Os 90 anos da poeta Hilda Hilst, uma obscena senhora

Como o isolamento social colocou sob ameaça o planejamento econômico de 2020 do Instituto Hilda Hilst, que preserva o legado e a memória da escritora

Por Roberta Requia

Ousada e intensa, autora completaria nove décadas nesta terça-feira (21)
"Você bagunça o coreto total, choca completamente a paróquia, empreende a derrubada de toda uma estrutura histórica de mal-entendidos literários." Essas foram palavras usadas por Caio Fernando Abreu para descrever a amiga Hilda Hilst. Ao longo de sua vida como escritora, ela foi romancista, dramaturga, mas, essencialmente, poeta.
Hilda de Almeida Prado Hilst nasceu em 1930 em Jaú, São Paulo, e estaria completando 90 anos neste dia 21 de abril, caso estivesse viva. Convicta das suas razões, deixava claro que seu trabalho era para aqueles que estavam dispostos a pensar. "Não escrevo novelinhas para os bondes. Para isto já bastam os jornais", disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 1975.
Excêntrica, ousada e intensa, escrevia com fervor sobre a vida e sobre questionamentos que acercam o ser humano: amor, Deus, a existência e a morte. Para Luisa Destri, jornalista, professora na USP e coautora da biografia Eu e não outra: a intensa vida de Hilda Hilst (Tordesilhas, 2018), o apego de Hilda a suas próprias concepções e ideais é uma das características mais fortes de suas obras. "O que mais me chama a atenção talvez seja a radicalidade com que ela respeitou a si mesma, fazendo de tudo para levar adiante o que acreditava ser a sua vocação. Mesmo quando dizia estar fazendo concessões, armava estratégias para não abdicar de seus princípios", afirma.
Sobre o reconhecimento na literatura brasileira, Luisa acredita que não exista um consenso definitivo: "Embora seja muito estudada, há pouco diálogo entre os pesquisadores, e os esforços de compreensão ficam muito pulverizados. Na poesia, esse consenso está ainda mais distante, já que sua importância é mais reconhecida na prosa".

Quarentena na Casa do Sol

Em 1966, Hilda Hilst criou uma de suas maiores obras, um legado que permanece pulsante: a Casa do Sol. Em uma fazenda de café herdada da mãe, em Campinas, ela construiu a casa na qual morou até seus últimos dias de vida em 2004.
Tombado como patrimônio cultural, o local foi um refúgio para a criação artística e literária. Lá, recebia amigos e qualquer pessoa que precisasse do espaço para se dedicar ao trabalho criativo. A Casa serviu de lar para artistas como Caio Fernando Abreu e Jurandy Valença, além das constantes visitas de Lygia Fagundes Telles.
Momentaneamente fechada por conta da quarentena causada pela Covid-19, a Casa do Sol, hoje, recebe visitantes e possui um programa de residência, também paralisado, para aqueles que, assim como nos tempos em que Hilda lá viveu, necessitem de um local para criar. Quem os recepciona, sempre às 16h com um chá ou café, é a moradora mais antiga do local: a artista plástica Olga Bilenky. "A falta de pessoas na casa faz toda a diferença nesta minha quarentena. Eu tinha 26 anos quando cheguei aqui", ressalta. Foi por conta do casamento com José Moura Fuentes, escritor e amigo de Hilda, que Olga passou a residir na Casa do Sol.
Desde a morte do esposo, em 2009, reside praticamente sozinha no lugar. Aos 69 anos, permanece como uma guardiã do legado hilstiano. "Esta época (de isolamento social) me lembra um luto. Me lembra a época em que o Moura Fuentes morreu. Estávamos juntos a vida inteira. A perda dele foi um profundo luto, e foi exatamente um período em que eu fiquei sozinha na casa", explica.
A amizade do casal com Hilda gerou mais do que as memórias em vida. Foi na Casa do Sol, em 1983, que o casal concebeu o filho Daniel, nomeado pela escritora em vida como herdeiro dos direitos autorais de sua obra.
Aos 36 anos, Daniel Fuentes é o presidente do Olga Bilenky tem compartilhado em vídeos relatos sobre a quarentena na Casa do Sol