Pedro Paulo Bandeira Alves sustentou filhos e netos durante 40 anos com o dinheiro da venda de hortigranjeiros e resíduos recicláveis transportados em sua carroça. Alves, hoje com 67 anos, não esquece do dia em que o cavalo branco "lindo" que tinha ficou doente e morreu. "Aí, resolvi largar esta vida. Eu já estava injuriado, pois me incomodavam na rua com a proibição de trabalhar", narra ele, referindo-se à lei de Porto Alegre que impede carroceiros e carrinheiros de circular pela cidade. "Também não tinha mais idade para aguentar desaforo. Aí, vendi carroça e arreio."
Do antigo ofício, Alves partiu para uma nova profissão, literalmente. Por três meses, em 2016, ele chegou a receber uma ajuda de custo do programa Somos Todos Porto Alegre, voltado a quem atuava com carroças e carrinhos. Enquanto isso, Alves e mais 100 ex-carroceiros, que passavam pela mesma transição, toparam aderir ao projeto da Cooperativa de Transformação Socioambiental (CTSA), que tem apoio da ONG Solidariedade, que atua na zona Sul da Capital, e da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). O grupo aprendeu a produzir blocos para vedação de construções e pavimentação usando resíduos de obras, por isso ganharam o nome de ecoblocos. "Aprendi uma profissão", festejou o ex-carroceiro, na época.
A experiência empolgou o grupo. O associado da cooperativa Carlos Miguel de Oliveira, que sobreviveu da reciclagem puxando carrinho nas ruas da Capital por quase 20 anos, também viu na iniciativa a chance de mudar apostando em uma nova fronteira de trabalho e renda.
O projeto foi enquadrado na Rede Morar TS, que tem recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o que possibilitou compra de máquinas para transformar resíduos de obras. A aluna de Engenharia Civil da Ufrgs Giulia Tomazi Kny explica que o equipamento faz a britagem do Resíduo de Construção e Demolição (RCD). "Tudo que sobra de uma obra usamos. Separamos materiais cerâmicos, pétreos e areia para obter agregados reciclados", detalha Giulia. O Laboratório de Ensaios e Modelos Estruturais (Leme) da Engenharia da Ufrgs apoia em testes de resistência e adequação dos produtos da CTSA a normas técnicas.
Também por anos, a região do Cristal aprovou verbas do Orçamento Participativo (OP), hoje paralisado pela atual gestão municipal. Infelizmente, até hoje, conta o coordenador administrativo da ONG, Sérgio Bueno do Amaral, os recursos nunca chegaram a ser repassados. As verbas seriam usadas para adquirir novos maquinários e melhorar os blocos, diz Amaral.
Em 2016, primeiro ano da iniciativa, os ex-carroceiros chegaram a produzir blocos para pavimentação que foram usados em passeios públicos pela prefeitura. Mas limitações de resistência do produto para uso em vias acabou interrompendo as encomendas. Hoje, a CTSA busca se inserir em projetos de habitação do município usando incentivos da legislação para compras oriunda de cooperativas.
"Nosso trabalho é muito bom, o problema é que a renda é pouca", lamenta Oliveira. "A gente produz, mas não consegue vender. Acabei voltando para a reciclagem com carrinho. Ficar parado não dá", justifica ele. Oliveira e Alves, ao lado de Amaral, Giulia e das colegas do projeto da Ufrgs mantêm os testes para melhorar, os blocos e aguardam a chance de conseguir que lojas queiram vender os materiais. A comercialização também é decisiva para atrair muitos ex-carroceiros que se afastaram, pois necessitam de ocupação que assegure renda.
A produção dos ecoblocos é acelerada na sede da Cooperativa de Transformação Socioambiental (CTSA), no bairro Camaquã, Zona Sul de Porto Alegre. O desafio agora é conseguir que lojas de materiais de construção e consumidores diretos se interessem pelo produto e impulsionem o sonho de uma nova vida para os ex-carroceiros de Porto Alegre. Os blocos têm uso principal em vedação de edificações residenciais e comerciais, mas também podem ser aplicados em paisagismo e hortas domésticas. "Teve cliente que usou em mobiliário", comenta o coordenador administrativo da ONG Solidariedade, Sérgio Bueno do Amaral.
O milheiro dos blocos custa
R$ 2 mil. A estudante Giulia Tomazi Kny ressalta vantagens para quem optar pelos ecoblocos, para que a simples comparação de preços não desestimule a compra. "Ao substituir um tijolo por um bloco de concreto, vamos melhorar o conforto térmico e acústico da construção e, ao mesmo tempo, ajudar o meio ambiente e as pessoas que precisam", motiva a estudante, vinculando sempre ao projeto com os ex-carroceiros. "O material é muito bom. Só precisa ter mercado", reforça a jovem.
Amaral, que tem buscado contato com lojas do setor, espera que "a mesma sociedade que clama por saídas sustentáveis" queira conhecer o projeto. "Sustentabilidade não é só proteger o ambiente, mas também inserir localmente e em seu território quem tem baixa ou nenhuma renda", associa o fundador da Solidariedade. O grupo acredita que, além do varejo, engenheiros e arquitetos podem ajudar a abrir mercado ao conhecer o ecobloco e adotá-lo em seus projetos.
O ex-carroceiro Pedro Paulo Bandeira Alves reforça: "Precisamos vender para entrar dinheiro e pagarmos nossa despesa". O colega de cooperativa Carlos Miguel de Oliveira é mais incisivo: "Dá uma força aí comprando!". Oliveira comenta que só voltou às ruas porque não podia ficar apenas no projeto, sem ter uma renda mais certa, mesmo que recolher e vender resíduos recicláveis nas ruas não assegure um ganho estável. "Não precisa comprar milheiro, pode ser 50 ou menos. Muitos usam para fazer de vaso e plantar flores", provoca o ex-carroceiro. A quem se interessar, a cooperativa tem um bom estoque de ecoblocos prontos para atender aos pedidos.