'Consumidor vai ter de botar água no leite', avisa presidente da Agas, ante alta do preço

Alimento atinge preços que desafiam consumo das famílias de renda mais baixa

Por Patrícia Comunello

Leite e seus derivados seguem impactando no bolso do consumidor
Não é gasolina, mas o preço do litro está assustando os gaúchos nas últimas semanas, principalmente aqueles que têm renda mais baixa. O litro do leite de caixinha (UHT), que é o longa vida, ultrapassou os R$ 5,00, em patamar considerado histórico ao consumidor final e com alerta de mais alta, pois o pico de preços vai até agosto. 
"O consumidor vai ter de botar água no leite", avisa o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antonio Cesa Longo, que reafirma a constatação à coluna, ao tentar buscar alguma saída a um dos principais ingredientes da cesta básica.
"Famílias com quatro integrantes que compravam duas caixas de leite UHT (com 12 litros cada) por mês estão reduzindo, comprando uma", observa Longo, sobre a estratégia nas idas ao mercado.
Considerando uma média de R$ 5,00 por litro (que é um valor rebaixado e só aparece em algumas promoções), as duas caixas com 24 litros chegariam a R$ 120,00 no mês, cerca de 10% do salário mínimo nacional, que está em R$ 1.212,00.
"Não pode comprometer mais de 10% do salário com leite", pondera o presidente da Agas. 
Uma comparação é acionada pelo supermercadista quase no automático, para dar ideia de que a condição do mercado do lácteo "saiu da curva":
"O leite ultrapassou o preço do refrigerante!" (lembrando que a bebida costuma ser vendida com volume acima de dois litros)
Falando em cesta básica, a pesquisa do Dieese em Porto Alegre mostrou que, em maio, o alimento subiu 3,52%. No ano, a disparada acumulada chega a 31,05% e, em 12 meses, a 33,87%. Ou seja, a fervura no preço é um fenômeno deste ano.
Outro detalhe, trazido pela economista do Dieese no Rio Grande do Sul Daniela Sandi: enquanto as famílias sentem esse nível de alta, o preço ao produtor (leiteiro) teve elevação de 21% no mesmo período. (fonte Cepea/Esalq) 
Daniela Sander cita ainda: "a elevação do preço do leite em 12 meses é quase três vezes a inflação do período (11,90%), pelo INPC/IBGE. Mas no ano, a alta é seis vezes o INPC acumulado (4,96%)". Lembrando: o INPC é o balizador das negociações de reajustes salariais. Ou seja, na reposição de custos, trabalhadores com carteira assinada terão de repensar a sua cesta básica.
'O leite ultrapassou o preço do refrigerante', compara Longo, diante da disparada do valor. Foto: Marco Quintana/Arquivo/JC

Leite em caixinha x manteiga

Um detalhe também chamou a atenção da coluna. Encartes impressos de promoções de atacarejos não trazem o longa vida. Ou seja, não deve estar fácil ou sendo viável fazer preço mais baixo e atraente com leite, em um modelo de negócio que depende de descontos polpudos.]
O valor do leite longa vida no nível praticado agora está gerando uma relação desproporcional.
Por exemplo: a manteiga, que sempre tem valor muito acima (três a quatro vezes mais), não tem tido alteração de preço em lojas que a coluna verificou. O tablete de 200 gramas se mantém entre quase R$ 10,00 e até R$ 14,00 em marcas premium. Longo cita que mesmo o iogurte não disparou.
"O leite é um grande balizador e atinge em cheio a grande massa (famílias)", analisa Longo, que associa a disparada à elevação de custos dos insumos, para a alimentação das vacas, e a questão de combustíveis e frete.
O dirigente observa que, se agora já está neste nível que a renda mais baixa não suporta, imagina como vai ser até o fim do inverno, estação que o produto que integra a cesta básica sobe devido à entressafra.
"Nos assusta, pois ainda não chegou agosto. Está no limite", garante o supermercadista. 
"De R$ 6,00 não passa", arrisca o presidente da Agas, mas titubeando em sua convicção, diante das oscilações.
No supermercado, a alta sem limites do leite comum gera mais distorções. Outros tipos de leite, como o vegetal (de soja, que é o mais barato), estão com os mesmos preços ou levemente acima. Pode ser uma opção, mas para quem quer buscar uma alteração na dieta, e não para consumidores que precisam contar o dinheiro para colocar leite na mesa.  
O presidente da Agas garante que o setor está repassando o mínimo ao produto. O valor sobe porque vem mais alto da indústria. O custo alto de fazer estoques restringe a manobra do varejo para conseguir estender preços menores ou ter estabilidade na gôndola, explica Longo.  
Entre as opções, o leite in natura (em saquinho, por exemplo), com validade mais curta, de poucos dias, deve desaparecer, projeta Longo. A razão: porque o preço é próximo ao longa vida e por estar em nível alto, como a variante UHT.