Retomada começa a frear sinais de inadimplência

Na Região Sul, 36% da população adulta está com nome negativado

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Pesquisa mostrou primeiro recuo da inadimplência desde setembro
Mais de 1 milhão de brasileiros entraram no negativo de abril para maio, encerrando o mês dos trabalhadores com 63,29 milhões de inadimplentes. De acordo com pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), o número das pessoas com o CPF restrito às compras a prazo e à contratação de crédito cresceu 2,78% no mês de maio, e, mesmo sendo a menor taxa desde março deste ano, a Região Sul já possui 36% de sua população adulta com o nome sujo.
Porém, segundo o consultor de economia da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS) Eduardo Starosta, a economia, tanto no Brasil quanto no Rio Grande do Sul, está sendo retomada lentamente, e a inadimplência é estável e tende a diminuir.
"Analisamos que a renda e o emprego estão aumentando no País e no Estado, e que a recessão chegou ao fim, mas o consumidor com acesso a essa renda será seletivo com as dívidas que vai quitar primeiro", diz Starosta, colocando o cartão de crédito e as dívidas com bancos como os últimos da fila a serem quitados, por causa das altas taxas de juros.
Os últimos dados de retomada de crédito, apurados em abril pelo SPC Brasil e pela CNDL, colocam o Sul como a região de retomada mais tímida do País, apenas 4%. Para o consultor de economia da FCDL-RS, o Estado começou seu crescimento antecipadamente, aumentando em 10% as vendas do varejo, considerando o mês de março, e criando medidas que facilitaram a retomada do consumo.
Ele elenca três motivos centrais que permitiram o crescimento antecipado no Rio Grande do Sul. O primeiro é a queda da taxa de juros básica, a Selic, que caiu de 14,25% de juros ao ano, em 2016, para 6,5% em 2018; o segundo movimento favorável é a boa situação das cidades do Interior em função da boa produção agrícola deste ano, que está associada a melhoria dos preços internacionais das nossas commodities, especialmente da soja; e o último é a boa situação econômica do Rio Grande do Sul.
"Claro que, comparando com anos de 2015 e 2016, ainda falta. O consumo gaúcho nos dois últimos anos de recessão chegou a cair 24%, e isso ainda não foi recuperado", coloca Starosta. A Região Sul possui 8,15 milhões de inadimplentes, segundo dados do SPC Brasil e da CNDL.
O analista Fabrício da Silva, 28 anos, está entre os gaúchos que venceram a inadimplência e conseguiram quitar as dívidas. Após três anos com o nome sujo, ele recuperou seu poder aquisitivo no início de 2018 e explica as etapas para a regularização do CPF.
Silva ganhava cerca de R$ 1 mil por mês quando contraiu dívida de quase R$ 10 mil. "Tinha vários cartões de crédito e contas em banco. Hoje, possuo somente um de cada. Renegociei os cartões, busquei pagar à vista para conseguir desconto e comecei a anotar tudo o que gastava" afirma o analista de ensino, que recebeu o apoio da empresa Severo Educação Financeira.
Silva afirma que o cartão de crédito, que servia para o supermercado, pequenos valores e compras supérfluas, foi um dos facilitadores de sua dívida. Para pagar, foi necessário reduzir desde o cafezinho na rua até o limite da conta do telefone, além de restringir compras com o cartão. "Levei um ano para regularizar tudo. Hoje, gasto pouco com o cartão e só parcelo compras grandes", afirma.

Administração de gastos e dívidas

O assessor financeiro do Estúdio de Finanças da Pucrs Gabriel Walker de Moura dá dicas possíveis e efetivas para evitar o endividamento, e, para quem já contraiu a dívida, medidas que facilitarão o pagamento da mesma. Lembrando que o endividamento e a inadimplência são coisas diferentes. Enquanto o primeiro consiste no ato de se endividar, o segundo representa o ato de não conseguir pagar a despesa.
Prevenção
Não ultrapassar 30% da renda familiar mensal com o crédito, 70% são para custos fixos e variáveis;
Fazer uma planilha com gastos fixos mensais e variáveis;
Saber o valor de sua hora/trabalho - que é a divisão do salário sobre as horas totais trabalhadas ao mês. Assim, a pessoa vai pensar duas vezes antes de consumir algo fútil;
Pagar em parcelas menores para evitar o acúmulo de juros composto - quanto maior o tempo que se esticar o empréstimo, maiores serão os juros;
Cuidado com o financiamento de bens. Muitas vezes, vale mais a pena alugar um imóvel do que comprar financiado;
Evitar cheque especial e cartão de crédito. Às vezes, o crédito consignado é mais adequado por ter uma taxa de juros menor.
Para quem já está endividado
O primeiro é reconhecer o problema, ter ciência de que terá que cortar alguns luxos e se comprometer a quitar a dívida;
Mudanças de hábitos e cortes de despesas, como televisão a cabo;
Revisão de tarifas bancárias;
Definir dívidas bancárias e renegociar com a empresa credora;
Procurar ajuda com educadores financeiros, caso os problemas com as dívidas persistam.
 

Compras compulsivas no crédito contribuem para aprofundar crise

Outro estudo divulgado pelo SPC e pela CNDL revela que, em cada 10 consumidores, seis (59%) aproveitaram as facilidades do crédito para fazer compras não planejadas em fevereiro, que prejudicaram o orçamento até o mês vigente. As aquisições mais recorrentes por impulso dos consumidores no segundo mês do ano foram roupas, calçados e acessórios (19%).
"O hábito da compra por impulso pode ser 'educado', mas, normalmente, o cartão é um dos vilões nestes casos. O ideal é cancelá-lo, usar só o dinheiro e fugir dos parcelamentos", diz o assessor financeiro do Estúdio de Finanças da Pucrs Gabriel Walker de Moura. O Indicador de Uso do Crédito, atualizado em junho pelo SPC Brasil e pela CNDL, evidencia a queda do percentual de consumidores brasileiros que recorreram a alguma modalidade de crédito de 46% para 40% na passagem de março para abril.
De acordo com o banco de dados do Estúdio de Finanças da Pucrs, duas em cada três pessoas que procuram assessoramento estão endividadas e inadimplentes. O principal motivo para a complicação financeira é a compra compulsiva no cartão de crédito. Em nível nacional, 33% dos brasileiros dizem estar no vermelho ou no limite do orçamento, e 19% tiveram crédito negado ao tentar parcelar compras.
Uma consumidora de 52 anos, por exemplo, sofreu com dívidas acumuladas por compras compulsivas que lhe cortaram boa parte dos três salários-mínimos que recebia como auxiliar de enfermagem e concentra uma dívida de mais de R$ 100 mil.
"Gastava com roupas, sapatos e bolsas. Tinha dois cartões, empréstimos em bancos e, em fevereiro me enrolei por completo." Ela só percebeu a bola de neve quando se aposentou. Sem conseguir deixar de trabalhar devido ao tamanho das dívidas, buscou o Estúdio de Finanças.
"Estou aprendendo a detalhar meus gastos, colocar no papel o que ganho, o que gasto e meus pagamentos fixos. A partir disso, planejo o que posso cortar. É um trabalho difícil, mas não tem outro jeito", diz a consumidora, que não quis se identificar.