Indulto natalino cria conflitos de poderes

Decreto editado pelo presidente Michel Temer no ano passado foi contestado por ministros do STF e pelo Ministério Público

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Corte barrou via liminar e, posteriormente, liberou em plenário ao texto editado pelo Executivo
Entre as atribuições do presidente da República, conforme o Art. 84, inc. XII da Constituição Federal de 1988, está a concessão de indulto e comutação de pena. Desta forma, questões comumente associadas ao Poder Judiciário, migram ao líder do Executivo. O indulto natalino trata-se de um perdão do presidente a condenados, concedido na forma de decreto, a todos quantos possuírem as condições previstas. De forma coletiva, os condenados têm as penas extinguidas e crimes perdoados.
A partir do decreto, os sistemas prisionais analisam os processos de execução criminal e encaminham a relação dos nomes que preenchem os requisitos para os juízes das respectivas varas. De acordo com a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) do Rio Grande do Sul, entre 2014 e 2016, 1.829 presos receberam indulto. As sugestões para o decreto são feitas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) com edições posteriores do presidente da República.
No ano passado, o presidente Michel Temer editou o decreto 9.246/2017, que possibilita remissão para quem tivesse cumprido um quinto da pena em crimes praticados sem violência a pessoa e sem limite de pena para concessão. Assim, abria-se a possibilidade de perdão para crimes de colarinho branco, como corrupção - para esses crimes, as penas costumam ser maiores. Um levantamento da Força Tarefa da Lava Jato indicou que 22 presos da operação seriam beneficiados pelo decreto.
Na época, a procuradora-geral da República, Rachel Dodge, entrou com uma ação para derrubar o decreto. Carmem Lúcia, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), deu uma liminar suspendendo cinco regras propostas por Temer - consideradas extremas e permissivas para emancipação de políticos presos na Lava Jato. O ministro Luís Roberto Barroso manteve a liminar e estabeleceu limites para a decisão do presidente. A partir da decisão, Temer não poderia beneficiar condenados à corrupção, a fim de o indulto não tornar-se instrumento de impunidade.
No documento, Barroso afirma que "a concessão do indulto após o cumprimento de uma fração tão pouco significativa da pena enfraquece a função preventiva da reprimenda penal, propiciando à sociedade e ao infrator a sensação de que o crime compensa". Em defesa, o presidente Michel Temer relembrou que os benefícios aplicam-se indistintamente a todas as pessoas nacionais e estrangeiras que se encaixem nas hipóteses previstas no decreto.
Com os acontecimentos à véspera do recesso do Judiciário, a questão voltou a ser julgada apenas em março deste ano, quando Barroso revisitou o decreto e manteve regras preestabelecidas. Tiveram direito apenas presos que cometeram crimes sem grave ameaça ou violência, que cumpriram pelo menos um terço da pena e com condenação inferior a oito anos de prisão. Para corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, o indulto permaneceu suspenso.
O decreto voltou a ser julgado no dia 29 de novembro deste ano, quando seis dos 11 ministros votaram por manter o texto original. Com justificativa, eles compreenderam que a Constituição Federal confere ao presidente o poder de decisão do indulto. Portanto, o Judiciário não poderia interferir nesta decisão. Votaram nesse sentido os ministros Alexandre de Moraes, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.
Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram por derrubar o decreto e excluir de sua aplicação os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público). A decisão foi adiada por dois pedidos de vista. Desta forma, a suspensão de parte do decreto continua válida até o caso voltar a julgamento.
De acordo com o procurador Regional da República, Douglas Fischer, o Decreto de 2017 é o mais clemente dos indultos. Ele lembra que, em 2006, de 23 presos no mensalão, 13 cumpriram menos de um ano de pena - foram libertos no Natal. "O STF deu aval para o presidente não respeitar mais nenhum parâmetro." Ele aponta que o objetivo do indulto é humanitário e busca a diminuição da população carcerária.

Os possíveis beneficiados envolvidos na Lava Jato

  • Antonio Palocci
  • Eduardo Cunha
  • Zwi Skornicki
  • André Luiz Vargas Ilário
  • Jorge Afonso Argello
  • João Cláudio Genu
  • João Luiz Argolo
  • José Carlos Bumlai
  • Nelma Kodama
  • Adir Assad
  • Carlos Habib Chater
  • Ricardo Pessoa
  • Ronan Maria Pinto
  • André Gustavo Vieira da Silva
  • Bruno Gonçalves da Luz
  • Dalton Avancini
  • Eduardo Hermelino Leite
  • Elton Negrão de Azevedo Junior
  • João Ricardo Auler
  • Jorge Antonio da Silva Luz
  • Mário Frederico Mendonça Goes
  • Antonio Carlos Brasil Fioravante Pieruccini

Judiciário poderia estabelecer parâmetros para perdão

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, sustentou que o Decreto 9.246/2017 usurpa funções legislativas e judiciais, violando, assim, a separação dos poderes. Segundo a procuradora-geral, cabe ao Legislativo editar normas que definam condutas penalmente relevantes, descriminalizem ou anistiem as condutas puníveis, pautado por critérios adequados à política criminal.
Existe uma série de benefícios penais cedidos pelo poder Judiciário - como redução de pena e livramento condicional e saídas temporárias. Estes levam em conta diversas questões objetivas, como cumprimento de pena e comportamento do réu. Os benefícios que fogem ao judiciário rompem a ordem natural de poderes, de acordo com Carlos Eduardo Rodrigues Bandeira, advogado especialista em Direito Penal e doutorando em Direito Político e Econômico.
"O indulto é uma ação do executivo que sobrepõe o poder Judiciário", afirma Bandeira. De acordo com o advogado, o ato é um perigo para a democracia, pois é resquício de uma política penal que não funcionou. Conforme ele, a tradição de concessão de perdão nasceu da clemência monárquica, quando reis e imperadores absolviam condenados. Na época, as condições se davam por características dos crimes, parentescos ou questões sociais. A tradição passou dos monarcas ao poder Executivo.
"A teoria democrática deve se aprofundar e permitir a deliberação aos poderes e à sociedade", complementa. A clássica teoria da separação de poderes sugere que estes não hajam separadamente, mas complementem-se.
O advogado sugere que seja função do Judiciário a deliberação de quais tipos de crimes e sentenciados serão alvo do perdão presidencial, não de maneira generalizada ou sem parâmetros: um instituto que vá direto ao ponto. "Em crimes de corrupção as vítimas somos todos nós, cidadãos. O pior sentimento que o judiciário pode experimentar é a impunidade alimentada pelo indulto", finaliza.