{{channel}}
Fotos de Leonid Streliaev retratam o Rio Grande que Erico Verissimo viu (e vê)
Livro 'O Rio Grande de Erico Verissimo - Edição Especial' une imagens e trechos de 'O tempo e o vento'
Autor de várias obras seminais da literatura gaúcha, Erico Verissimo se autodenominava um "retratista" - alguém que, em suas histórias, registrava o Rio Grande do Sul com a força da imagem transformada em palavra, um pouco como quem bate uma foto a cada frase. Uma definição que ganha ainda mais sentido quando se leva em conta que, especialista nas letras, o autor de O Tempo e o Vento também apreciava bastante a fotografia, tanto como retratado quanto apertando o botão da câmera. É buscando esses retratos que se insinuam que o fotógrafo Leonid Streliaev se move em O Rio Grande de Erico Verissimo - Edição Especial, obra que reúne 575 fotografias do Estado em meio a citações da mais marcante obra do escritor, em comemoração aos 70 anos do início de sua publicação.
"O que melhor resume a obra do Erico é a união de cenários reais e personagens imaginários. Ele retratava o Rio Grande que via, a partir das figuras que criava. Me detive na primeira parte desse binômio e procurei mostrar as mudanças desses 70 anos", afirma Streliaev. O livro pode ser adquirido pelo site www.leonid.com.br ou pelo WhatsApp (54) 99943-6740.
A publicação é uma versão ampliada e atualizada de um álbum publicado em 2005, por ocasião do centenário de nascimento de Erico Verissimo. Que Leonid Streliaev tenha mergulhado nesse desafio de transformar palavra em foto nada tem de acaso: os dois se tornaram amigos nos últimos anos de vida do escritor, e Erico chegou a definir Leonid, que depois teria décadas de experiência na imprensa gaúcha, como seu "fotógrafo oficial". Uma proximidade descrita pelo filho igualmente famoso, Luis Fernando Verissimo, no texto que agora abre a nova edição.
Os dois se conheceram em 1972, quando Streliaev registrou imagens de Erico para ilustrar uma entrevista, realizada pelo crítico Léo Gilson Ribeiro para a revista Veja. "Liguei para o Erico, expliquei o que queria com ele, e ele disse: 'olha, vem de tardezinha, porque a luz do entardecer me lembra os trigais maduros de Cruz Alta'. Me deu uma tijolada na testa, assim de cara", brinca o fotógrafo. As fotos, de fato, foram feitas ao fim da tarde, em uma praça defronte à casa do escritor - e a conversa sobre fotografia que se seguiu acabou aproximando os dois. "Eu era um cabeludo do Bonfa (bairro Bom Fim, em Porto Alegre) na época, e o Erico gostava de receber pessoas. Fazia umas noitadas em sua casa, com um monte de gente, e algumas vezes tive a imensa alegria de ir à casa dele. Ele me convidava, porque eu era uma figura humana diferente (das que costumavam frequentar o local)."
A proximidade rendeu um grande acervo fotográfico, hoje de posse da Fundação Itaú Cultural, e uma inegável afinidade com a obra do autor. Para criar a coleção de imagens de O Rio Grande de Erico Verissimo - Edição Especial, Streliaev, que hoje reside em Gramado, uniu fotos de seu arquivo pessoal a uma série de registros mais recentes, em roteiros que renderam cerca de 10 mil quilômetros pelas estradas do Estado. "Eu pegava as frases dele e tentava vê-las com o olhar de hoje. Não me detive a uma cópia tão fiel (das descrições de Erico), não quis uma precisão tão cirúrgica. Achei um Cemitério de Santa Fé, por exemplo, mas é um lugar diferente, é o cemitério do meu olhar. Acho que a arte nos dá essa liberdade. Só não achei um Capitão Rodrigo", brinca o fotógrafo.
Claro que, trabalhando com uma referência literária tão conectada ao imaginário gaúcho, as possibilidades de criar mágica não eram nada desprezíveis. "Teve momentos de associação mais que perfeita. Em um trecho, o Erico fala sobre 'o vento matraqueando nas janelas'. Em uma das minhas viagens, eu estava indo a Pelotas e, no caminho, resolvi visitar o Parque Histórico General Bento Gonçalves, no município de Cristal. Bah, o que eu vi lá era a pura imagem do vento matraqueando. A frase era a foto, e a foto era a frase", empolga-se.
Em outros momentos, o casamento é mais complicado, ainda que renda algumas belas e surpreendentes conexões. "No fim do livro, aparece uma frase do Erico: 'quero só ver no que vai dar tudo isso'. E agora, tchê, como vou fazer uma foto disso? Aí resolvi ir a um lugar para o qual convergiram todas as culturas do Rio Grande: Porto Alegre, esse caldeirão que mistura o italiano, o português, o negro, o taura, o alemão, o japonês. Essa grande bagunça. Aí fiz uma foto da grande bagunça porto-alegrense. É uma ligação talvez meio complicada de fazer, mas eu tentei, e acho que deu certo."
O resultado desse esforço é um poderoso diálogo não apenas entre texto e imagem, mas entre ancestral e contemporâneo. "Para mim, foi uma redescoberta ter relido os livros e ver que o Erico segue tão atual. O Rio Grande não mudou", garante Streliaev. "Acho que o que sai (desse projeto) é um Rio Grande autêntico, sem meias palavras. Esse é o nosso Rio Grande. Quem olhar o livro vai entender o que eu quero dizer."