A transa do ministro

Por JC

charge espaço vital - 3 de junho 2022
O Poder Judiciário sempre esteve distante da imprensa. Até hoje há magistrados que se comunicam com colunistas só por meio da assessoria de imprensa da corte. Alguns chegam a pedir que as perguntas venham por escrito.
Imaginem, então, em tempos idos, anos 60, 70, 80 e por aí. Literalmente, jornalista não casava nem visualmente, nem em ideias, com magistrado algum.
O colega Fernando Albrecht recorda o causo protagonizado por um repórter porto-alegrense que tinha o cacoete de se ajoelhar na frente do entrevistado - fosse quem fosse. Não era por reverência alguma, mas apenas para - segundo ele - facilitar (?) as anotações...
Foi assim que, no final dos "anos de chumbo", visita o Rio Grande do Sul, o então presidente do Supremo Tribunal Federal. A duras penas e depois de jurar que não haveria saia justa, o diretor de redação de um jornal de Porto Alegre consegue agendar uma entrevista exclusiva com Sua Excelência.
É escalado um repórter que, no atual 2022, é bem sucedido publicitário. O encontro rende material institucional, banalidades. Mas parte da história - que não foi publicada - é que, durante os anos seguintes, e até hoje, o então presidente do STF não cansa de contar a amigos o choque que levou:
- Eu sentado na sala de reuniões do principal hotel da cidade, esperando um jornalista de escol. Então entra um sujeito cabeludo, calçados rotos, barba por fazer, sem gravata nem paletó. Ele tira uma esferográfica presa na orelha, pega um papel amassado do bolso e se ajoelha na minha frente!...
O ministro aposentado faz uma pausa, toma fôlego e prossegue:
- Sabem qual foi a primeira pergunta que o jornalista me fez?
Os circunstantes arriscam, mas ninguém acerta.
Então o jurista, puxando a lembrança do fato que ainda o persegue em pesadelos - como se tivesse tido um encontro com algum ET - arremata o causo repetindo a pergunta inicial do repórter:
- E aí, ministro, qual é a transa?

1. Multa pela recusa ao bafômetro

O Supremo Tribunal Federal validou a regra do Código de Trânsito Brasileiro que impõe a aplicação de multa, a retenção e/ou a apreensão da carteira nacional de habilitação (por um ano) a motoristas que se recusem a fazer teste do bafômetro, exames clínicos ou perícias visando aferir eventual influência de álcool ou outra substância psicoativa. O julgado também manteve a proibição de venda de bebidas alcoólicas em estabelecimentos nas margens das rodovias federais. As decisões foram tomadas em três ações que discutiam a constitucionalidade dessas normas.
A recusa ao bafômetro foi objeto do Recurso Extraordinário nº 1224374, com repercussão geral (Tema nº 1.079), interposto pelo Detran do Rio Grande do Sul contra decisão do TJRS. Este anulou o auto de infração lavrado contra um motorista que se recusara a fazer o teste. Segundo o acórdão gaúcho, "as normas do Código de Trânsito Brasileiro que instituíram essa infração autônoma (artigos 165-A e 277, parágrafo 3º), são arbitrárias, pois a mera recusa não comprova a embriaguez". Prevaleceu o entendimento do ministro Fux: "Como a recusa à realização de testes não constitui crime e implica apenas sanção administrativa, não há violação ao princípio da não autoincriminação, regra utilizada em procedimentos penais".
Conforme a decisão colegiada do Supremo, "a tolerância zero é uma opção razoável, proporcional e legítima do legislador para enfrentar o perigo da direção sob os efeitos do álcool, e a sanção à recusa aos testes é um meio eficaz de garantir o cumprimento da proibição". Com isso, foi cassada a decisão do TJRS e restabelecido o auto de infração.
 

2. Mais de mil casos semelhantes

No RE nº 1224374, foi fixada uma tese de repercussão geral. Ela servirá de paradigma para a resolução de, pelo menos, 1.020 casos semelhantes sobrestados em outras instâncias da Justiça brasileira.
Eis o teor: "Não viola a Constituição a previsão legal de imposição das sanções administrativas ao condutor de veículo automotor que se recusa à realização dos testes, exames clínicos ou perícias voltados a aferir a influência de álcool ou outra substância psicoativa (arts. 165-A e 277, parágrafos 2º e 3º, todos do Código de Trânsito Brasileiro.

3. Bebidas nas margens de rodovias

A proibição da comercialização de bebidas alcoólicas nas margens de rodovias federais, prevista na Lei nº 11705/2008 (artigos 2º, 3º e 4º), era discutida nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nºs 4017 e 4103. Estas foram ajuizadas pela Confederação Nacional do Comércio e pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento, respectivamente. As entidades alegavam que "o tratamento diferenciado entre estabelecimentos comerciais na cidade e em rodovias afronta o princípio constitucional da isonomia".
Por maioria, o Plenário do STF declarou a improcedência das ADIs, sob o fundamento de que a restrição é adequada, necessária e proporcional, além de contribuir para a redução de acidentes e a preservação da integridade física de todos que trafeguem nas rodovias federais. Em síntese: "a vedação não viola os princípios da isonomia ou da livre iniciativa".

Multa de R$ 3,5 milhões por área irregular de arroz

O proprietário de uma fazenda no município de Triunfo (RS) terá que pagar multa de R$ 3.524.000,00 por, sem licenciamento ambiental, ter plantado arroz irregularmente no Banhado Santa Clara - que faz parte de área de preservação permanente no Delta do Jacuí. A 3ª Turma do TRF da 4ª Região negou recurso e que pedia a suspensão da penalidade. O fazendeiro Airton Rolim Araújo foi autuado pelo Ibama em 2015. A irregularidade: devastação de 113 hectares de vegetação de banhado.
Segundo o processo, em 13 de fevereiro de 2013, foi constatada "severa intervenção em canais de irrigação em área de preservação permanente (Banhado Santa Clara), sem o devido licenciamento ambiental".
Tentando suspender a penalidade, Rolim ajuizou mandado de segurança alegando incompetência do Ibama para fiscalizar a área. Após decisão negativa, o arrozeiro apelou ao tribunal. Segundo a desembargadora Marga Inge Barth Tessler, relatora do caso, "não se constata, na hipótese, violação a direito líquido e certo amparável por mandado de segurança, porquanto os autos de infração e o termo de embargo descreveram adequadamente e fundamentaram as atividades e condutas infracionais".
Quanto à competência do Ibama, a relatora afirmou que a destruição de área de preservação permanente constitui atividade não licenciada ou licenciável, a qual poderá ser fiscalizada por qualquer órgão ambiental, prevalecendo o primeiro auto de infração lavrado. O acórdão arrematou lembrando que "o meio ambiente ecologicamente equilibrado é protegido pelo art. 225 da Constituição, cuja proteção é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Proc. nº 5078848-79.2015.4.04.7100).

Recolhimento noturno para a detração da pena?

Em julgamento sob o rito dos recursos especiais repetitivos, a 3ª Seção do STJ vai definir "se o período em que o apenado cumpriu medida cautelar de recolhimento noturno deve ser computado para fins de detração da pena" e "se há necessidade de fiscalização eletrônica para que o tempo de cumprimento de medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno seja computado para fins de detração". A relatoria do recurso especial selecionado como representativo da controvérsia - cadastrada como Tema nº 1.155 -, é do ministro Joel Ilan Paciornik.
Ele considerou desnecessária a suspensão dos processos prevista no artigo 1.037 do Código de Processo Civil, em razão de haver jurisprudência consolidada no STJ a respeito do tema. Para o ministro, o caráter repetitivo da controvérsia foi aferido a partir de pesquisa à base de jurisprudência do STJ, que recuperou 30 acórdãos e 366 decisões monocráticas sobre a matéria proferidas por ministros componentes da 5ª e da 6ª Turmas. Segundo o magistrado, o posicionamento mais recente é de que "o período em que o apenado cumpriu medida cautelar de recolhimento noturno deve ser computado para fins de detração da pena".
Paciornik destacou que passou a ser discutida, também, a necessidade ou não do uso do monitoramento eletrônico para esse fim.
A detração consiste no abatimento na pena privativa de liberdade e na medida de segurança. Ela se conta do tempo em que o sentenciado sofreu prisão provisória, prisão administrativa, ou internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. (REsp nº 1.977.135).