Empresas familiares brasileiras começam a investir em governança

Organizações estão no estágio 'inicial' de desenvolvimento em compliance, mas cada vez mais interessadas no assunto

Por Roberta Mello

Participaram da autoavaliação empresas de diferentes portes de 21 estados e atuantes em diversos setores
Grande maioria entre as empresas brasileiras, as companhias de capital fechado, principalmente familiares, começam a se preocupar com a implementação de práticas de governança corporativa. A pesquisa Métrica de Governança Corporativa - Os caminhos trilhados pelas empresas de capital fechado, realizada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e pela PwC, aponta que, em geral, essas empresas encontram-se no estágio "inicial" de desenvolvimento em governança, mas interessadas no assunto.
O resultado demonstra, ainda, que elas passaram do estágio chamado "embrionário", mas ainda têm um longo caminho pela frente para dar conta das diretrizes contidas nos estágios "intermediário" e "avançado". A pontuação média obtida pelas mais de 200 participantes foi 34,6 (a escala vai de 0 a 100).
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Companhias abertas adotam 51% das boas práticas recomendadas pela CVM

As companhias brasileiras de capital aberto adotam, em média, 51,1% das práticas recomendadas pelo Código Brasileiro de Governança Corporativa para as companhias de capital aberto. A taxa é resultado da análise quantitativa dos informes de governança 2019, documento que passou a ser entregue este ano por todas as companhias registradas na categoria A da Instrução 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). As companhias mais líquidas da bolsa (95 ao todo) estrearam a entrega do informe de governança ainda em 2018. Entre elas, a taxa de aderência subiu de 64,6% para 67,6%.
Para o gerente de Advocacy do IBGC, realizador da pesquisa ao lado da EY e TozziniFreire Advogados, Danilo Gregório, a melhora "é sinal de evolução e de que o modelo 'pratique ou explique', em alguns casos, está cumprindo seu papel de promover a reflexão contínua sobre as práticas de governança adotadas". O modelo Pratique ou Explique foi escolhido para ser adotado no Brasil. Nele, as companhias têm a oportunidade de informar ao mercado se seguem as práticas recomendas ou não -podendo justificar o porquê de não adotá-las.
O levantamento apontou que as companhias integrantes do Novo Mercado não se diferenciam das listadas nos demais segmentos especiais. A taxa de aderência média das empresas do segmento foi de 60%, igual à do Nível 1 e ligeiramente abaixo do Nível 2 (62%). A pesquisa evidenciou ainda a diversidade das companhias brasileiras quando o assunto é governança corporativa. A partir dos 338 informes analisados, identificou-se que a empresa de melhor desempenho cumpre 98% das recomendações e a de pior, 8,7%.
A gerente sênior de consultoria da EY, Denise Giffoni, reforça a importância de estruturar um processo para revisão de práticas de Governança Corporativa como um exercício constante de avaliação com o conselho, comitês e alta gestão. "Já observamos um avanço das companhias que preencheram o informe pelo segundo ano, com maior aderência às práticas mais processuais e formalização. Há espaço para discussão do aprimoramento de estruturas e suporte à tomada de decisão", ressaltou Denise.
Além disso, ela chama atenção para o fato de que os pontos menos praticados pelas companhias, ou seja, em que foram encontrados menor aderência, dizem respeito à gestão de pessoas. "Isso traz o questionamento: como a companhia está preparada para lidar com a tomada de decisão? Como está lidando com a diversidade?", salientou Denise.
"O informe entra para valer na agenda das companhias abertas. Trata-se de uma reflexão que precisa acontecer de forma contínua, de modo a garantir a evolução em termos de transparência e de comunicação com o mercado", diz o sócio do TozziniFreire Advogados, André Camargo.
Entretanto, conforme os especialistas, a submissão das informações este ano foi deixada para a última hora pelas companhias em geral. A Instrução 480 da CVM prevê multa para quem não entregar o relatório.

Conheça os princípios básicos

  • Transparência - Consiste no desejo de disponibilizar para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos. Não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que conduzem à preservação e à otimização do valor da organização;
  • Equidade - Caracteriza-se pelo tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders), levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas;
  • Prestação de contas (accountability) - Os agentes de governança devem prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões e atuando com diligência e responsabilidade no âmbito dos seus papéis;
  • Responsabilidade corporativa - Os agentes de governança devem zelar pela viabilidade econômico-financeira das organizações, reduzir as externalidades negativas de seus negócios e suas operações e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu modelo de negócios, os diversos capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional, etc.) no curto, médio e longo prazos.

Para especialista, ética tem que fazer parte de processos corporativos

"A ética não pode ser entendida como a antítese da corrupção. Não devemos tomar a corrupção como referência para discuti-la por razões muito simples: corrupção é assunto para justiça e não para ética", afirmou um dos maiores especialistas em governança corporativa, fundador e instrutor do IBGC, Lélio Lauretti. Confiante de que a corrupção está em processo de extinção com seus alicerces ruindo ele mantém o otimismo em relação à melhora no ambiente de negócios brasileiro.
Lauretti destaca que não existe o sigilo absoluto, a cumplicidade entre os infratores é relativa e uso de papel moeda está diminuindo. A impunidade também é menor. "A ética está crescendo, muito favorecida pelo maravilhoso sistema de comunicação", disse Lauretti.
"A governança corporativa é a continuidade do trabalho da gestão empresarial acrescido de princípios éticos", afirmou Lauretti. Para ele, a ética se materializa nos princípios da governança e a transparência favorece o combate à corrupção.
Sobre as recentes mudanças tecnológicas e a substituição das relações humanas, Lauretti é categórico ao afirmar que não se tratam de posturas adequadas. Segundo o especialista, não se pode confundir vidas humanas com estatística.
A maximização de receitas com a substituição do trabalho das empresas por máquinas gerando o desemprego das pessoas não é algo correto, segundo Lauretti. "As empresas existem por que recebem apoio de diversas formas e devem retribuir isso. Você tem que considerar outros capitais que não apenas o financeiro, dentre eles, o capital humano", frisou.