Fran Rebelatto conta histórias de mulheres trabalhadoras em documentário

Pasajeras é o primeiro longa-metragem da fotógrafa e professora universitária Fran Rebelatto como diretora e roteirista

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Com estreia prevista para dezembro, 'Pasajeras' foi roteirizado e filmado como uma ficção
Com estreia prevista para dezembro, o documentário Pasajeras é o primeiro longa-metragem da fotógrafa e professora universitária Fran Rebelatto como diretora e roteirista. Com o tema da fronteira atravessando todo o seu processo formativo desde a graduação em Jornalismo na UFSM, a realizadora gaúcha - hoje docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu - está trabalhando na fase de pós-produção da obra. 
Apesar de ser um documentário, Pasajeras foi roteirizado e filmado como uma ficção. A obra é “sobre a vida de quatro mulheres trabalhadoras da fronteira - que são as personagens centrais -, mas também de outras mulheres trabalhadoras no entorno delas. Partimos da história de Soledad, que é paraguaia, bailarina, professora de dança e ‘pasera’. O filme vai tratar destas várias camadas e papéis assumidos pelas mulheres nas suas relações inter-geracionais, na relação entre mães e filhas. Também serão personagens centrais a indígena maká Susy, a comerciante paraguaia Felicia e a pasera/comercinante brasileira Maria”, explica Fran.
Sobre o título do documentário, a diretora destaca que ele deriva do encontro entre a atribuição que se dá às mulheres que transportam mercadoria, ou seja, ‘paseras’, e a ideia de passagens-cruzamentos, por isso Pasajeras: “Sem tradução para o português, pois a ideia é assumir mesmo a escrita, a grafia e o sentido em portunhol. Diria que o nome foi uma das primeiras coisas a nascer no filme, logo de imediato, no início do projeto, ele surgiu e se consolidou... Nunca mais deixou de ser Pasajeras”.
O filme mostrará a fronteira e as rotinas dessas mulheres por meio de três dispositivos cinematográficos: um olhar observacional sobre o cotidiano delas com a encenação de situações de trabalho e na convivência familiar; a narrativa de lendas da região que estão baseadas nas histórias de duas mulheres indígenas (Jupira e Naipi, que levam a um olhar sobre a paisagem da fronteira); e ainda um espaço afetivo no qual as mulheres relataram suas histórias num olhar íntimo à câmera.
Outro aspecto a ser destacado na trajetória de Pasajeras é que se os rostos femininos são o foco na tela, por trás das câmeras também há muito esforço colaborativo de profissionais do gênero feminino. Fran reconhece que queria muito viver a experiência de ter uma equipe majoritariamente de mulheres realizadoras, especialmente trabalhar com as colegas docentes e com estudantes mulheres da Unila. “Penso que a práxis cinematográfica, ou seja, a relação entre um pensamento sobre o cinema e sua realização tem um lugar privilegiado de encontro no set de filmagem e na sala de montagem. Então, foi muito importante essa vivência de nos deslocarmos da sala de aula, das nossas pesquisas acadêmicas, para comungar de um espaço de realização cinematográfica, estabelecendo, assim, vínculos ainda mais profundos entre nós professoras/realizadoras.”
Ela ressalta que as colegas professoras são profissionais com longa trajetória na realização: “Virginia Osório Flores, montadora do filme, tem uma trajetória com mais de 100 longas. Tainá Xavier é diretora de arte com produção em Cinema e Televisão, bem como Kira Pereira, que fez a captação de som, já trabalhou muito nesta função no cinema, especialmente em documentários”.
Também participaram do projeto mulheres profissionais do cinema e do audiovisual de outras partes do Brasil, que a diretora foi conhecendo neste percurso: “O filme é produzido, por exemplo, pela produtora porto-alegrense Vulcana Cinema e tem como produtora-executiva Jéssica Luz – uma produtora porto-alegrense muito generosa e que abraçou o filme e a fronteira nesta empreitada. Ainda contou com a direção de fotografia de Luciana Baseggio do Coletivo DAFB (Diretoras de Fotografias Brasileiras) e com a produção de Nay Araújo, que é brasileira, mas hoje vive em Portugal”.
Fran diz que se desafiou a ter uma equipe de mulheres no set por que, na sua trajetória, sempre trabalhou em sets em que a maioria das pessoas eram homens, especialmente, nos papéis de ‘cabeças de equipe’: “Ainda mais na minha área, que é a direção de fotografia. Então, considerei importante tensionar esta forma histórica de se fazer cinema e realocar esses papéis, agora, em mãos/ideias de mulheres, especialmente em um filme no qual contamos histórias de mulheres trabalhadoras. Acredito que isso proporcionou uma empatia e confiança maior por parte das personagens ao estarem em um ambiente de filmagem entre outras mulheres. Este encontro entre mulheres trabalhadoras do cinema e mulheres trabalhadoras da fronteira se deu de uma forma muito generosa e bonita”.

Desenvolvimento de projetos com perspectiva de integração latino-americana

Confira a entrevista com a roteirista, diretora e fotógrafa Fran Rebelatto, que leciona na Unila - uma universidade que fica numa cidade de grandes fronteiras internacionais - Foz do Iguaçu (PR). Nascida em um município do Norte do Estado do Rio Grande do Sul, formou-se em Comunicação e fez mestrado em Santa Maria. Porém, que a ouve falar não diz que seu sotaque é de gaúcha. Ela também faz doutorado no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal Fluminense (UFF), com um estudo que tem um recorte de filmes que tensionam as noções de fronteira.
JC – Panorama: No teu
No mestrado em Ciências Sociais, ainda na UFSM, me encontrei com a professora/pesquisadora Luciana Hartmann (minha orientadora), que tinha projetos muito importantes sobre os contadores de histórias das regiões de fronteira e, com ela, propomos realizar dois documentários. Foi o que me levou ao Fórum Entre Fronteiras. Bom, tudo isso me levou a querer estar na Unila, a pensar em filmes sobre trabalhadores/as e realidades de fronteiras, e agora, anos depois, no doutorado, me debruço em uma filmografia contemporânea que tem personagens e histórias que cruzam estas fronteiras entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
O projeto de doutorado fecha um ciclo formativo na qual, neste percurso, vou mudando minha percepção teórico/prática sobre as relações fronteiriças (seus aspectos geográficos, políticas e culturais) e suas manifestações sobre diferentes linguagens.
Saí do Jornalismo, passei pelas Ciências Sociais e hoje estou no Cinema e Audiovisual. Estes diferentes campos do conhecimento vão amalgamando uma formação interdisciplinar que me ajuda a entender melhor a realidade concreta, bem como, areja meu olhar para contar outras e novas histórias...
Panorama - Em uma live recente sobre Cinema de Fronteira, leste um manifesto belo e forte sobre as mulheres da região, falando dos cabelos negros, de sangue guarani, paraguaio, argentino, brasileiro, árabe – de costas marcadas pelo trabalho, do ventre marcado pela violência, de sonhos de cataratas, de bolsas com desenhos dos filhos.
Fran – O poema Manifiesto de la Mujer Transfronteriza foi escrito por mim durante o processo de pesquisa do filme Pasajeras. Não só este, se não que, por fim, estou por lançar um breve livro de poesia que se chama Fronteriza e que foi sendo escrito durante este processo de pesquisa/filmagem, especialmente em 2019. 
Panorama - Estás bem ativa nas redes sociais, participando de vários debates on-line. Para ti, essa presença nas lives é um compromisso social do momento, enquanto professora, realizadora, pesquisadora?
Fran – Estou bem ativa nas redes sociais, porque além de pesquisadora, realizadora e professora, sou também militante comunista e sindicalista, então me preocupo sim em contribuir neste momento com reflexões que nos ajudem a entender a realidade para poder criarmos estratégias de transformá-la. A imposição da comunicação e, desta nova ‘normalidade’, pelos meios virtuais não deve ser encarada de uma forma romântica, sem crítica e cuidado, no entanto, é preciso também ocupar este espaço, disputar narrativas e sensibilidades, se aproximar das pessoas e contribuir com outras leituras possíveis do que estamos vivendo, resistir sempre, e claro, avançar no sentido de outro projeto societário.
Eu acredito muito que a pandemia nos revelou o que existe de mais cruel no capitalismo que é a desumanização das nossas relações sociais mediadas pelo capital, e precisamos juntos/as pensar em como transformar tudo que está aí e dar outro sentido para a vida, outro sentido para nossas relações sociais. Espero que meus filmes, fotografias e escritos possam colaborar um pouquinho para avançarmos neste sentido de transformação!