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Retrato caleidoscópico do racismo nos EUA
Peele é o responsável pela produção da série na HBO baseada na história de Matt Ruff, que, aos cinco anos de idade, decidiu que queria ser autor de ficção
Os terrores da época da segregação racial nos Estados Unidos são o tema de Território Lovecraft (Intrínseca, 352 páginas, R$ 59,90 e R$ 39,90 em e-book, tradução de Thais Paiva). Quinto romance do aclamado escritor norte-americano Matt Ruff, nascido em Nova York, a obra teve seus direitos adquiridos em 10 países e conquistou a admiração do celebrado diretor Jordan Peele, do filme Corra!. Peele é o responsável pela produção da série na HBO baseada na história de Matt Ruff, que, aos cinco anos de idade, decidiu que queria ser autor de ficção. Passou a infância e a adolescência aprendendo a contar histórias.
Partindo de um contexto real e expondo o racismo estrutural dos Estados Unidos da década de 1950, Território Lovecraft une ficção histórica, fantasia e pulp noir em uma coletânea de contos que, na verdade, forma um romance. A obra mereceu o prestigiado prêmio Endeavor Awards e foi finalista do World Fantasy Awards. O livro faz parte do clube de assinaturas Intrínsecos e foi editado em capa dura, com pintura trilateral.
O protagonista da narrativa é o jovem negro Atticus, veterano da Guerra da Coreia, fã do clássico escritor H. P. Lovecraft e outros autores de pulp fiction. Ao descobrir que o pai desapareceu, ele volta para a cidade natal para, com o tio e a amiga, partir em uma missão de resgate. O percurso até a mansão do herdeiro da propriedade, que mantinha um dos ancestrais de Atticus escravizado, não será, de modo algum, uma viagem qualquer, e o grupo enfrentará sociedades secretas, rituais sanguinolentos e o preconceito de todos os dias. Esta é apenas a primeira parada de uma jornada impressionante. Atticus encontrará o pai acorrentado, preso por uma confraria secreta, que pretende fazer um ritual no qual o principal personagem seria Atticus.
O romance, estruturado ao mesmo tempo como uma coletânea de contos, traz personagens memoráveis, elementos sobrenaturais, como casas assombradas e portais para outras realidades, objetos enfeitiçados e livros mágicos. É um grande e belo retrato caleidoscópico do racismo - fantasma que até hoje assombra o mundo -, no qual Matt Ruff mescla a fantasia de Lovecraft com ficção histórica e pulp fiction para explorar os Estados Unidos. Não é pouca coisa.
Tio Januário, o otimista
Muitos anos antes de ler o clássico O poder do pensamento positivo, do norte-americano Norman Vincent Peale, Tio Januário já era um otimista inveterado. As fotos de criança mostram um menino com olhos, bochechas e boca sempre sorridentes, na tentativa de ver a vida lhe sorrir, também. Em 1964, quando estava entrando na segunda infância, motivado pela família, parentes, amigos e pela professora do curso primário, Januário ficou otimista com a chegada dos militares e achou que teríamos liberdade, democracia, crescimento social e econômico e muita coisa mais.
Januário nunca concordou com aqueles que dizem que o otimista é um pessimista mal-informado e achava graça na frase de Mario Quintana que diz que a esperança é um urubu pintado de verde. Nas leituras da juventude, nos tempos da faculdade de Direito, Januário gostou da lição do italiano Antonio Gramsci: "Sou pessimista no prognóstico e otimista na ação".
Depois que os anos ditos dourados ficaram cor de chumbo, o otimismo crônico do Tio Januário - que alguns chamavam de profeta do cotidiano - se fortaleceu com as Diretas Já, a Constituição Cidadã e a redemocratização. Tio Januário estava otimista com a construção de um novo Brasil, de cima para baixo, pela sociedade civil organizada, entidades de classe, sindicatos e etc. Chegou a ter esperanças até no Sarney e no Collor e procurou manter um otimismo esperançoso e profissional bem brasileiro nos tempos do Itamar, Fernando Henrique, Dilma, Lula e, agora, no Bolsonaro.
Tio Januário está velhinho, não é mais tão otimista quanto antes e um realismo concreto vem baixando nas suas ideias. Ele sabe que o Brasil é sempre para a semana que vem, que os velhos mecanismos ainda estão funcionando azeitados e está preocupado com a maldita pandemia. Procura acreditar em algo bom, procura notícias e informações verdadeiras e tenta não ficar atirando pedras nos outros.
Dentro do que lhe resta de esperança e otimismo, Tio Januário procura pensar que esse pandemônio vai passar, que daqui a pouco teremos uma nova bela época, como já aconteceu antes na história do planeta. O otimismo do Tio Januário está, mais do que nunca, posto à prova. "Nada será como antes", o "mundo será outro", "seremos diferentes", "vão morrer milhões de pessoas" e outras expressões como estas atordoam a cabeça do tio, que não gosta de telejornais-necrotérios, indústrias de fake news, políticos aproveitadores, faturadores de plantão, infectologistas de botequim e consultores que a todo momento dizem que temos que administrar os medos e compatibilizar a fé com a ciência, lavar as mãos e ficar em casa.
Tio Januário reza para que se encontrem saídas para equilibrar a vida, a saúde e a economia, irmãs inseparáveis da família humana. Tio Januário sente que está todo mundo meio perdido como ele, mas se esforça para manter o que lhe resta de otimismo e esperança.
Tio Januário procura botar fé na ciência e ciência na fé, pensa num remédio, numa vacina para o vírus desgraçado. Lembra do que seu velho pai dizia: o que não tem remédio, remediado está. Naquele tempo, o mundo e as pessoas eram mais simples. Eram?
Lançamentos
- O apanhador no campo de centeio, Nove histórias e Franny & Zoey, clássicos do grande escritor norte-americano J.D. Salinger (editados no Brasil pela Todavia Editora desde o ano passado) estão, agora, disponíveis em formato e-book, para compras nas principais plataformas.
- Modern Love - O melhor da coluna Modern Love do The New York Times (Editora Rocco, 304 páginas, R$ 54,90, tradução de Ana Trodrigues ), organizado pelo editor Daniel Jones, traz histórias reais de amor, perda e redenção, algumas nada convencionais, outras familiares, que impressionam e ensinam.
- Hormônios, me ouçam! Relatos bem-humorados sem tabus de como a escritora sobreviveu à menopausa (Literare Books International, 124 páginas, R$ 34,90), de Leila Rodrigues, fala do período da menopausa, que é a soma de duas palavras gregas: mês e fim. Depois de seus altos e baixos, a autora resolveu compartilhar suas experiências, através de crônicas.
A propósito...
Ainda otimista no meio destes ventos e destas marés, Tio Januário tem esperanças que o presidente Bolsonaro encontre novos atos e expressões, mesmo sabendo que a liturgia do cargo, hoje, às vezes não tem mais nem na missa. Tio Januário, por incrível que pareça e apesar de tudo, tem esperanças nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e espera que as soluções sejam pacíficas, embora saiba que a secular cordialidade brasileira ande minguando. Enquanto há vida, há esperança, vai pensando, em meio a tantas vidas e esperanças que diariamente estão indo para o espaço. Tio Januário tem esperança de que o Brasil um dia chegue. (Jaime Cimenti)