos de 30 anos de idade.
Talvez também com participação das dificuldades na sucessão no campo, outro dado que chama a atenção dos pesquisadores é o processo de concentração na área. Embora sejam praticamente 91% do número total de estabelecimentos agropecuários do Estado, os estabelecimentos com menos de 100 hectares representam agora apenas 28,3% da área gaúcha, menor nível da história. Em 2006, por exemplo, eram 33,4%, patamar que se mantinha relativamente estável desde 1970. O terreno perdido foi absorvido por estabelecimentos acima de 1 mil hectares, que agora são exatamente um terço do Estado (33,3%). No último Censo, eram 27,2%.
Embora seja difícil quantificar o tamanho do impacto, os pesquisadores do IBGE argumentam que uma parcela dos resultados é fruto de mudanças metodológicas no Censo 2017. Ao contrário de 2006, por exemplo, lotes descontínuos de terra com a mesma administração passaram a ser considerados o mesmo estabelecimento agropecuário desde que estivessem dentro do mesmo município, e não mais apenas dentro do mesmo setor censitário. Além de produzir estabelecimentos maiores, a atualização na metodologia também ajudou a diminuir o número total de sítios no Estado.
Ao todo, o Censo 2017 encontrou 365.052 estabelecimentos agropecuários gaúchos, queda de 17,3% em relação aos 468.536 contados em 2006. O Estado é o quarto no País com mais sítios, (atrás de Bahia, Minas Gerais e Ceará), com participação de 7,2%. Já a área total utilizada em atividades agrícolas no Estado seguiu caminho inverso, crescendo 6,7% sobre o visto em 2006. Os quase 21,7 milhões de hectares recenseados são 6,2% da área agropecuária do País, colocando o Rio Grande do Sul na sétima colocação entre as unidades da Federação, lista liderada pelo Mato Grosso, com 54,8 milhões de hectares.
Segundo os pesquisadores, embora possa soar estranho aos ouvidos, o nome propriedade rural não é utilizado porque nem sempre os estabelecimentos são efetivamente propriedades. Há diversos estabelecimentos agropecuários que não possuem área alguma (são 898 no Estado), como produtores de mel que colocam suas caixas em meio a plantações de eucaliptos de outros agricultores, por exemplo. Há ainda porção considerável, de 15,5% dos estabelecimentos, que utilizam áreas arrendadas.
 

Sítios mais modernos e com menos gente trabalhando

Em pouco mais de uma década, desde o último Censo em 2006, o avanço da tecnologia chegou, também, às zonas rurais gaúchas. Os dados preliminares do Censo Agropecuário mostram crescimento na utilização de irrigação, maquinários, armazenagem, e mesmo no acesso à internet. "São dados que mostram a qualificação da produção agropecuária gaúcha", argumenta o coordenador operacional do Censo no Estado, Luís Eduardo Puchalski.
Um dos maiores avanços percebidos aconteceu justamente em um dos principais gargalos gaúchos, a armazenagem de grãos. Em 11 anos, a capacidade dos silos e armazéns no Rio Grande do Sul passou de 5,681 milhões de toneladas para 8,541 milhões de toneladas, crescimento em torno de 50%. Já o uso da irrigação avançou 41,2% em área entre 2006 e 2017, passando de 997 mil hectares para 1,4 milhão de hectares, a maior parte deles, pouco mais de 1,1 milhão, pelo método da inundação. O número de estabelecimentos que utilizam irrigação, entretanto, cresceu menos, 7,23%, chegando a 26.394 sítios, demonstrando que o sistema ainda possui uma penetração concentrada nos estabelecimentos de grandes dimensões.
As máquinas agrícolas também se multiplicaram no campo. O número de tratores, hoje presentes em 46% dos estabelecimentos, cresceu 48%, de 163,4 mil para 242,3 mil. Menos comuns, com presença em apenas 12,4% dos sítios, as colheitadeiras já somam 108,2 mil unidades no Estado. Caminhões (47.675 unidades, crescimento de 52,1%) e motocicletas (72.650, aumento de 49%) também ganharam o campo. A mudança mais expressiva, entretanto, é a da expansão da internet, que, em 2006, era realidade em apenas 2,3% dos estabelecimentos, hoje já alcança 41,1% dos sítios.
Em contrapartida aos avanços técnicos e tecnológicos, porém, o número de gaúchos ocupados na atividade rural é cada vez menor. Em 2017, pela primeira vez na história da pesquisa, o contingente baixou de 1 milhão, totalizando 983,7 mil pessoas. Em 2006, eram 1,2 milhão e em 1970, quase 1,9 milhão, números que mostram que o movimento de êxodo rural no Rio Grande do Sul ainda não se estabilizou. Puchalski conta, porém, que uma parte da queda tem a ver com o período do Censo, que em 2017 teve como referência o fim de setembro, e não mais o de dezembro, como vinha acontecendo. Com isso, ficaram de fora vagas temporárias das culturas da uva e da maçã, por exemplo, que ajudariam a subir o contingente.

Lavouras e matas crescem sobre áreas antes ocupadas por pastagem natural

Em franca expansão há pelo menos duas décadas, o terreno gaúcho destinado a lavouras temporárias já alcança 7,59 milhões de hectares, crescimento de 13,9% em relação a 2006. O espaço com matas também avançou. Entre 2006 e 2017, as matas naturais cresceram 9,8%, para 2,52 milhões de hectares, e, as plantadas, 18,1%, para 920 mil hectares. A terra que cede esse espaço continua sendo a coberta por pastagem natural, que agora corresponde a 7,52 milhões de hectares, e finalmente deixou de ser o uso principal da terra no Estado. A queda é de 9,1% em relação a 2006, e de 46,6% desde 1970.
Ao mesmo tempo, porém, há uma expansão das pastagens plantadas, que cresceram impressionantes 67,7% desde 2006, chegando a 1,64 milhão de hectares. "Isso reflete o ganho de eficiência dos criadores, que precisam criar os animais em áreas menores", comenta o coordenador operacional do Censo no Estado, Luís Eduardo Pruchalski. O único outro uso que também perdeu espaço desde 2006 é a de lavouras permanentes, que caiu 9,3%, se reduzindo a 270 mil hectares, interrompendo sequência de crescimentos nas últimas décadas. Grande parte da explicação vem da substituição da cobertura da terra no Rio Grande do Sul pela soja, que já chega a 5,157 milhões de hectares.
Na pecuária, mais uma vez aparece a estabilidade no plantel de gado de corte, que apresentou leve crescimento de 0,96%, para 11,4 milhões de animais, patamar que se mantém há vários anos no Estado. O destaque positivo é a produtividade leiteira, de 4,3 mil litros/ano por vaca no Rio Grande do Sul, liderando a lista dos estados brasileiros. O censo também mostra a continuidade da redução no plantel ovino, com mais uma queda de 23,8%, chegando a apenas 2,6 milhões de animais.

Números do campo

Área (em ha)

Estabelecimentos agropecuários