Governo gaúcho pagará R$ 3,3 milhões para Fipe calcular PIB no lugar da FEE

Contrato sem licitação foi firmado no mesmo dia da desativação da FEE

Por Patrícia Comunello

Pesquisa de emprego deixará de ser feita no Estado após 25 anos
No mesmo dia em que foi oficializada a desativação da Fundação de Economia e Estatística (FEE) em decreto publicado no Diário Oficial do Estado, o governo gaúcho formalizou contrato pelo qual pagará R$ 3,3 milhões por ano para a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) fazer o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), principal indicador da economia estadual. A Fipe é uma instituição privada com sede em São Paulo. Serão R$ 6,6 milhões para os dois anos de contrato, duração informada pelo site do governo nessa quinta-feira (5), que não citou o valor do serviço.
O Estado preferiu contratar na área privada o serviço em vez de utilizar os pesquisadores deslocados da FEE, e que já atuavam com o PIB e outros cálculos, para o Departamento de Economia e Estatística (DEE), criado em março dentro da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG) para assumir as atribuições da FEE, como diz o próprio decreto que encerrou a atividade da fundação pública extinta pela Assembleia Legislativa.
Outras cinco instituições estão na lista e ainda não tiveram decretos publicados de fim das atividades, são elas Fundação Piratini (TVE e FM Cultura, Fundação Zoobotânica, Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH) e Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan). Decisão judicial recente impediu o fechamento da Metroplan
A Fipe foi contratada com dispensa de licitação para elaborar o PIB, que era feito em convênio da antiga FEE com o IBGE -, e ainda o índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese), criado pela fundação gaúcha desativada, e uma análise de emprego e desemprego, que usará dados de trabalho formal disponíveis em órgãos como o Ministério do Trabalho, informou o titular da pasta, Josué Barbosa, que assumiu nesta quinta-feira o cargo. 
Com isso, fica oficializado que a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), que era realizada há mais de 25 anos pela FEE, deixará de ser feita. A PED contava com coleta de dados mensais de amostra de domicílios em cidades da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) e era feita com Dieese e Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (Fgtas), com recursos do Ministério do Trabalho. A secretaria alegou revisão do perfil da pesquisa.
A PED atual permite maior exame do mercado local para fins até de definição de ações públicas e capta dados de emprego formal, informal e características de gênero, cor, idade, tempo de busca de trabalho e remuneração. Uma das justificativas para não seguir a PED é que hoje a apuração ocorre em poucas regiões do País. 
Barbosa diz que a dispensa da licitação levou em conta a tradição em pesquisa aplicada da fundação de São Paulo, alegação que segue o chamado notório saber, e citou que a instituição já presta serviço ao Estado, como o cálculo da tabela Fipe, usada na atualização dos valores para incidência do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). "Ela é bem conhecida, faz trabalhos em outros estados e municípios", disse o secretário.
A Fipe não tem no portfólio elaboração de PIB, mas principalmente indicadores e análises sob encomenda. Um deles é a pesquisa sobre imóveis à venda, o FipeZap, que é privado. Em contato com um dos integrantes da fundação paulista, em fevereiro passado, a fonte não confirmou que havia a negociação e disse que "conhecia o trabalho da FEE", mas não opinou sobre o fim da instituição. 
O DEE deve concentrar cerca de 50 dos 150 técnicos de nível superior que eram da FEE (analistas e pesquisadores) e vai atuar em outras tarefas, como fiscalizar a execução do trabalho da Fipe, diz Barbosa. "Eles vão fazer a ponte entre a Fipe e a Secretaria Estadual da Fazenda, que repassa dados para o PIB", disse o secretário, que passou de adjunto a titular da SPGG no começo da tarde desta quinta, minutos antes de o antecessor, Carlos Búrigo, assinar o contrato com a fundação paulista. Búrigo deixou o cargo para disputar uma vaga na Assembleia Legislativa. A formalização do contrato foi divulgada no fim da tarde. 
Questionado sobre quanto seria o gasto do Estado se tivesse optado por manter os indicadores com o grupo oriundo da FEE frente ao da Fipe, Barbosa disse apenas que cada pesquisador recebe, em média, R$ 9 mil mensais. Mas o secretário não chegou a citar valores globais. "O novo modelo (do Estado) é contratar fora, porque é mais econômico", justificou o secretário, sobre a opção de buscar a solução privada.
Barbosa ainda apontou a liminar que os funcionários conquistaram na Justiça para manter seus empregos como fator de insegurança sobre o futuro. Segundo ele, pode cair a liminar e o quadro, ser desligado. O desfecho depende de julgamento de recurso do Estado no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas o grupo será mobilizado para fiscalizar o trabalho. Barbosa justificou que os profissionais estão sendo remunerados para fazer o trabalho.  
O governo chegou a conversar com a Fundação Getulio Vargas (FGV) para assumir o PIB, mas a opção foi descartada, porque teria ofertado valor maior para fazer o serviço, disse o secretário. A Fipe, explicou o secretário, terá uma equipe de trabalho na Capital, mas deve finalizar os trabalhos de indicadores e análises na sede em São Paulo. "O contrato já está em vigor", disse o titular da SPGG. A primeira entrega deve ser da análise do mercado de trabalho, antecipou. 
Em nota, a Associação de Servidores da Fundação de Economia e Estatística (Asfee), que convocou uma entrevista coletiva para esta sexta-feira, alertou para "irreparáveis consequências do encerramento das funções desempenhadas há 44 anos pela fundação". A Asfee cita que não houve orientações sobre a organização e manutenção de estudos, informações, estatísticas e indicadores produzidos e divulgados pela FEE.
"Não há garantias de que os dados essenciais para o planejamento e a produção de políticas públicas acessados de modo gratuito por governos, universidades, empresas e sociedade em geral seguirão sendo produzidos e disponibilizados", previne a Asfee. O titular da SPGG disse que a intenção é manter estudos, mas não especificou quais, e o acesso a dados. Também confirmou que muitos dos profissionais atuarão em outras pastas, que já mostraram interesse em receber os integrantes do quadro a FEE.

'Não imagino que o IBGE não vai concordar', diz o titular da pasta de Planejamento

A divulgação do PIB de 2017 e trimestral está atrasada. A data prevista era 27 de março. O governo ainda não tem calendário para a divulgação. A equipe responsável pelo trabalho enviou documento ao então secretário de Planejamento, Governança e Gestão, Carlos Búrigo, alegando insegurança de manipular dados, já que o convênio que resguardava o sigilo de informações foi celebrado entre o IBGE e a FEE, agora com atividades encerradas. O temor é de sofrer inclusive processo por violar dados estatísticos.
O agora titular de Planejamento, Governança e Gestão, Josué Barbosa, espera que os técnicos deslocados para o Departamento de Economia e Estatística (DEE) completem o PIB de 2017. Segundo Barbosa, a Fipe fará o cálculo daqui para frente. Barbosa não quis comentar o argumento usado para não fazer o indicador e devolveu a questão: "Por que está atrasado?". 
O convênio em vigor prevê compartilhamento de metodologias e dados e sigilo sobre as informações, por envolver dados que podem revelar as receitas de empresas. Barbosa diz que houve publicação de atos jurídicos sobre a criação do DEE e que foi enviado ofício ao IBGE, na semana passada, sobre a mudança e que a responsabilidade do convênio ficaria com a pasta. A assessoria de imprensa do IBGE informou que a instituição recebeu nessa quinta-feira a comunicação do Estado sobre a FEE e está "analisando" o teor, antes de se pronunciar. 
"Não imagino que o IBGE não vai concordar", comentou Barbosa, admitindo que não houve tratativas anteriores sobre as mudanças. Ele diz que instrumentos jurídicos foram acionados para transferir a atribuição. O secretário afirma que a atuação da Fipe preserva o sigilo dos dados. "Não pedimos permissão ao IBGE. Somos parceiros, e imagino que continuemos a ser."