Situação dos táxis de Porto Alegre é a pior da história

Covid-19 derruba rendimento em até 80% de taxistas e categoria busca formas de levantar do tombo

Por JC

Fotos da fila de táxis e de taxistas na Rodoviária de Porto Alegre para caderno Empresas e Negócios.
Até meados de 2014, um táxi sustentava três motoristas, que se revezavam em três turnos de trabalho. Com a popularização dos aplicativos de transporte, a partir de 2015, o número de motoristas caiu para dois. Veio a Covid-19 e ficou apenas um: ou o dono da licença do táxi ou quem aluga do dono.

Pandemia freia taxímetros

A renda dos taxistas de Porto Alegre algumas ações ainda buscam trazer o segmento aos anos áureos que um dia já viveu. O percurso, no entanto, ainda é longo. Cheio de curvas e incertezas.

Mudança no sistema de emissões de licenças passa a valer em 2020

Há pouco mais de 10 anos, ser permissionário de táxi em Porto Alegre era sinônimo de vida confortável. Os valores para ter a placa vermelha na Capital podiam oscilar entre R$ 100 mil e R$ 300 mil, variando de acordo com a valorização do ponto que o carro era registrado. Na época, os vermelhos ibéricos circulavam sem concorrência. "Comprei a permissão no início dos anos 1980. Trabalhei duro por sete anos até conseguir o valor da permissão, em torno de R$ 100 mil", lembra Luiz Nozari, presidente do Sindicato dos Taxistas de Porto Alegre (Sintáxi).
A partir de 2011, foi bloqueada a transferência das permissões - que já eram tidas como intransferíveis pela Constituição de 1988, mas até então sem o decreto para fazer cumpri-la. Com a chegada da concorrência dos aplicativos, perderam totalmente seu valor e o mercado informal deixou de existir.
 

Entidades e poder público traçam planos para retomar competitividade

Nos últimos cinco anos, entidades do setor taxista e o poder público têm desenvolvido ações para tornar o táxi mais competitivo. Nova identidade visual, congelamento da bandeirada inicial em R$ 5,18 e do quilômetro rodado em R$ 2,59 a partir de 2016, possibilidade de pagar a corrida com cartão e obrigação do exame toxicológico anual para os condutores são alguma das ações.
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O que explica a debandada de motoristas?

Nos últimos seis anos caiu quase pela metade o número de taxistas de Porto Alegre. Um dos motivos para a debandada é a queda no rendimento da profissão, que viveu anos dourados antes da popularização de aplicativos como Uber e 99 Pop. Hoje são pouco mais de 5 mil profissionais espalhados entre os 309 pontos de táxi da Capital.
"Eu sou dono do carro e, antes, um motorista trabalhava um dos turnos com o veículo. Agora o táxi não alimenta duas famílias", diz Paulo Lemos, taxista do ponto da esquina entre a avenida Getulio Vargas e a rua Saldanha Marinho.
Porém, segundo entidades do setor e prefeitura, o principal motivo para a grande redução de taxistas é em razão da obrigatoriedade do exame toxicológico anual, em vigor desde 2018. "Foi uma das melhores medidas tomadas para o táxi, pois mandou embora os maus profissionais e qualificou nosso serviço", diz Walter Barcelos, presidente Associação dos Permissionários Autônomos de Táxi Porto Alegre (Aspertaxi).
Segundo pesquisa interna do Sindicato dos Taxistas (Sintáxi) realizada em 2017, a categoria tem um nicho de mercado de 15% da população. "Passamos a trabalhar para clientes que preferem pagar um preço justo por um serviço mais seguro", salienta.
Veja a regressão de táxis e taxistas em Porto Alegre
01/09/2020
  • 3.775 prefixos registrados
  • 5.292 condutores cadastrados ativos
18/10/2019
  • 3.817 prefixos registrados
  • 6.305 condutores cadastrados ativos
21/12/2018
  • 3.886 prefixos registrados
  • 7.682 condutores cadastrados ativos
06/11/2017
  • 4.000 prefixos registrados
  • 10.000 condutores cadastrados ativos
11/05/2016
  • 3.925 prefixos registrados
  • 10.000 condutores cadastrados ativos
17/12/2015
  • 3.920 prefixos registrados
  • 10.000 condutores cadastrados ativos
25/04/2014
  • 3.920 prefixos registrados
  • 10.000 condutores cadastrados ativos
FONTE: EPTC

Mesmo com resistência, apps são válvula de escape para motoristas

Na luta por um espaço de destaque no mercado de transporte individual, faz parte do jogo usar as mesmas armas do oponente: neste caso, a tecnologia. Por isso, desde 2016, empresas e entidades do setor têm buscado se adequar à era dos aplicativos, mesmo que ainda haja certa resistência dos motoristas. Muitos dos taxistas ouvidos pela reportagem do Jornal do Comércio fazem cara feia só de ouvir a palavra "aplicativo".
Outro motivo para não adesão em massa é a descentralização: são 220 taxistas cadastrados do app do Sindicato (Sintáxi) e 210 no app do Tele Táxi Cidade, mas ainda há outros apps na cidade, como o 99Táxi, inDriver e Cabify.
Para o taxista Elias Kaspary, do ponto do Capitólio, o momento exige que os motoristas se atualizem e entrem nos aplicativos. "Não se pode ficar parado no tempo", sentencia. Kaspary, que já aderiu ao app do Sintáxi e à plataforma inDriver, esta recém-lançada e fora da área de atuação da Capital. Agora, ele espera pelo lançamento do aplicativo da prefeitura para poder ingressar também.
Segundo o Sintáxi, 90% das corridas pelo aplicativo são através de convênio com empresas. "Há pouca adesão de clientes físicos, mas já temos uma rede com 50 empresas, onde somos responsáveis pelo transporte de funcionários", diz Luiz Nozari, presidente do Sintáxi.
O Sindicato disponibiliza um sistema virtual para as empresa em que cada uma recebe uma senha. Neste sistema, o gestor pode pedir seu táxi ou agendar corridas com até 30 dias de antecedência. Para o associado do Sintáxi, o app tem custo mensal de R$ 30,00, e ao não sócio, de R$ 50,00.
"O que temos visto, com tristeza, apesar de nos beneficiar, é que o sistema público de transporte está muito mal. As empresas que nos procuram geralmente são indústrias, grandes empresas, escritórios. Por aí que se dá a maioria das corridas pelo aplicativo", acrescenta Nozari.
No caso da Tele Táxi Cidade, tradicional rádio operadora de Porto Alegre, o serviço por aplicativo caiu bastante durante a Covid-19, principalmente em razão da debandada de mais de 50% dos taxistas associados. O custo mensal para o motorista acessar o aplicativo é de R$ 420,00, o que acabou pensando na decisão dos profissionais em sair. "Como tínhamos muitos sócios idosos ou profissionais com familiares no grupo de riscos, pararam de pagar as mensalidades pois não saíam de casa", contextualiza Vilson Camargo dos Santos, sócio diretor da Tele Táxi Cidade.

Aplicativo da prefeitura poderá centralizar corridas de táxi em Porto Alegre

A prefeitura de Porto Alegre também planeja desenvolver um aplicativo para as corridas de táxi na cidade, que deverá se chamar "TáxiPOA". A ideia é contratar uma empresa privada para construção e manutenção da plataforma. Para a prefeitura não haverá custos nem ganhos. Já a empresa licitada poderá ser remunerada com até 10% do valor de cada corrida - descontado do taxista.
A iniciativa segue o modelo do app da prefeitura do Rio Janeiro, que desenvolveu o "TÁXI.RIO" em parceria com uma empresa privada e já realizou mais de 12 milhões de corridas no dois últimos anos. De acordo com os mesmos padrões, fica de responsabilidade da empresa: manutenção e pleno funcionamento do aplicativo, cadastro de condutores e passageiros; segurança dos dados; gestão das corridas e suporte aos taxistas e passageiros.
"No Rio, houve forte adesão da categoria à plataforma do município, mesmo com apps privados, porque acaba sendo mais barato para o taxista. É que esperamos para Porto Alegre: que seja mais prático e acessível para o motorista", diz Fabio Berwanger Juliano, diretor presidente Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto alegre (EPTC). O presidente lembra que um novo aplicativo não exclui os já disponíveis no mercado da Capital.
Outra importante função do app público, que é uma demanda antiga da categoria, será a de congregar os taxistas que hoje estão fragmentados em diversas plataformas privadas, mas nenhuma com um volume expressivo de corridas. "Para pessoas de outra cidade que vêm visitar a Capital, um app oficial do município também dá a sensação de mais segurança ao usuário", acrescenta Juliano.
O presidente do Sintáxi, Luiz Nozari, salienta que se o futuro novo app "concorrente" for eficaz e bom para o taxista, a entidade vai avaliar a suspensão da plataforma do Sintáxi. "Se o aplicativo for bem aceito pela categoria e população, talvez não precisa mais do nosso, até porque ele é bastante oneroso", afirma. O pregão, que tinha prazo limite para envio das propostas até dia 11 de setembro, foi impugnado. Em nota, a EPTC informou que em razão de questionamentos, o edital foi suspenso. "Os questionamentos e pedidos de impugnação estão em análise pela equipe da Prefeitura e/ou EPTC serão respondidos nos próximos dias".
 

Confira os benefícios do app

Vantagens para usuários:
  • Melhoria no serviço prestado
  • Diferentes formas de pagamento
  • Descontos nas corridas
  • Avaliação dos taxistas
  • Acesso à central de atendimento via telefone, chat e portal para suporte geral ou técnico
 
Vantagens para motoristas:
  • Redução do dinheiro a bordo
  • Ofertar diferentes categorias: comum, executivo e acessível
  • Oferecer descontos de até 40% aos usuários
  • Acesso ao Módulo Gestor para saldo, relatório e avaliações dos usuários
FONTE: PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE

Congelamento da frota supervalorizou placas vermelhas por décadas

De 1973 até 2015, nenhuma permissão foi emitida pela prefeitura de Porto Alegre: um vácuo de mais de 40 anos sem ampliação da frota de táxi na cidade. O resultado foi a supervalorização das placas vermelhas na Capital, que chegavam a custar R$ 400 mil.
No documento gerado pela prefeitura, no entanto, a transferência era classificada como "sem valor de venda". O mercado seguiu até metade dos anos 2000 mesmo assim. O artigo 175 da Constituição Federal de 1988 incumbe ao Poder Público a emissão das concessões de táxi no modelo de licitação, que são intransferíveis. No entanto, o texto de 1988 não mudou nada na rotina dos táxis até 2010.
"Só em 1995 que o artigo foi regulamentado em lei, determinando período de até 15 anos para o município se adequar ao modelo. Passou o prazo e as transferências foram bloqueadas", explica Luiz Nozari, presidente do Sindicato dos Taxistas de Porto Alegre (Sintáxi).

Troca de sistema prevê capacitação obrigatória

O profissional que vai trocar a Permissão para Autorização, ou transferir o título, vai precisar fazer curso à distância no Serviço Social do Transporte (Sest) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat). O curso é gratuito para quem tem algum vínculo (mesmo cargo administrativo) com empresa de transporte, ou autônomo para atuar como transportador (os Microempreendedores Individuais - MEI). Para quem não tiver como provar algum destes casos, o custo é de R$ 280,00.
O curso tem duração de duas semanas, com cinco horas diárias de atividades. As aulas são realizadas de forma totalmente on-line, por videoconferência, no turno da noite. A EPTC participa do módulo institucional, com dez horas de aula, e que trata sobre a empresa e o sistema público. Além disso, os agentes apresentam o dia a dia do taxista a partir de relatos de um profissional convidado.
Se o taxista for trabalhar em ponto fixo deverá realizar também o curso de formação de Ponto Fixo e Turismo, que custo R$ 230,00 para todos os interessados. Quem já é taxista e não tem o curso, mas precisa deste registro para fazer a conversão de Permissão para Autorização, paga R$ 26,13.
 

Era do novo coronavírus transforma completamente a rotina de corridas

"O tempo de trabalho segue o mesmo. O que muda é o que a gente recebe: tem sido cada vez menos", lamenta o taxista Dorvalino Severo, que atua no ponto da Estação Rodoviária de Porto Alegre. Ano passado, ele chegava a fazer 15 corridas por expediente. Hoje, comemora quando alcança oito. "Mas as coisas estão melhorando pouco a pouco", acrescenta, de forma positiva.
O profissional do táxi trabalha, em média, 12 horas por dia. Em consulta realizada com 30 taxistas, em 12 pontos de táxi dos bairros Cidade Baixa, Centro Histórico, Menino Deus, e na Estação Rodoviária de Porto Alegre, se identificou que, do total de entrevistados, 10 (33%) reduziram em até quatro horas o tempo de trabalho. "Não tem mais movimento para a carga horária antiga, então é um gasto ficar na rua", explica um dos entrevistados.
As maiores quedas de faturamento estão na Estação Rodoviária, onde a média dos ganhos é 80% menor do que antes da pandemia. "O movimento que foi há dez anos não volta mais, mas a gente espera que melhore quando reabrir o comércio e as viagens de ônibus. Hoje, atravessamos a pior situação no ponto da Rodoviária", diz o supervisor do local, Ademir Nissa.
A Estação Rodoviária é o maior ponto de táxis da Capital, com 370 prefixos cadastrados, seguido pelo Aeroporto Internacional Salgado Filho, com 209 prefixos. No Ponto do Capitólio, localizado na Avenida Borges de Medeiros, e com 36 carros cadastrados, a queda chega a 70%, segundo média dos relatos. Em locais perto de supermercados e farmácias o prejuízo é menor, como nos pontos da rua Lima e Silva com Luiz Afonso e no da avenida Getúlio Vargas com rua Caldwell, onde o média do registro de queda atingiu 50%.
Entre os entrevistados, 14 taxistas (47%) são permissionários de seus veículos. Destes, nove compraram o documento. Apenas três receberam a permissão por licitação pública. Os outros são hereditários. Entre os 16 autorizatários (53%), seis não pretendem buscar a Autorização junto à Prefeitura de Porto Alegre.
Apenas um dos entrevistados começou no táxi há menos de dois anos. A média do tempo de profissão atrás no volante é de 30 anos. Embora existam cerca de 200 condutoras taxistas em Porto Alegre, nenhuma delas foi encontrada durante visitas aos pontos de táxi.
 

*Pedro Carrizo

* Jornalista formado pela Universidade Ritter dos Reis, Pedro Carrizo teve passagens pelo Jornal do Comércio e, hoje, atua como free-lancer.