O "Doutor Acervo"

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charge espaço vital 1.2 2022
A criação pelo Tribunal de Justiça do RS da recente e argentária "Resolução nº 10/2021" - que criou a partir de 1º de janeiro deste ano a "gratificação de acúmulo de acervo" para juízes e desembargadores - traz à recordação uma história do melhor folclore da Justiça gaúcha.
Juiz de entrância final, o "Doutor Filho" era um pai para advogados, estagiários, servidores etc. quando se tratasse de deixar correr um papo-furado no seu gabinete. Já para prestar efetiva jurisdição, a diferença era abissal.
Audiências de instrução, ele não gostava de realizar. Marcava uma solenidade prévia de conciliação - e se o acordo não fosse celebrado - determinava que os autos voltassem "conclusos". E assim alguns processos iam para uma pilha especial, no gabinete, onde repousavam semanas.
O magistrado também não gostava de sentenciar. Enfim era - como definia um ex-presidente da associação de classe - "um juiz que não gostava de processos".
Nesse contexto, quando no topo da pilha surgia um processo complicado, o "Doutor Filho" lançava um despacho evasivo: "Comprovem as partes, em prazos sucessivos, a legitimidade ativa e passiva". E assim se perdiam um mês ou mais.
"É o juiz dos acervos..." - admitiam alguns servidores. "É o magistrado das pilhas..." - diziam outros.
Certo dia, um advogado (o "Doutor Heitor", OAB de número cinco mil e pouco) caprichou numa petição com letras garrafais em vermelho: "As partes já cansaram de peticionar; por isso, diga agora o juiz quando vai prolatar a sentença".
O juiz "Doutor Filho" levou um choque. Para livrar-se do problema, encaminhou imediato pedido de férias atrasadas, prontamente deferidas pela Corregedoria. Foi designado, então, para a substituição o "Doutor Jorge", magistrado recém chegado à comarca da capital. Quando o magistrado titular passou a jurisdição temporária ao novel juiz, aquele fez a este um discreto mas objetivo pedido: "Sentencie, por favor, este processo do Doutor Heitor, senão vou ter que me dar por impedido".
Afável, o jovem magistrado atendeu à solicitação, resolvendo em três dias a lide que há dois anos e meio dormitava em idas e vindas, pilhas e acervos.
Um mês depois, o "Doutor Filho" voltou à titularidade da vara e à rotina do "diga o autor", "diga o réu". Menos nos processos do "Doutor Heitor", que passaram a ser expeditamente sentenciados.
Em tempo - Não deixe de ler a matéria logo abaixo. Ela explica como é o novo penduricalho. Tem tudo aer com o eminente "Doutor Acervo".

Fundo pra quem?

Definição ouvida na bem frequentada rádio-corredor da OAB/RS, na sexta-feira passada: "Resumindo, o fundo eleitoral é um dinheiro desviado da saúde, da segurança e da educação do povo, para eleger as próximas pessoas que irão desviar o dinheiro da saúde, da segurança e da educação do povo".
Não houve controvérsias.

Alvíssaras!

Certeira e apropriada a indicação - feita por Leonardo Lamachia, presidente da OAB/RS - do nome do advogado Airton Ruschel para ser o próximo presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da entidade.
Um dia o Espaço Vital lhes contará estórias de alguns processos que prescreveram: é um misto de pandemia, segredos processuais e conformadas tartarugas.

Loucura?

Quando o leitor fizer reminiscências conclusivas de que 2020 e 2021 foram anos loucos, lembre-se da frase realista do próximo parágrafo.
Em 2022 um homem condenado vai disputar eleições presidenciais com o ex-juiz que mandou prendê-lo.

Forno alegre, vermelho...

Caramba! A Editora L&PM está lançando nova edição - revista e ampliada - do "Dicionário Porto-Alegrês", obra do professor Luís Augusto Fischer. O livro coloca a cidade no mapa linguístico do país e revela uma oculta dimensão de nossa gente, que se expressa num linguajar característico.
Uma das novidades é a inclusão da expressão Imprensa Vermelha Isenta, criação do gremistão e engenheiro civil Ricardo Wortmann. A sigla insinua que "a imprensa gaúcha é colorada, é vermelha, torce pelo Inter". (Parece ser verdade).
Eis mais expressões novas: "Bota uma manguinha". É frase de mãe para filho - tenha ele 7 ou 70 anos - na despedida, quando ele vai sair de casa. Significa levar um casaquinho, um abrigo para a eventual intempérie, para o frio, que pode ser traiçoeiro".
"Deixa quieto": frase que resume toda uma sabedoria de cautela, de aviso, de esperteza:
"Bebaço": aumentativo de bêbado, com esse sufixo que tanto apreciamos aqui no sul.
"Forno alegre": nome de Porto Alegre nos verões, especialmente nesse janeiro arrasador que recém passamos.

Baixa representatividade

Ainda é baixa a representatividade de mulheres em cargos de poder relacionados à Justiça. Embora o Brasil tenha mais advogadas do que advogados, (são 624.285 mulheres e 615.989 homens inscritos na OAB), apenas 5 das 27 seccionais são presididas por mulheres - ou seja, 18,5%. Mas 22 advogadas ocupam as vice-presidências estaduais. Entre elas, no RS, a canoense Neusa Bastos.
Em um recorte de 61 tribunais - os superiores, os regionais federais, os estaduais e os do trabalho -, apenas 18 são presididos por mulheres. O número representa 29,5%.

Adiamento cautelar

Por cautela sanitária, a posse solene da nova diretoria e dos conselheiros da OAB/RS foi transferida para 11 de abril. A data coincide com o 90º aniversário de fundação da entidade.
Leonardo Lamachia é o 24º presidente empossado. O primeiro foi Leonardo Macedônia Franco e Souza (1932/1938). A entidade teve, até hoje, apenas uma presidente mulher: Cléa Carpi (1989/1990). Ela é carinhosamente reconhecida como "A Sempre Presidente".

Veranum tempus... Veranum tempus...

Chegou discretamente - e já está implantada com efeito retroativo a 1º de janeiro - a "gratificação de acúmulo de acervo de 1º e 2º graus de jurisdição" do TJRS. É um bem ajambrado jeito de aumentar em um terço os subsídios da magistratura gaúcha. A grana extra será devida por acumulação de juízos ao magistrado que exercer tal função jurisdicional de acúmulo por "período superior a três dias úteis".
Serão gratificados os doutos que estiverem "em atuação em Vara, Juízo ou Núcleo de Justiça com a competência regional ou estadual", ou as excelências que receberem "distribuição anual de feitos superior a 1.200 processos, ou 800 processos em se tratando de unidades especializadas em matéria criminal".
Com paciência e habilidade, o leitor do EV poderá localizar a Resolução nº 10/2021-OE na edição nº 7.122 (13.1.2022) do Diário da Justiça Eletrônico do RS. A norma resume uma decisão do Órgão Especial do TJRS (25 desembargadores) tomada em 13 de dezembro e está assinada pelo desembargador Voltaire de Lima Moraes. A gestão presidencial dele termina hoje.