Eric Nepomuceno, em isolamento social, lança série 'Leituras na quarentena' na internet

Produções audiovisuais foram filmadas na serra de Petrópolis (RJ), com celular, por seu filho Felipe Nepomuceno, premiado diretor, da produtora Nepomuceno Filmes, e editadas em laptop

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Em quarentena com a família há mais de um mês, autor lança programa nas mídias sociais a partir desta segunda-feira (27)
Após mais de um mês em isolamento social com a família devido à pandemia do Covid-19, Eric Nepomuceno estreia, a partir desta segunda-feira (27), um combo de conteúdo inédito na internet, composto por duas séries e um curta-metragem produzidos de forma totalmente independente ao longo de abril. Filmados com celular - por seu filho Felipe Nepomuceno, premiado diretor, da produtora Nepomuceno Filmes - e editados em laptop, as séries Leituras na quarentena, Dias e noites de amor e de guerra e o curta-metragem Cinco anos de solidão foram feitos na serra de Petrópolis (RJ).
Leituras na quarentena (de segunda a sexta-feira, entrando no ar às 11h) é uma série de 40 programas de aproximadamente dois minutos cada, com sugestões de livros, autoras e autores, para ajudar a enfrentar a solidão e o isolamento. Apresentada pelo escritor e tradutor Eric Nepomuceno, que entre uma e outra dica de leitura revela histórias de amigos como Gabriel García Márquez, Cristovão Tezza, Juan Rulfo e Fernando Morais, além de memórias pessoais relacionadas a livros como O apanhador no campo de centeio, de J.D. Salinger; Antes do baile verde, de Lygia Fagundes Telles; O quarto de Giovanni, de James Baldwin, e personagens como Mafalda e Tom Sawyer.
Dias e noites de amor e de guerra (sábados e domingos, a partir de 2 de maio) é um conjunto de 16 programas de aproximadamente três minutos cada, com leituras da obra de Eduardo Galeano, no ano em que o escritor uruguaio completaria 80 anos, realizadas pelo seu amigo e tradutor, Eric Nepomuceno.
Já o curta Cinco anos de solidão (que estreia na quinta-feira, 30) retrata um casal em isolamento em uma cidade no interior do Rio de Janeiro, rodeado de árvores e livros, lidando com memórias e ausências, durante a quarentena de abril. O filme é uma carta de amor e resistência em um tempo trágico, composto por incertezas e esperanças.
As produções audiovisuais serão exibidas nas redes sociais da Nepomuceno Filmes no YouTube.

'Ler é o melhor remédio', por Nepomuceno

"Ficar sozinho é uma coisa, sentir solidão é outra.
Eu, por exemplo, adoro ficar sozinho. Sempre que posso, escolho essa situação.
Mas não ter essa escolha é, para mim, assustador: muito diferente de me isolar, é ser isolado. Ficar isolado, sem poder ver amigas e amigos de décadas e que estão logo ali, ao alcance da mão.
Pensando nisso, pensei em maneiras de combater o vazio do isolamento. E cheguei à conclusão de que ler é o melhor remédio.
Ao longo de anos e anos eu disse e redigo que nenhum, nem um único livro, mudou a história do mundo. Nem mesmo a obra de ficção mais lida e traduzida na história da humanidade, a Bíblia, mudou o mundo.
O que os livros podem mudar e muitíssimas vezes mudam é a nossa maneira de ver a vida e o mundo. E nos levar a tentar, então, mudar a realidade que nos rodeia ou buscar a realidade que nos foi escondida.
O que eu nunca disse, porque embora estivesse convencido acreditava ser muito óbvio, é que os livros podem, e conseguem na imensa maioria das vezes, suavizar a nossa solidão.
Ao conviver com personagens que nos atraem ou rejeitamos, ao tentar descobrir não apenas o que eles pensam mas qual rumo tomarão, eles se transformam em companhia.
Por esses dias de pandemia descontrolada e de país desgovernado, sem norte nem rumo, tenho lido.
E além de ler, tenho me lembrado de livros que li (e alguns reli, e outros se tornaram releituras rotineiras ao longo dos tempos).
Assim, conto que andam me fazendo companhia o velho Santiago, de O velho e o mar, e Lia, Lorena e Ana Clara, de As meninas, e convivo com a tensa e amedrontadora atração entre David e Giovanni de O quarto de Giovanni, ou padeço a tensão que paira soberba sobre o desespero do casal de O banho, e observo de longe a solidão do halterofilista de A força humana, e torno a mergulhar, depois de décadas, nas águas do Mississipi e constato, sereno e feliz, que nada mudou nem nelas, nem na minha memória.
São companhias variadas, que varrem a minhas lembranças pelo avesso. E é graças a essas companhias que a solidão da quarentena se torna menos densa, mais suave.
Como disse dia desses Joaquín Sabina, um dos maiores compositores da música popular espanhola contemporânea, ler é o melhor remédio contra o medo – esse medo imenso que se espalha nestes tempos de tensão e breu."