Brasileiros recorrem ao 'bico virtual' para reforçar renda

Empreender na internet virou um fenômeno em crescimento

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Realizar vendas on-line, com o uso das redes sociais, foi uma das alternativas encontradas
Até poucos anos atrás, muitos desempregados viviam de "bicos". A gíria traduz o trabalho informal ou temporário que garante uns trocados e a sobrevivência. Em tempos de internet, com as famílias cada vez mais conectadas, o acesso às redes sociais e o barateamento do custo para montar uma loja virtual, o "bico 2.0" virou um fenômeno com tendência de crescimento entre os brasileiros.
O movimento rumo à sobrevivência via plataformas on-line é recente. Entre junho de 2018 e junho deste ano, a abertura de lojas virtuais cresceu quase 40%, segundo pesquisa da empresa de pagamentos on-line PayPal Brasil. Para se ter ideia do avanço, no período entre 2017 e 2018, o crescimento havia sido de apenas 12,5%.
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André Dias, coordenador do grupo de trabalho de métricas da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (câmara-e.net) e diretor-executivo da rede de avaliação on-line Compre & Confie, afirma que, da mesma forma que o número de lojas virtuais tem crescido, a mortalidade, evidentemente, também é grande. De cada 10 mil lojas abertas, 8 mil não sobrevivem.

Emprego fixo vira coisa do passado

Com oito anos de experiência na indústria de produtos lácteos, Daniel Batista não titubeou quando perdeu o trabalho no início do ano passado. Com a fila do desemprego crescendo, preferiu apostar no sonho antigo do negócio próprio e montou, em outubro, o Cheesebox - loja virtual que vende queijos e frios. "Nem fui atrás de emprego fixo", diz ele. "Investi quase toda minha rescisão nesse novo negócio, que está indo muito bem."
No último mês, Batista decidiu incrementar a empresa e criar um programa de assinaturas, no qual o cliente opta por um plano e recebe todo mês uma cesta de produtos, como queijos, frios e geleias. Desde o lançamento, conseguiu 215 assinaturas. "Sou assinante de clubes de cervejas e de vinhos, e pensei: por que não fazer algo semelhante com queijos?"
Batista diz que, apesar de o retorno estar sendo bom, teve de abrir mão de algumas coisas para colocar a loja de pé. Tirou do orçamento viagens e diminuiu idas a restaurantes. "Tivemos de dar uma segurada nas contas e fazer alguns sacrifícios", diz. "Afinal, meu rendimento ainda é menor se comparado ao da empresa."
Segundo ele, ainda não foi possível obter o retorno de todo o investimento feito. Mas Batista calcula que, em mais oito meses, terá pago todo o negócio. Sem funcionários, toda a parte operacional e comercial é por conta dele. Mas ele tem a ajuda da mulher, Vivian, para bombar os produtos nas redes sociais. "Por ora, não quero saber de emprego fixo."

Nutricionista se reinventa na rede

Formada em Nutrição, Vanderleia Alves teve muita dificuldade para encontrar emprego após deixar a faculdade. Ficou três anos desempregada e teve de recorrer aos bicos em outras áreas para pagar as contas no fim do mês. As vendas pela internet ocorreram por acaso, graças à filha, que se tornou influenciadora digital.
Com muitos seguidores no Instagram, sua filha começou a receber produtos de empresas. Alguns deles eram suplementos alimentares. "Tive a ideia de pegar os produtos para revender", diz Vanderleia. Inicialmente, ela vendia apenas para amigos, mas o negócio foi crescendo com a propaganda "boca a boca".
O próximo passo foi criar uma loja virtual, a Bioarcos Nutry. "Em termos financeiros, estou começando, mas já penso em incluir outros itens no site, como produtos naturais e linha fitness", afirma Vanderleia. Ela diz que, ao escolher Nutrição na faculdade, sabia que era uma área difícil de encontrar emprego.
Imaginava que conseguiria trabalhar em controle de qualidade. Cursou uma pós-graduação em Segurança Alimentar e Qualidade de Alimentos na Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). A realidade, no entanto, foi bem diferente.

Motivos práticos justificam explosão dos lojistas virtuais

Há motivos práticos para a explosão dos lojistas virtuais. "A facilidade das plataformas de comércio eletrônico, que chegam a ter custo mensal de apenas R$ 9,00, explica o forte crescimento das lojas virtuais", afirma André Dias, coordenador do grupo de trabalho de métricas da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (câmara-e.net) e diretor-executivo da rede de avaliação on-line Compre & Confie.
De acordo com Dias, outro fator que tem impulsionado as pessoas a tentar empreender na internet é o avanço dos marketplaces, que são grandes centrais para o comércio eletrônico nas quais se juntam milhares de lojistas. O consumidor sabe que encontrará o que busca. Já o vendedor consegue público para suas ofertas.
Exemplo da tendência é a plataforma Nuvemshop, que hospeda cerca de 11 mil lojas virtuais. Segundo Luiz Natal, diretor da plataforma, o número de sites hospedados cresceu 27% do ano passado para cá. Da atual base de clientes, ele calcula que entre 50% e 55% das lojas pertencem a autônomos.
É fácil de entender o motivo dessa expansão acelerada. O custo para criar um comércio eletrônico começa em R$ 49,90. Por esse preço, o empreendedor consegue fazer com que sua loja aceite vários meios de pagamento. Também pode usar ferramentas de marketing e estatísticas para a gestão do negócio. Em várias plataformas é possível, inclusive, criar uma loja estruturada com meios de pagamento e logística em até 15 minutos.

Perfil de empreendedores é variado

O perfil dos brasileiros que têm decidido se aventurar pelo comércio eletrônico é variado. Há desde os pouco familiarizados com a internet até jovens que dominam com grande intimidade as ferramentas on-line. Na Elo7, plataforma que inclui 110 mil vendedores, 90% são mulheres e 50% têm entre 25 e 35 anos. "O aumento do número de famílias conectadas elevou o potencial de compra on-line", afirma Carlos Curioni, presidente da Elo7.
Segundo ele, o crescimento do número de vendedores na plataforma ficou entre 60% e 70% no último ano e o das vendas, em 40%. A maior parte das lojas são voltadas a nichos, como artigos para bebês, casamento e moda. O cenário se repete em outros marketplaces. Os produtos vendidos variam de bijuterias, cosméticos e suplementos de academia.
No portal UOL, cujo plano básico mensal custa R$ 59,99, houve aumento de 30% na criação de páginas de e-commerce em 2018. Para Marcelo Varon, diretor de produtos digitais, o salto se deve tanto aos autônomos que buscam ter uma segunda renda quanto aos brasileiros que estão desempregados e precisando se virar. "Tem um pouco dos dois, um por necessidade e outro que quer ter seu próprio negócio", disse Varon.