Henrique Mann disponibiliza na rede capítulos da música gaúcha do século XX

Músico, compositor, produtor cultural e escritor lança oficialmente em seu site os 30 volumes da coleção 'Som do Sul'

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Músico, compositor, produtor e escritor lança oficialmente em seu site 30 volumes de 'Som do Sul'
O músico, compositor, produtor cultural e escritor Henrique Mann dá um passo importante para a história da música do Estado: ele libera oficialmente nesta segunda-feira (27) na internet a íntegra dos 30 volumes da enciclopédia Som do Sul. Os fascículos sobre a história dos músicos gaúchos do século XX estão disponíveis para download gratuito em seu site:

"O mais comovente nisso tudo são as declarações dos próprios artistas"

Henrique Mann iniciou carreira musical nos festivais estudantis da década de 1970 e tornou-se profissional de casas noturnas no início dos anos 1980. Depois de A MPB em debate em 1990, lançou o livro Retratos da vida boêmia em 1995. Também participou ativamente na produção de vários festivais, shows e discos de diversos artistas.
Em 2005, assumiu a Coordenação de Música da prefeitura de Porto Alegre, empreendendo inúmeros projetos, com destaque para os shows Nós da Noite, Sons da Cidade e Encontrabanda, do qual resultou o CD da Banda Municipal de Porto Alegre. Foi coordenador até 2008, quando indicou o radialista, músico e produtor Jorge André Brittes para o cargo e partiu para a administração de seus projetos pessoais. 
JC - Panorama: O reconhecimento ao projeto veio com dois troféus Açorianos, isso fica na história. Mas, na época, a repercussão na cena musical local foi grande, que retornos recebeste?
Henrique Mann - Bem, Som do Sul é a única obra a receber os troféus tanto em Música, quanto em Literatura em toda a história da premiação, isso já é algo extraordinário. Mas é impressionante que passados quase 20 anos ainda seja enorme o número de pessoas que me consultam e pedem materiais para TCCs, dissertações de mestrado, teses de doutorado… radialistas que utilizam capítulos como se fosse um roteiro pronto para um programa, principalmente na Semana Farroupilha. Mas o que é mais comovente nisso tudo são as declarações dos próprios artistas. É difícil para mim ver aquelas coisas sem ficar com os olhos mareados…. Nem sei como descrever, um autor precisa ter o coração forte para ver isso.
Mann - Ah, isso será sempre… estou sempre a escutar o pessoal daí, mantenho-me informado, até porque sou correspondente da Rádio New Ways e costuma enviar comentários em blocos de 15 minutos onde falo de tudo, política, situação internacional, pautas diversas, entre elas divulgo as novidades que os amigos me enviam, como recentemente o Egisto e o James Liberato enviaram e eu divulgo com o maior carinho, porque sei da preciosidade e da dificuldade que é viver de música no Sul do Brasil.
Panorama - Ainda há muito interesse dos europeus pela MPB? E, no continente, quais são os gaúchos mais conhecidos?
Mann - Sim, claro, a música brasileira de todos os tipos é sempre ouvida e muito respeitada, desde a bossa nova e o samba, até sertanejos e a Anita… aqui em Portugal os músicos gaúchos mais conhecidos são a Adriana Calcanhotto, o Yamandu e o Papas da Língua. Musicalmente prosseguimos fortes. O que mudou um pouco é o modo como somos vistos. Até uns anos atrás brasileiros eram considerados pessoas simpáticas, solidárias e divertidas, hoje a ideia que se tem é que são ignorantes e fascistas, ninguém consegue entender como o povo brasileiro elegeu Bolsonaro, que aqui é considerado uma figura execrável. Então há uma certa desconfiança neste sentido… e até alguma hostilidade. As pessoas primeiro tentam identificar se somos bolsonaristas… quando percebem que não, aí relaxam. Na visão dos portugueses, um bolsonarista é alguém muito ignorante e simplório ou é uma pessoa perigosa e incapaz de empatia. Nem o pessoal da direita gosta dele, apenas os nazis.
Panorama - Como surgiu a ideia de disponibilizar todo o conteúdo gratuitamente na internet agora? Achas que atualmente a história da música do RS está deixada de lado, são poucas as iniciativas de preservação e difusão? Como avalias os espaços de mídia recentes para divulgar essa obra?
Mann - A enciclopédia (que apelidamos de “coleção”) nunca saiu de cena, porque é uma fonte muito abrangente de consulta. Era difícil reeditá-la devido ao seu tamanho, ela pesa quatro quilos. Então, ficava sob constante pressão de pessoas que precisavam de informações ali contidas mas não tinham acesso. Com a situação caótica da cultura atual no Brasil no sentido econômico eu vi que não teria mais nenhuma possibilidade de reedição e seria injusto que esse patrimônio histórico ficasse só comigo. Por outro lado, a internet possibilita que ela continue a evoluir. Ela vai tornar-se uma “mini-Wikipédia” da música do RS. Naqueles espaços grifados como “anexos” poderão ser inseridas atualizações aos fascículos. E poderão surgir novos… A série parou no volume 30, mas poderão aparecer o 31, 32, 33… Basta que ele seja escrito por alguém… Você mesma, Carol, pode escrever e me enviar, eu publico lá. Acho que assim a enciclopédia terá muito mais utilidade e viverá muito tempo…
Panorama - Alheio ao contexto de pandemia, ainda fazes música em Portugal? Ou as aulas são a atividade principal?
Mann - Prossigo fazendo o que sempre fiz… Tenho um disco em andamento a ser gravado com músicos portugueses e brasileiros. A parte brasileira eu já trouxe gravada daí quando vim, agora estou trabalhando na parte “portuguesa”. Claro que tivemos que interromper isso com a pandemia, mas logo retomaremos. Tenho também outros dois livros por concluir e uma peça de teatro. Tem ainda minha atividade ligada às Artes Marciais, sou Mestre em Kickboxing, professor de Boxe e MMA. Estava por investir nessa área também. Ainda bem que não o fiz, porque com a pandemia teria levado um enorme prejuízo. E acho que este é um setor que ainda sofrerá muito, talvez mais até que o da música.
Panorama - Como Coordenador de Música de POA, foste criador de um importante projeto que funcionava como janela para os artistas locais, o Sons da Cidade. A distância, com teu olhar de produtor, acompanhas pela internet a produção dos talentos da nossa nova geração? Tem algum caso que gostaria de citar como exitoso, explorando as possibilidades da tecnologia para o artista independente, já que o cenário não tem conta mais com quase nenhum apoio direto do poder público, nos últimos 5 anos, principalmente?
Mann - Quando fui Coordenador havia o amparo do poder público à Cultura. O Brasil parece ter desaprendido isso. A campanha massiva de imbecilização através da internet e do WhatsApp levaram as pessoas a entender o incentivo fiscal, a Lei Rouanet ou a LIC como uma espécie de favor à classe artística. Estas pessoas não são capazes de enxergar o que é “Economia da Cultura”. Quando um artista executa um evento toda uma cadeia produtiva é acionada, desde empresas de som e luz (o que vai refletir também nas lojas, no comércio e na indústria destes equipamentos e instrumentos musicais ou cinematográficos, por exemplo), passando por gente da segurança, transportes consumo de bebidas, alimentos, chegando lá na ponta, onde o mais modesto pipoqueiro ou vendedor de latinhas de cerveja obtém seu sustento. A “guerra cultural” promovida pelos setores da extrema direita destruíram coisas importantes que o Brasil levou mais de um século para construir. Está em moda ser ignorante e a intectualidade e a cultura são vistas como “inimigas” por estas pessoas que estão no poder e, mais ainda, até por aquelas que não estão no poder, mas aderem a esta idiotice para terem blogs e canais monetizados que lhes rendam dinheiro. E para isso quanto maior a estupidez, quanto mais chocante a ignorância maior o número de “likes”… maior a renda do canal ou do blog.