Metallica faz show grandioso, mas com momentos de piloto automático em Porto Alegre

Show de quinta-feira (5) na Fiergs teve público de cerca de 40 mil pessoas, segundo a organização

Por Igor Natusch

Show dos norte-americanos em Porto Alegre teve 40 mil presentes e uma estrutura grandiosa no estacionamento da Fiergs, mas poucos momentos de real conexão com o público
Ter um dos colossos do rock pesado mundial em sua cidade é sempre um acontecimento. Porto Alegre sem dúvida viveu, na noite da última quinta-feira, um desses momentos especiais - e está claro que o show do Metallica na área externa da Fiergs, com 40 mil pessoas presentes, já entrou para a história dos shows internacionais na Capital. A apresentação em si, porém, teve momentos de piloto automático, e o cronista estaria mentindo se não dissesse que ficou a sensação de que poderia (e deveria) ter sido ainda melhor.
Foi uma longa jornada até o reencontro - tanto no que se refere aos adiamentos causados pela pandemia, que fizeram o show atrasar mais de dois anos, quanto ao esforço necessário para chegar até a Fiergs. O espaço é amplo, o que facilita a instalação de toda a estrutura necessária para um espetáculo desse porte, mas a dificuldade de acesso à região é uma constante, e superar o engarrafamento acaba sendo uma aventura à parte. Felizmente, a presença de ônibus especiais para levar e trazer fãs acabou atenuando o problema, sendo bastante elogiada pelos usuários.
A abertura da noite ficou a cargo da Ego Kill Talent, que sofreu com alguns problemas de som, mas cumpriu bem seu papel de aquecer o público que ainda adentrava a Fiergs. Quase pontualmente às 19h30, os norte-americanos da Greta Van Fleet subiram ao palco. O som mostrou-se bem melhor, mas a performance não chegou a empolgar o público. Talvez o estilo mais próximo do hard rock setentista não fosse o mais adequado, ou a banda em si não fosse tão conhecida dos brasileiros, mas o fato é que os próprios músicos pareceram ter sentido a falta de resposta do público - algo simbolizado no lacônico "obrigado, boa noite" do vocalista Josh Kiszka ao final do show.

Público curtiu, mas interação ficou abaixo do esperado

De qualquer modo, o motivo para todos estarem lá era outro - e a empolgação foi palpável quando, por volta das 21h10min, o telão começou a exibir imagens do filme Três homens em conflito, introduzindo a entrada do Metallica no palco. A abertura com Whiplash deu a deixa: "vocês vieram ver o show / nós somos os melhores, vocês são o resto / nós faremos isso virar realidade". Foi um começo cheio de energia para o que prometia ser um show antológico - o que se confirmou, até certo ponto, mas não na dimensão imaginada.
Trata-se, sem dúvida, de um espetáculo grandioso e visualmente impactante. O palco gigantesco, marcado por imensas letras 'M' e 'A' estilizadas nos dois extremos, era impressionante mesmo que ninguém estivesse nele, e a parafernália de som e imagem não dava descanso aos sentidos. O setlist também previa uma série de pirotecnias e movimentações entre as músicas, em uma apresentação perfeitamente calculada para atingir diferentes públicos. O que não faltou foram momentos para que os inúmeros fãs registrassem imagens em seus aparelhos celulares. Essa força de atingir pessoas de todos os tipos acaba sendo, por outro lado, quase um problema, já que o público é tão heterogêneo que fica difícil mantê-lo conectado emocionalmente ao show o tempo todo.
O Metallica trouxe faixas que não vinham sendo tocadas na turnê, como Harvester of sorrow e No remorse, mas boa parte da plateia pareceu indiferente a essas novidades. Moth into flame, única música do álbum Hardwired... to self destruct (2016) a ser executada, também não empolgou. Em certos momentos, uma explosão de chamas ou um efeito visual nos imensos telões recebiam uma resposta maior do que o anúncio de uma determinada música. O espetáculo acontecia no palco, os fãs assistiam na pista, mas foram poucos os momentos de genuína interação entre esses dois universos.

Músicas do auge comercial da banda foram as mais festejadas

O desempenho da banda em cima do palco também merece ressalvas. James Hetfield (voz e guitarra) foi impecável, movimentando-se muito pelo enorme palco e executando suas partes com energia e entusiasmo; de certa forma, talvez fosse o único realmente empolgado por estar ali. Robert Trujillo (baixo) também fez bem seu papel, mas tanto Lars Ulrich (bateria) quanto Kirk Hammett (guitarra) deixaram a desejar. O guitarrista mostrou-se quase desleixado em alguns momentos, deixando alguns solos icônicos do metal quase irreconhecíveis. E o baterista pareceu simplesmente incapaz de tocar várias músicas, errando viradas e simplificando levadas ao ponto de tirar todo o peso de várias canções - algo piorado pela estranha mixagem de som, que embolou guitarras e baixo, mas deixou a bateria altíssima, acima até da voz de Hetfield.
Seja como for, uma banda não se torna gigante como o Metallica sem ter um arsenal de qualidade em mãos, e mesmo uma performance burocrática do quarteto fica bem acima da maioria da concorrência. Faixas do chamado 'álbum preto', como Sad but true, The unforgiven e a balada Nothing else matters, foram as mais festejadas, e a icônica Master of puppets também botou o público para pular. No encerramento com Enter Sandman, um longo show de fogos de artifício marcou o fim do espetáculo, em um clima de animação coletiva. Todos saíram felizes, alguns visivelmente emocionados com a chance de rever os ídolos - mas a impressão foi de que faltou aquele algo mais para que a noite fosse realmente memorável. De uma banda superlativa como o Metallica, se espera o superlativo - e os gigantes do heavy metal entregaram o contratado com competência, mas nada muito além disso.